
Provocou uma grande inquietação a notícia que dá conta que duas crianças brasileiras terão sido tratadas no hospital de Santa Maria, alegadamente através de uma "cunha" do presidente da República, cujo valor dos medicamentos ascende a quatro milhões de euros. A notícia é de tal modo espantosa que escrevo com alguma desconfiança quanto à sua fidelidade.
A ser verdade, repito, a ser verdade, estamos perante uma sucessão de crimes, de atalhos administrativos, de manipulação de dados que revela como o Serviço Nacional de Saúde é corroído pelo compadrio, pelo clientelismo que se apropria dos bens públicos a seu bel-prazer.
Mesmo admitindo, por absurdo, que Marcelo Rebelo de Sousa tenha metido a tal "cunha" não seria possível ministrar tais medicamentos sem uma corrente discreta de cumplicidade que vai desde a tutela política da Saúde, passando pela administração (ou administrador) do hospital e que desemboca no médico (ou médicos) que aceitou a ‘cunha’ para a decisão farmacológica.
É muita gente para se aceitar, de imediato, o abuso de poder, agravado pelo desaparecimento dos documentos que suportariam este ato clínico. Muita a gente para encobrir este eventual atropelo.
Fico satisfeito por saber que as duas crianças se salvaram, independentemente das falcatruas que terão sido realizadas. Não é possível ficar satisfeito, apenas muito incomodado, por saber que existem outras crianças portuguesas a quem o mesmo medicamento tem sido negado devido ao brutal preço que comporta.
É uma ferida muito grave na confiança dos utentes do SNS, criando a ideia de que a balança da justiça divide os doentes entre filhos e enteados. Por isto mesmo, é um paliativo, à boa maneira de Pôncio Pilatos, aceitar que o inquérito agora decidido pela administração do hospital consola a revolta daqueles que precisam de acreditar que as instituições não protegem caciques.
Os danos que provoca na credibilidade pública exige a intervenção da Polícia Judiciária e do Ministério Público para que o País seja esclarecido sobre os factos que estão a gerar esta polémica. Sem partidarites, nem paixões. Doa a quem doer.