
As pessoas más seriam menos perigosas se não carregassem dentro de si alguma bondade. Quem escreveu a frase foi o meu querido Oscar Wilde. Chamo-lhe querido, porque além de me ter apaixonado pela sua obra, o tempo granjeou-lhe o respeito e o carinho do mundo. Um escritor que venceu na vida e na morte merece um lugar no pódio da eternidade. Não é para todos, porque os que atingem sucesso enquanto vivos, muitas vezes acabam por secar como pessoas e como artistas, e os que atingem a glorificação póstuma já não estão cá para a celebrar. Conseguir aguentar dois polos tão opostos da existência numa só vida, isso sim é de grande valor.
Oscar Wilde alcançou tão heroico feito porque gozou a glória e sofreu a humilhação com igual elegância e dignidade, quer quando estava na moda e a sociedade londrina o idolatrava, quer quando esteve preso durante quase dois anos. Wilde não foi condenado por fraude, roubo, violação, tentativa de homicídio. O que levou o escritor e dramaturgo ao cárcere foi o amor. A sociedade condenou-o e desprezou-o por amor a um monstro, o dandy Alfred Douglas, conhecido por Bosie, que lhe roubou tempo, dinheiro, afecto e respeito, e que depois o abandonou quando ele mais precisava. Claro que isto já aconteceu a milhares de mulheres e infelizmente o que se passa no mundo nos vai indicando que assim será eternamente. São condenadas as mulheres que sofrem de violência doméstica, de abusos sexuais, de qualquer tipo de discriminação por causa do género a que pertencem. Mulheres que não precisam de estar fechadas numa cela porque a vida já faz delas reféns, tantas vezes sem qualquer possibilidade de fuga. São condenadas todas as pessoas que, vivendo o tormento de uma paixão tóxica, não possuem meios para dela se libertarem. São condenados todos aqueles que não deixam para trás uma relação funcional, sofrível, repleta de mentiras e de omissões com medo da solidão.
No caso de Oscar Wilde, a condenação de um homem pelo crime de amar é que pode espantar e isso leva-me a pensar que a vida dos grandes homens devia ser tão estudada como a Antiguidade Grega, as Invasões Romanas, as contribuições de Galileu e de Leonardo e as viagens de Fernão de Magalhães.
Todas as pessoas são especiais, mas certamente umas são mais especiais que outras. Oscar Wilde era um homem especial, Alfred Douglas, seu amante, nem tanto. Contudo, talvez soubesse como ninguém fazer com que o seu amante se sentisse único, incomparável e insubstituível, até ao dia em que foi a tribunal responder pelo crime de práticas homossexuais. Depois de condenado e preso, Alfred nunca o visitou.
Às vezes penso que os verdadeiros monstros são seres que só alcançam a glória no sofrimento alheio. Se o fazem por inconsciência ou de forma premeditada, é um mistério que apenas os próprios sabem, ou não, responder. Quase dois séculos depois, Oscar é considerado um génio e poucos se lembram do monstro que lhe roubou a inspiração, a liberdade e a fortuna. É uma pena que assim seja, porque se a Humanidade esquecer Hitler ou Estaline, eles poderão voltar sob a pele de outros monstros.
Para os monstros não há regras nem limites, apenas desejos e obsessões, para eles o próximo não tem valor humano, porque só existe para os servir. Há monstros em todas as gerações e culturas, homens e mulheres. Podem ter a expressão mais casta e pura, as mãos mais macias e perfeitas, o sorriso mais cândido e a voz mais meiga, mas nasceram sem coração e nem mesmo quando passam a vida a roubar e a destruir o coração dos outros, jamais saberão o que é ter um.
E é por isso que nunca serão pessoas. E é por isso que são tão infelizes.