
Esta semana vai fazer 99 anos que, com assinatura do Presidente Sidónio Pais, foi criada a Polícia de Investigação Criminal – a PIC. Daqui surgiria, após a Segunda Guerra Mundial, a Polícia Judiciária que hoje conhecemos. Que trazia de diferente esta Polícia que a afastava de todas as outras forças de segurança e abria um novo caminho no combate ao crime? Em primeiro lugar, trazia um anseio.
Cansados das injustiças cometidas nos tribunais, um grande movimento de protesto atravessou as elites europeias da segunda metade do séc. XIX. Romances dos 'Os Miseráveis', de Victor Hugo, ou o 'Conde de Montecristo', de Dumas, são a expressão mais popular de um debate impulsionado pela euforia cientista, que entretanto dava os primeiros passos, e recusa que um Estado fundado no Direito tivesse Tribunais onde a vontade e os preconceitos judiciários ditavam as mais inacreditáveis das penas, desde o degredo até à pena de morte.
Em segundo lugar, porque o conhecimento científico que resultava do experimentalismo, da vulgarização do microscópio, da multiplicação de laboratórios, do estudo em profundidade da anatomia, da biologia, da toxicologia revelam um mundo inimaginável de sinais (os vestígios) que poderiam com maior exactidão encontrar culpados e diminuir o escândalo dos erros judiciários.
O estudo das impressões digitais deu um impulso decisivo a esta nova abordagem do crime. Assim como a vulgarização da autópsia. As investigações sobre explosivos e balística. O conhecimento químico de tintas e de venenos. Em terceiro lugar, um dos maiores contributos, como sublinhou Edmond Locard, pai da investigação criminal, veio da ficção. Do romance policial. Com particular destaque para Sherlock Holmes, o detective da minúcia, que encantava milhões de leitores pelo mundo fora, incluindo polícias.
A PIC abandonou a ideia de verdade como durante séculos foi entendida. Secundarizou confissões e testemunhos. Veio estabelecer a ciência como pressuposto fundamental para o apuramento da culpa e da responsabilidade de um eventual criminoso. Hoje, quase um século depois, ainda estamos longe dessa utopia que expurga convicções e ideias prévias. Porém, já é grande e honrado o caminho percorrido.