
Durante 20 anos Fernando Faria trabalhou na SIC como reporter de imagem. Morreu este sábado aos 48 anos, em Pemba, Moçambique, onde vivia nos últimos tempos. Mas deixou uma enorme saudade com quem se cruzou com ele na SIC.
Bento Rodrigues recordou o momento em que ambos foram alvo de um ataque em Timor Leste, terra onde Fernando Faria já tinha estado com João Ferreira, atualmente pivô da CMTV, que diz ter perdido "um irmão" com o desaparecimento precoce do jornalista.
"Diz-me que gravaste isto, ca.......", gritei ainda a escorrer adrenalina. O Faria, com a calma que por vezes desesperava um repórter, sorriu com aquele sorriso que desarmava tudo. São as imagens do único tiroteio registado por uma câmara de televisão entre as milícias indonésia e os militares da força internacional da Interfet que, nos finais de 1999, libertava Timor Leste da carnificina. Numa crónica para a revista Visão a partir de Díli, a jornalista Jill Jolliffe escreveria que esse foi "o dia em que a SIC bateu a CNN", a única televisão que nos acompanhava naquela saída com os militares à fronteia com Timor indonésio. Mas o título não fazia justiça. Foi a astúcia de repórter de imagem e a serenidade debaixo de fogo que produziram as imagens que correram mundo e cravaram aquele momento na história. Foi o dia em que o Faria bateu a CNN. Nesse Setembro/Outubro, éramos testemunhas e cronistas da história. Calhou-me o parceiro mais profissional e generoso. E humano", recorda Bento Rodrigues numa mensagem nas redes sociais.
Miguel Ribeiro, outro pivô da SIC, também recordou o amigo, num enorme texto cheio de emoção.
"Gostavas de ter a casa cheia. Gostavas de grande jantaradas, mesmo sem termos cadeiras suficientes para tanta gente. Gostavas que pusesse um disco a tocar e te ajudasse a fazer as tuas massas exóticas que sabiam sempre a marisco e malaguetas.
As noites, na nossa casa, acabavam sempre nos puffs que compraste em Moçambique. Condiziam com os quadros e as capulanas que serviam de toalha de mesa e decoração. Às máscaras de artesanato esculpidas plo teu amigo Joãozinho, juntei-lhe as minhas cópias do Matisse e a mesa que os meus pais nos ofereceram. O Zé "Vinhais", no terceiro quarto da casa, tentava refugiar-se com a namorada e certamente ouvia do outro lado da porta as noites em que o Tito Paris aparecia e tocava o violão na sala ou as eternas e barulhentas discussões, regadas com bushmills, sobre o sentido da vida, os amores e desamores, sobre as coisas da humanidade ou falta dela. Partilhamos noites sem fim com os mesmos sonhos e ambições. Desenhamos no ar, vezes sem conta, como queríamos crescer.
Partilhei noite após noite os teus slides na parede da sala, que nos faziam viajar pelo mundo, mas que terminavam invariavelmente na tua Pemba, no teu embondeiro, na praia onde um dia ias viver. A mesma praia que acabei por nunca conhecer contigo. Prometi mil vezes e outras tantas quebrei a promessa.
Arranjavas sempre uma namorada nova para passar a noite. Tantas pragas te roguei do meu quarto ao lado. Sempre foste um sedutor, a tua palavra fácil, a tua simpatia visceral, o teu sorriso lindo!
Chegávamos sempre atrasados às reportagens. Acordávamos tarde e demoravas mil horas no banho. Eu, cobardemente, deixava sempre as desculpas para ti. O "chefe" Lemos não tinha coragem de discutir contigo por tanto te admirar. Mas ao fim do dia, todos nos olhavam com respeito por termos driblado o impossível para garantir a melhor reportagem. Já não contava para nada que tivéssemos feito centenas de quilómetros e ainda nem tivéssemos comido uma côdea. Tu alimentavas-te a coca cola e SG Gigante e eu a água das pedras e SG light.
Mesmo que o cansaço nos consumisse, estávamos juntos, riamos muito, dávamos abraços, discutíamos, como fazem os casais ou os amigos e depois sentávamos-nos às 8 da noite a ver o resultado das nossas desventuras na tv.
Tínhamos vinte e tal anos, éramos felizes assim!
Partilhamos dias e noites. Anos e décadas. Partilhei os meus amigos e tu os teus. Fui filho dos teus pais e tu dos meus. Tivemos namoradas e mulheres. Tivemos filhos e partilhamos sonhos. Foste um dia para Pemba e não voltaste e eu não cumpri a promessa de me refastelar com uma bela sesta no teu embondeiro. Desculpa!
Contudo quero dizer-te que fui sempre feliz ao teu lado meu querido amigo. Obrigado Faria!", rematou Miguel Ribeiro, num testemunho emocionado nas redes sociais.
Daniel Oliveira, o atual diretor de programas da SIC, também recordou o colega.
!Um dos bravos do pelotão! Conheci o Fernando como um dos destemidos que se arriscava pela missão de uma notícia, de uma cacha ou pelo primor de um plano. Ao fazê-lo, dava a cara e o corpo por todos nós. Era um extraordinário repórter e, mesmo nunca tendo privado com ele, sempre lhe reconheci um enorme gosto pela vida, que parecia encarar com leveza. Parte cedo demais. Os meus sentimentos aos amigos, colegas e família. A SIC não esquecerá tudo o que nos deu!, garante Daniel Oliveira.