
Esta é a história de um amor feliz que acabou quando tinha de acabar, depois de seis meses de muita alegria e uma tarde de desentendimentos. Teve o seu período de luto, acho que foram dois ou três meses, e a seguir, qual Fénix das cinzas, uma bela amizade floresceu para toda a vida. A minha vizinha do terceiro esquerdo foi a protagonista desta aventura sem consequências nefastas que se deu há uns quinze anos, mais coisa menos coisa.
Chama-se Patrícia, mas desde o Liceu que lhe chamamos Pamela por lembrar em estatura e proporções a mítica nadadora-salvadora da série Bay Watch. Com 16 anos eu era um cabide com o risco de levantar voo nos dias de vendaval, portanto invejava as suas formas generosas que deixavam os rapazes do praceta e das redondezas num estado de nervos muito avançado. O único que conseguia estar perto dela sem que se lhe notasse a menor alteração era o meu irmão Filipe, um nerd míope e divertido que escondia as suas inseguranças por detrás de umas fundíssimas lentes de fundo de garrafa e um sentido de humor hilariante.
A Pamela ia muito lá a casa, passávamos as tardes na cozinha, ela a contar-me os avanços dos rapazes, enquanto bebíamos leite com Ovolmatine e devorávamos pacotes e Bélinhas. O Filipe juntava-se a nós e começava a contar piadas e a fazer imitações das personagens do Herman até nos caírem as lágrimas de tanto rir, depois encolhia os ombros e rematava:
- Vou desligar a máquina dos disparates, porque amanhã tenho teste de matemática e quero ter 5.
O Filipe tinha sempre 5 a tudo menos a Educação Física, ao contrário de mim, que andava entre os 3 e os 4 e da Pamela, que vivia na corda bamba do chumbo iminente, coisa que nunca aconteceu, só Deus sabe porquê. Numa festa de Carnaval em que eles se mascarou de Austin Powers, - o que para ele foi facílimo, porque só precisou de se despentear e de comprar uns dentes postiços-, a Pamela, que estava obviamente mascarada de Pamela Andersen, enganchou-se com ele num slow infinito, talvez dos Chicago ou dos Supertramp, e aquilo deu um romance de seis meses. Quando acabou não houve choros nem zangas, transmutaram a paixão tórrida numa amizade fraterna e o tempo encarregou-se de apagar todos os vestígios do élan romântico.
Anos mais tarde eu casei, o Filipe casou com uma colega de curso franzina, nerd e míope como ele e a Pamela casou um avançado do Sporting. O feliz contemplado com a noiva bombshell foi comprado pelo Manchester e a Pamela rumou para o Reino Unido.
Estivemos mais de 15 anos sem nos vermos. Depois eu divorcie-me, o Filipe também, quase ao mesmo tempo e no Natal passado encontrámos a Pamela na entrada do prédio dos nossos pais. Eu com os meus filhos já enormes, o Filipe com a Ritinha dele e a Pamela com um latagão cheio de borbulhas. Como não cabíamos todos no elevador, o Filipe ficou no patamar à conversa com ela. Subiu minutos depois, muito corado, com o iphone na mão, tinha-lhe pedido o número. A Pamela também estava separada, voltara para Portugal e vivia em Almada, porque não tinha conseguido encontrar um apartamento em Lisboa.
Para abreviar a história, imaginem quem era o par do meu irmão na festa de Carnaval de 2018? Fácil, não é? Ele vestido de Austin Powers e ela semi-vestida de nadadora-salvadora. E claro, o romance pegou outra vez. O calmeirão que se chama Ivo é o melhor amigo da Ritinha, leva-a ao ballet e não a deixa sair à noite sozinha. O Filipe ganhou um mulherão e a minha sobrinha um irmão. Quando lhe perguntei como é que aquilo tinha acontecido, disse-me:
- Sabes, liguei outra vez a máquina dos disparates e ela disse-me que nenhum homem a fazia rir tanto como eu. E eu tirei os óculos antes que embaciassem e dei-lhe um beijo.
Parece-me que desta vez vão ser felizes para sempre.