
Prometo amar,
a mãe com o bebé no colo no meio da sala desarrumada,
o amor desarruma,
e é ele que coloca tudo no sítio, ainda assim,
só ele, na verdade,
uma casa sempre arrumada é uma casa morta,
a vida desarruma,
a mãe promete, e cumpre,
prometo amar,
o bebé sorri primeiro,
quantas vidas vale o sorriso de uma vida a começar?,
a morte custa porque nos mata o sorriso, antes de mais nada,
de repente chega a fome e o bebé chora,
a fome faz chorar, a falta faz chorar,
mas o amor aguenta, o amor suporta,
se há algo que o amor faz é aguentar, suportar,
e nem custa nada,
quando se ama, o que se suporta é também o que se ama, o que se aguenta é também o que se ama,
ama-se para que a vida continue,
prometo amar,
a mãe ao ouvido do bebé,
já sabe que há fome e já sabe como a resolver,
as mães sabem quase sempre como se resolve a dor de um filho,
e quando não sabem inventam e assim acabam mesmo por saber,
já despiu uma parte da parte de cima da sua roupa e vai começar a tapar a fome do bebé com aquilo que lhe tapa a fome,
há alturas na nossa vida em que a única coisa que nos tapa a fome é alguém ter a coragem de vir de pele e alma até nós,
prometo amar,
continua a mãe,
o bebé já não chora, a fome está a desaparecer enquanto a sua boca procura a pele da mãe que lhe dá de comer,
somos viciados na pele de quem amamos, nem que seja só de a ver,
somos viciados na pele de quem amamos,
e há lá vício mais saudável do que esse?,
prometo amar,
nem que doa, e às vezes dói tanto, nem que custe, e às vezes custa tanto, nem que amar nos tire do sério,
que assim seja, por favor, há lá algum interesse no que não nos tira de nós e nos leva para o meio de nós?,
mas o que custa mais é não amar,
acabar é parar de amar,
só isso,
nunca ninguém sofre por amor, só por falta dele,
a mãe promete amar, e ama,
o bebé quase satisfeito no peito dela,
haja um colo para nos salvar e nunca precisaremos de qualquer tipo de salvação,
do nada ouve-se um barulho que não se explica, um estrondo que não se explica,
um raio cai naquela casa onde o amor tinha caído para sempre,
um raio que atinge a mulher, a mãe,
e o filho continua a matar a fome,
sem saber que algo já lhe havia matado a mãe,
e as horas passam,
um bebé agarrado ao peito da mãe morta,
prometo amar,
e salvar,
um bebé vivo pela protecção da mãe,
horas depois a polícia, o fim de tudo,
o bebé a chorar porque já não tem a mãe,
porque a mama da mãe está morta,
a mãe inteira está morta,
mas o filho vive,
vai viver,
porque a mãe o salvou,
todas as mães servem para salvar os filhos,
todos os amores servem para salvar pessoas,
e um dia um filho vai escrever à mãe,
obrigado, mãe,
e um dia um filho vai querer dizer ao mundo que foi salvo pela mãe, que nem um raio conseguiu seguir perante o amor de uma mãe,
para que raios serve o amor se não for para nos salvar também de todos os raios que nos querem atingir?,
prometo amar,
disse a mãe antes de morrer com o filho no peito, antes de salvar com o peito a vida do filho,
prometo amar,
vai um dia dizer o filho,
é hoje o dia, minha mãe,
prometo amar,
porque nunca se sofre por amor, só por falta dele,
e eu sinto-te a falta, mãe,
prometo amar.
Opaco: adj. O contrário de transparente — que é o mesmo que dizer o contrário de ti; por mais nuvens que o céu tenha nunca o sol deixará de lá estar.