
Talvez o leitor não tenha todos os dados para descodificar a pantomina que envolveu a divulgação de imagens com Santos Silva, Marcelo e António Costa, em amena cavaqueira após o discurso de Lula da Silva no parlamento. As imagens são conhecidas: as 3 mais altas figuras da política e do Estado português comentam o que se passou no plenário, e o presidente da Assembleia da República elogia-se a si próprio, critica a Iniciativa Liberal e arrasa o Chega. Depois, Santos Silva mostrou-se chocado com a existência das imagens e mandou apagá-las do site do parlamento, alegando que eram ilegítimas.
Como é que aqui chegámos? Simples. O que aconteceu é o que se passa em todas as cerimónias solenes, não teve qualquer surpresa para nenhum dos intervenientes, é planeado, divulgado e articulado com todas as televisões. Ou seja, a surpresa de Santos Silva é uma encenação para português ver.
Passa-se assim: para evitar a confusão de meios no interior do parlamento, a ARTV, televisão da Assembleia da República, faz o chamado 'host', ou seja, garante a cobertura de todos os momentos da cerimónia, e distribui-as, em sinal limpo ('clean feed'), para todas as televisões, sites, e quem o solicitar, desde que legitimamente autorizado a emitir em Portugal. Cada uma das televisões e outros órgãos é, depois, livre de emitir, não emitir, comentar, fazer o que quiser com esse sinal limpo.
O programa das festas e da cobertura é preparado, planeado, e executado após múltiplas reuniões e informações passadas a toda a gente. Ou seja, o que aconteceu é normal, habitual, toda a gente sabia, além, naturalmente, de ser visível no momento que estava ali uma câmara (a mulher do primeiro-ministro, aliás, apressou-se a recordá-lo ao seu marido).
Assim, todo o protesto de Santos Silva é o culminar de uma peça do absurdo – finge que foi apanhado de surpresa por algo que tem obrigação de saber, e que, na prática, depende dele.
Só faltou o presidente da Assembleia da República fazer queixa à ERC da própria televisão do parlamento. Para acabar em beleza este triste episódio, se calhar ainda vai a tempo.
PROGRAMAÇÃO - VITÓRIA EM CRISE
Os três canais FTA registam em abril o pior share do ano. A distância entre SIC e TVI está reduzida a duas décimas. O líder, a SIC, ganha o mês apenas com 15% de share. É por isso uma vitória em crise, a de Daniel Oliveira, em abril. Mas é uma vitória, para todos os efeitos, numa altura em que a TVI tinha tudo para ganhar, com vantagem, sobre toda a concorrência. A SIC está pendurada na vantagem da sua informação, nos formatos arrasadores que sucessivamente vai inventando para o fim de semana, e no facto de os programadores do canal serem os melhores do mercado. Finalmente, o inevitável regresso do 'Big Brother' tarda… Ou seja, tudo indica que o ano de 2023 é novamente da SIC.
INFORMAÇÃO - CONTRAPODER
É um raro formato de cabo que junta dois comentadores brilhantes, heterodoxos, sem donos nem censuras. Sérgio Sousa Pinto, hoje em dia um dos mais independentes espíritos da política portuguesa, e Sebastião Bugalho, um comentador enérgico e criativo, cujo ritmo de pensamento só tem par no ritmo de oralidade. Tudo moderado por Anselmo Crespo, que deixa o palco às verdadeiras estrelas do programa. Os leitores compreenderão que fale dum formato de cabo, exceção à regra desta coluna, mas a excelência justifica a referência. Merece mais tempo na antena no canal CNN.
SOBE - CRISTINA FERREIRA
Conseguiu fazer de um formato frágil, 'O Triângulo', líder das noites de domingo. Na economia global do canal, isso vale de pouco. Mas prova que, sob determinadas circunstâncias, consegue impor-se como apresentadora. E já tem mais argumentos para não voltar às manhãs.
DESCE - ANA LOURENÇO
O 'Telejornal' de domingo mostra grandes fragilidades. Até com uma entrevista ao primeiro-ministro, há duas semanas, conseguiu perder para vários formatos do cabo, ou seja, da CMTV. Algo vai mal na informação da RTP1, sobretudo numa fase em que a programação dá cartas.
A conferência de imprensa de um ministro da República para lavar roupa suja e esgrimir argumentos com um adjunto entra para a história como um dos momentos mais baixos das instituições democráticas em Portugal.