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A grande orgia de Sam Smith: das lágrimas às cenas de bondage e às virgens ofendidas. O processo de libertação de um homem nada banal

Deve ter havido quem o achasse ridículo, nojento e grotesco, mas muitos mais foram os que aplaudiram a ousadia de Sam Smith na sua mais recente passagem pelo Nos Alive. Quem não gostou e não percebeu temos pena, até porque só conseguiu levar para casa o preconceituoso comentário: “soltou a franga!”
Miguel Azevedo
Miguel Azevedo
13 de julho de 2023 às 22:38
Sam Smith
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Se começarmos por puxar o filme atrás e recuarmos até 2015, muitos ainda se lembrarão do dia 11 de julho quando Sam Smith subiu ao palco do Nos Alive quase com o estatuto de crooner (tinha-se estreado no festival um ano antes, então no palco secundário). Para lá do portento da sua voz e das suas canções, era um cantor discreto, cumprindo aquilo que se esperava de si, ‘low profile’, ‘certinho’ até na forma de se vestir. De calças pretas e camisa escura, sempre sorridente e de uma simpatia contagiante, desfiou as canções que todos esperavam ouvir e saiu em ombros depois de ter caído nos braços de uma multidão.

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Sam Smith

 

Da atuação, ficaria o momento em que, emocionado, o cantor, já à data assumidamente gay, chorou em palco por causa de um desgosto amoroso que não teve qualquer constrangimento em partilhar com os milhares de desconhecidos.

Serve relembrar o passado para valorizar aquilo que se passou com este mesmo Sam Smith na sua nova passagem pelo Nos Alive, no passado dia 8 de julho, e sobre a qual ainda muito se fala e muito se escreve.

Uns criticam a audácia, outros aplaudem o atrevimento, mas o espetáculo do cantor foi muito mais do que uma performance arrojada ou subversiva. Quem se ficou apenas pela apreciação estética não percebeu nada do que ali se passou. Recheado de simbolismos e recados nada velados, faz parte de um corajoso processo de emancipação e afirmação que, verdadeiramente, terá começado a tomar forma quando em 2019 Sam Smith se assumiu publicamente, em entrevista, como não-binário. "No meu interior sempre existiu uma espécie de guerra entre o meu corpo e minha mente. Penso como uma mulher de vez em quando. Certas horas me questiono: ‘Será que desejo fazer uma cirurgia para trocar de sexo?", confessou em entrevista a Jameela Jamil, no programa ‘The Good Place’. "Não sou homem ou mulher, acho que sou algo entre os dois. É um espectro. A mesma coisa acontece com minha sexualidade", explicou ainda. 

Ora foi precisamente este artista que não se identifica com género algum e que se quer apenas assumir como próprio, que se apresentou no NOS Alive com um espetáculo que corre mundo e onde nada é contido nem aprisionado. "Lisboa, este espetáculo é sobre liberdade", disse assim que subiu ao palco. As virgens ofendidas ofenderam-se e os que se identificam com ele, aplaudiram a audácia.

Do ‘crooner’ certinho de outros tempos, apenas um resquício: uma camisa branca e uma gravata com a qual entrou em palco, ainda assim amarfanhados por um corpete dourado. Daí para a frente foi o ‘deboche’, um show de erotismo e uma lição de transformismo onde tudo faz sentido: as cenas de sexo simuladas, o vestido roxo de diva, as plumas cor de rosa, a blasfémia com que usa um véu para cobrir o rosto - no que pode ser entendido como uma crítica à sempre castradora religião - mas também o momento em que surge desnudo, de tanga e de mamilos cobertos, a abanar a barriga e o rabo sem vergonha ou preconceito dos quilos a mais (poderá haver recado mais nobre do que o de nos aceitarmos como somos?).

Quando, Sam Smith se entrega a ostensivos atos de sedução, erotismo e bondage que fazem muitos dos incautos virar a cara e segredar indignações, enquanto os bailarinos se beijam e simulam atos indecorosos, nada disto é feito com o intuito apenas de chocar. Esta é apenas (que é muito) a manifestação mais pura de um homem livre, em alegre transgressão ao politicamente correto e que não deve nada a ninguém.

Será que quem não percebeu isto no espetáculo de Sam Smith merecia lá ter estado? 

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