
Podiam ser, de facto, irmãos. Cristiano Ronaldo é mais novo do que Ricardo Quaresma apenas ano e meio. O "ciganito", como era conhecido quando chegou a Alvalade, com apenas 7 anos, tem 34. Ronaldo, a quem os colegas chamavam "Roni", tem 33. Ao amigo, CR7 trata por "meu puto lelito". Em comum, têm o percurso feito no Sporting Clube de Portugal, onde se fizeram jogadores e homens.
Cá fora, Quaresma tinha o apoio familiar da mãe e dos irmãos. Ao contrário, Ronaldo estava sozinho em Lisboa e, todos os dias, chorava. Conheceram-se em Alvalade e sempre se deram bem, desde miúdos. Uma amizade que foi crescendo e se reforçou no início da adolescência "quando começaram a alinhar pela equipa B", contou Aurélio Pereira à FLASH!, responsável pelo Departamento de Recrutamento para a Formação, dos leões.
AFINAL HAVIA OUTRO!
Quando Ricardo Quaresma chegou a Alvalade, estava escrito no destino do miúdo, de etnia cigana, que haveria de, um dia, tornar-se um astro da bola. Só que ninguém desconfiava..." Ouvi falar num miúdo que era muito bom, que jogava no Domingos Sávio, uma equipa das Oficinas de S. José, em Campo de Ourique, chamado Alfredo. Mandei lá o Henrique Claro, para ver um treino, só que ele reparou noutro miúdo mais pequeno, e perguntou ao Alfredo quem era. ‘É meu irmão!’, disse o rapaz. Acabaram por vir os dois para o Sporting", recordou Aurélio Pereira, 68 anos, que descobriu outros talentos, como Luís Figo.
Quaresma morava com a mãe e o irmão. O pai saiu de casa quando o "ciganito" tinha somente quatro anos. Quando começou a treinar no Sporting, ia de autocarro para Alvalade. Cresceu na rua o que, na opinião de Aurélio Pereira, foi determinante para o seu sucesso, bem como para o êxito de Cristiano Ronaldo.
"São miúdos que têm que aprender a desenrascar-se desde muito novos. Têm que tomar decisões por eles. E que jogaram na rua.Trazem o futebol nos pés. Eram crianças que estavam habituadas a fugir, porque saltavam para dentro de um quintal para jogar à bola, e lá vinha um cão ou a dona da casa. Ou chegavam a fintar dez polícias sem serem agarrados, por causa disso".
Só que, ao final do dia, Ricardo voltava para os braços da mãe, que tinha três trabalhos para conseguir criar os filhos. Ao invés, Ronaldo, quando chegou, com 11 anos – Quaresma tinha dez e três de Sporting –, chorava com saudades da mãe, Dolores Aveiro, que insistia para que ele ficasse no continente, pois só uma carreira, no mundo do futebol, poderia resgatá-lo à pobreza.
Ao mesmo tempo, sempre a pensar no bem estar da família, Dolores evitava que o filho mais novo se apercebesse do alcoolismo do pai. Ele pedia para ir para casa e detestava ir à escola, em Telheiras, onde os outros miúdos se riam do seu sotaque madeirense. O seu primeiro dia de aulas, em Lisboa, foi uma tragédia. A professora também não conseguiu conter o riso, quando ele se apresentou durante a chamada. Ronaldo ficou revoltado, agarrou numa cadeira e ameaçou atirá-la à docente. Foi o primeiro de alguns processos disciplinares.
Mas, em Alvalade, os miúdos tinham mesmo que ir à escola; a vida não podia ser só futebol. "Sempre fizemos questão que eles se formassem, enquanto jogadores, mas também como homens. E a escola era uma exigência. Tanto o Ronaldo como o Quaresma iam à escola, de forma regular, até que o sucesso desportivo se começa a sobrepor e há um afastamento natural da escola", descreveu Aurélio Pereira.
O "BENJAMIN" DE ALVALADE
Cristiano Ronaldo foi o primeiro miúdo pequeno a chegar de fora a Alvalade e semfamília por perto. Os outros meninos iam para as suas casas ao final dos treinos. Ele ficava no Lar do Sporting, um edifício com 7 dormitórios e uma sala comum (onde havia uma única televisão) perto dos campos de treinos.
"Para nós também foi um processo de adaptação e todos tiveram que colaborar, para o apoiar, desde os roupeiros, aos enfermeiros e treinadores", conta Aurélio Pereira. Ronaldo acabou por ter um tutor oficial, Leonel Pontes.
ACARINHADOS POR FAMÍLIAS "REMEDIADAS"
O espírito de entreajuda era incentivado pelos técnicos sportinguistas, que trabalhavam com os jogadores infantis e juniores. "No balneário eles tinham que ser todos iguais. Por isso, nós fazíamos questão que todos os miúdos convivessem, mesmo fora do campo".
Era frequente Ricardo Quaresma ser recebido em casa de colegas, cujas famílias tinham uma vida desafogada, e até
passava alguns fins de semana fora, com essas famílias que o acolhiam, como um filho. Cristiano Ronaldo contava com os mimos do tutor, Leonel Pontes, que o levava a almoçar ou jantar a sua casa, a passear pelos arredores de Lisboa e à praia, em Cascais.
Certo é que tanto Ricardo Quaresma, quanto Cristiano Ronaldo, sempre tiveram a presença e o amor das mães, ainda que a do madeirense não o pudesse acompanhar todos os dias. "Tanto um como outro são homens com grandes valores e que amam as suas mães. Garanto-lhe que, tanto um como o outro, dariam a vida por elas", afiança Aurélio Pereira, que os conhece como se fossem seus próprios filhos.
JUNTOS NA ADOLESCÊNCIA
A amizade entre Cristiano Ronaldo e Ricardo Quaresma evoluiu desde a infância, quando se cruzavam em Alvalade – "apesar de nunca terem jogado nas mesmas equipas", como refere Aurélio Pereira – e cimentou-se na adolescência, quando ambos os extremos começaram a alinhar pela Equipa B do Sporting. Deram nas vistas e Aurélio Pereira gostaria que Quaresma tivesse rumado a Manchester com Ronaldo, o que não aconteceu.
"Tenho a certeza que a vida do Quaresma teria sido totalmente diferente", afirma um dos "olheiros" mais bem sucedidos da Europa, referindo-se aos altos e baixos na carreira do "ciganito", por oposição à escalada regular de Ronaldo, até ganhar a sua primeira Bola de Ouro, em 2008, título que distingue o melhor jogador do mundo. Em comum, Ronaldo e
Quaresma têm ainda o talento, o espírito de equipa e corações sem tamanho.