
Volodymyr Zelensky passou de comediante mais popular na Ucrânia e na Rússia para o presidente invisível e, pouco depois, o homem que decidiu enfrentar o poder de Vladimir Putin. Os jornalistas australianos Andrew L. Urban e Chris McLeod correram para contar a história desta figura de um metro de 70 centímentros, de 44 anos, que costumava viver de fazer os outros rirem, agora não esconde a ruga cada vez mais acentuada na testa. 'Zelensky – O Herói Improvável' chegou a Portugal no mês passado, sob a chancela da Ideias de Ler. A FLASH! falou com Andrew L. Urban, que vive em Sydney.
Como é que este livro começou?
Como é que este livro começou?
Estava prestes a perguntar-lhe sobre isso. Como foi a experiência de escrever sobre Zelensky enquanto a guerra estava a progredir e você estava à distância, sem a ouvir os sons das bombas?Quer dizer… na verdade nós estávamos porque houve uma grande cobertura da guerra, foi quase como estar lá de certa maneira. Poderíamos estar em Kiev e não teríamos uma visão melhor, a não ser que estivéssemos no campo de batalha. Nem sequer pensei sobre isso ser um problema porque tornou-se num evento na Internet. Ele estava a usar muito as redes sociais, tanto como comunicação para o seu povo e para o mundo, como propaganda. Nós estávamos a ver aos desenvolvimentos. E, claro, ele fez os discursos por videochamada para os parlamentos: o Parlamento Europeu, o Parlamento Britânico, o Congresso Americano e outros. Nós estávamos muito conectados e a história dele era muito fácil de se encontrar. Só tínhamos de fazer a pesquisa.
A relação que Zelensky tem com as redes sociais é muito diferente da de Vladimir Putin. O que pensa ser o motivo do sucesso de Zelensky nesta área?Zelensky é o oposto direto de Putin, pessoalmente, politicamente e no modo em que ele passou as suas comunicações para o mundo durante a guerra, ainda o é. Enquanto Zelensky estava nas ruas com o pacote das redes sociais, a falar para o mundo em Kiev, Putin estava a uma distância de vários metros a falar com os próprios generais. Completamente o oposto.
The last time (and maybe the first time) most Americans heard of Volodymyr Zelensky, the Ukrainian president was at the center of a scandal that would lead to the impeachment of then-President Trump.https://t.co/oL2OHPVjaQ pic.twitter.com/eDBVKHACfA
— Los Angeles Times (@latimes) March 22, 2022
É interessante porque no famoso telefone com Donald Trump, há três anos, ele diz que "aprendeu" com o então presidente dos Estados Unidos, enquanto candidato. O que acha que ele queria dizer que "aprendeu"?
É interessante porque no famoso telefone com Donald Trump, há três anos, ele diz que "aprendeu" com o então presidente dos Estados Unidos, enquanto candidato. O que acha que ele queria dizer que "aprendeu"?
Como estava a ser correr a sua presidência antes da guerra, antes deste palco mundial?Não muito bem, ele tinha ganho as eleições com uma popularidade enorme, 72% dos votos, mas porque, penso eu, tinha prometido combater a corrupção, o que não foi fácil de fazer e foi um trabalho muito lento. Antes da invasão russa, a sua popularidade tinha afundado, para cerca de 30%. Foi uma grande queda. De certa forma, a invasão aumentou a sua popularidade, mas eu aposto que ele preferia não ter a invasão. Acho que ele aprendeu muito, e rapidamente. Uma das coisas que ele disse quando estava a concorrer, que eu acho que é a chave para Zelensky como presidente é… Algumas pessoas diziam que ele não tinha experiência na política, então ele respondeu: "não é preciso ter experiência na política, só temos de ser uma pessoa decente", o que eu achei uma coisa tão inovadora de se dizer. Espero que alguns outros políticos saibam disso em todo o mundo. Naquele primeiro encontro, em Viena, foi interessante porque Putin, obviamente, meio que o desprezou. Ele achou que Zelensky era um fraco, um comediante a fingir ser um presidente, e ali estava Putin, o homem forte e poderoso da Rússia. Foi ali que ele formou a sua visão sobre Zelensky, que estava tão errada. Uma das minhas regras de ouro na vida é nunca assumir nada sobre ninguém, se o fizeres cometes um erro e eu acho que esse foi o erro de Putin.
E quanto à sua imagem internacional? Estava a falar como estava a correr a presidência dele, como estava a sua imagem internacional antes da guerra?
E quanto à sua imagem internacional? Estava a falar como estava a correr a presidência dele, como estava a sua imagem internacional antes da guerra?
"Antes da invasão russa, a popularidade de Zelensky tinha afundado, para cerca de 30%. Foi uma grande queda. De certa forma, a invasão aumentou a sua popularidade" Por que é que o chamou de "o herói improvável" no livro?
Por que é que o chamou de "o herói improvável" no livro?
É engraçado, porque o meu título preferido era ‘Zelensky - O Herói improvável’ [em inglês é ‘The Unlikely Ukrainian Hero Who Defied Putin and United the World’], então vocês [em Portugal] chamam-no como eu queria. Mas é "improvável" porque ele um jovem não-político, ou melhor, uma personagem política não conhecida que é o presidente de um Estado que nós pensávamos ser inferior ao russo, militarmente e em poder. Ele era como o David para o Golias da Rússia - apesar de a Ucrânia ser um produtor muito importante de comida, eles exportam enormes quantidades, isto é um grande problema. Ele não era o tipo de pessoa que se esperava que se opusesse a Putin. Por isso alguém chamou-o de ‘Churchill de t-shirt’, porque ele está a usar as palavras, ele inspira as pessoas e luta contra Putin.
E concorda com esta definição?Sim, concordo. Acho que é uma descrição muito pequena, claro, é incompleta, é apenas um rótulo, mas de certa forma temos o mundo a vir vê-lo rapidamente, por causa do que ele estava a falar e como estava a falar. O ato de recusar sair pela sua própria segurança, ele foi reminiscente de Churchill quando Hitler estava a atacar a Grã-Bretanha. As pessoas surgiram com essa noção sozinhas no Ocidente. Então sim, quer dizer, não é completa.
Ele tem usado algumas frases fortes, nesta entrevista mencionou algumas, e ele não é tão diplomático, pelo menos não era nos primeiros dias. Chamou-o de "imprudente" no seu livro, porque num momento ele revelou a localização. Acha que este é o seu lado mais dramático tendo em conta os anos como ator?Provavelmente sim. Ele está habituado a estar à frente de uma plateia e como um comediante ele tem prática em lidar com o público. Mas, na verdade, o que me impressionou sobre isso foi que quando ele estava a falar, uma das suas primeiras respostas públicas à reunião da UE, ele foi muito brusco. Ele disse: nós acabámos de ter uma reunião que obviamente ninguém quer saber sobre o futuro da Europa. Não é linguagem diplomática, e isso foi revigorante. Ele estava e ainda está numa situação dramática de ameaça de vida do seu país e é perfeitamente perdoável. Fico feliz que ele tenha feito isso, é preciso ser um pouco brusco nessa situação.
Como a declaração "preciso de munições, não de uma boleia"…Isso foi algo que toda a gente viu como sendo um interessante e importante sinal de caráter.
Ele é o primeiro presidente ucraniano judeu. Qual tem sido a importância dessa parte da sua história na presidência e em tempos de guerra?Ele minimiza o seu judaísmo, diz que não fala sobre religião. Ele foi criado no que era originalmente a Rússia [em Kryvyi Rih] e os judeus não faziam grande barulho sobre isso. Muitos judeus nem sequer praticavam a religião. Ele não é um judeu praticante. Para ele, é apenas uma pequena parte de um todo.
Como era a vida de Zelensky antes da presidência?Ele era um produtor e ator de televisão de sucesso, ficou muito rico. Ele tinha a série, que tem o mesmo nome que o seu partido, ‘Servo do Povo’, a sua mulher [Olena Zelenska] escrevia guiões. Eles eram muito bem-sucedidos, tinham outros programas. ‘Kvartal 95’ era o nome da empresa de produção. E não esqueça que ele era muito conhecido na Rússia porque o programa era o terceiro mais popular em 2019. Mas houve aquele momento, no início do ‘Servo do Povo’, onde a premissa do programa era que um professor teve uma reação enfurecida sobre a corrupção para com um colega na sala de aula. E um estudante grava isso em segredo, coloca na Internet e torna-se uma sensação viral. Isso leva a sua personagem a tornar-se presidente. Foi o prelúdio dele a fazer exatamente isso na vida real. Ele escreveu o guião da sua própria ascensão à presidência, o que é fantástico.
"Zelensly era um produtor e ator de televisão de sucesso, ficou muito rico. A sua mulher [Olena Zelenska] escrevia guiões. Ele era muito conhecido na Rússia porque o programa era o terceiro mais popular em 2019"
O que é que achou mais interessante sobre ele?Antes da invasão, a sua popularidade era muito baixa e imediatamente a seguir à invasão subiu para os 90%. Foi o seu caráter, foram as suas respostas de caráter para com a guerra, que mostraram ao seu povo do que ele era feito, é quase como uma história de Hollywood sobre o homem comum em circunstâncias extraordinárias. Há muitos filmes desses, porque as pessoas respondem a isso, as pessoas gostam dessas histórias.
O que acha que serão os próximos passos de Zelensky?Toda a gente está a tentar adivinhar, mas o que vale a pena lembrar é que quando a guerra começou, o Ocidente estava muito lento e relutante em colocar muitos militares em movimento, foi muito lento, mas quando viram a resistência ucraniana e a sua habilidade em ripostar, foi aí que começaram a colocar o tipo de armas que eles realmente precisavam. Acho que, desde o início, o que era muito provável ser um desastre para a Ucrânia agora é mais provável ser um desastre para a Rússia.
Escreveu sobre a mulher de Zelensky, Olena, e a maneira que ela descobriu que ele ia candidatar-se à presidência, pelas redes sociais. Recentemente, numa entrevista, ela contou que não sabia que eles iam ficar separados nas primeiras semanas da guerra. Considera que este é um padrão de Zelensky, esconder algumas coisas da sua família?Não sei, mas ele deveria ter-lhe dito, sem dúvidas. [risos] Deve-se sempre dizer tudo à mulher.