
Quase dois anos depois de ter virado costas à TVI, estação onde se fez uma estrela do entretenimento, para colocar a SIC novamente no topo das preferências dos portugueses, Cristina Ferreira aceitou fazer o caminho inverso. Regressou a Queluz de Baixo com poderes reforçados. Além de diretora - cargo que sempre ambicionou e que de forma profética disse a Manuel Luís Goucha que um dia chegaria à cadeira do poder - também passou a ser accionista e administradora da Media Capital, realizando assim um sonho já antigo.
A sua chegada colocou as expectativas - dentro e fora da TVI - demasiado altas, mas foi a própria apresentadora que contribuiu para que assim acontecesse. O chavão "Setembro é já amanhã", repetido vezes sem conta ao longo dos meses de verão de 2020 pela boca de Cristina, foi o grande impulsionador para a ideia que se gerou entre os portugueses de que a toda poderosa diretora e mulher que "vive" a televisão como poucos, iria conseguir colocar o "seu" canal a liderar e fazer dele, uma vez mais, um projeto vencedor [a primeira vez que isso aconteceu foi sob a liderança de José Eduardo Moniz]. Só que em janeiro de 2023, a estação de Queluz de Baixo ainda não conseguiu atingir os resultados pretendidos e está longe de alcançar uma liderança consistente. A SIC fechou o ano a liderar há 46 anos meses consecutivos.
AS EXPLICAÇÕES DE CRISTINA
Perante isto, os olhos e os dedos acusatórios têm-se virado todos para Cristina Ferreira e nunca a expressão "a montanha pariu um rato" foi tão usada de forma recorrente. Há quem acuse a apresentadora de ter falhado rotundamente os seus propósitos. A auto-confiança que fez questão de exibir no seu regresso à casa que diz ser sua foi vista como arrogância, sobranceria.
E esse terá sido o seu primeiro e grande erro: acreditar que bastaria aparecer perante as câmaras para inverter os números e voltar a fazer com que os portugueses retomassem o hábito de carregar no 4 do comando da televisão. Engano puro! Mas ainda assim a apresentadora justifica-se: "Eu saí e a TVI passa por um período, de facto, complicado e, de repente, quando eu regresso há a ideia generalizada no país de que agora e de um momento para o outro isto vai ser ao contrário e passa a TVI... e eu sabia que não era assim", explicou a diretora na entrevista que deu na passada quarta-feira, 18 de janeiro, ao programa 'Goucha'. Prossegue na sua defesa: "Quando eu vou, a SIC está a três pontos da TVI; quando eu regresso a TVI está a sete pontos da SIC. Se as pessoas tivessem noção do quanto custa recuperar. Além do mais, quando eu vou é para estar todos os dias em antena e eu não venho para isso. Mas as coisas não dependem de mim. Dependem das equipas, dependem de como está a televisão, depende da forma toda como nos unimos, como fazemos", explica.
Questiona ainda Manuel Luís Goucha: "Quanto tempo demoramos nós no 'Você na TV' até sermos a escolha de todos? Demoramos quase dois anos... E quando eu digo "Setembro é já amanhã" é porque é em setembro que eu vou começar a trabalhar. Não era porque em setembro íamos ganhar" fundamenta.
"ESTIVE DURANTE MUITO TEMPO NUM CAMPO DE BATALHA"
Cristina Ferreira justifica ainda o seu insucesso - pelo menos até à data - com uma questão que já realçou em diferentes ocasiões: "Neste país percebe-se o crescimento até determinado ponto. Quando passa determinado ponto que não é possível perceber... A Cristina tinha vindo do nada, a Cristina sozinha tinha feito o seu caminho, a Cristina tinha conseguido chegar lá, mas chegar lá não é chegar muito para lá", atirou convicta. Já Goucha contrapõe: "Mas podes chegar lá se a tua autoconfiança não se transformar em arrogância".
Perante isto e questionada pelo amigo se teve uma postura errada ao chegar (de novo) à TVI, a apresentadora assume: "Não acho que seja errada. Era a minha defesa em relação a tudo aquilo que estava a acontecer. Se olhar agora, talvez inconscientemente não tenha percebido que às vezes as respostas que dava, ter muita energia e muita garra não é bem compreendido por todos". Admite também que isso se possa confundir com arrogância: "Entendo que as pessoas olhem para isso dessa maneira. Era apenas a minha vontade de fazer. Eu estava num campo de batalha. Estive durante muito tempo num campo de batalha", confessou o que lhe vai na alma.
JOSÉ EDUARDO MONIZ, O "GENERAL"
Mas se Cristina Ferreira dá a entender que isso é passado, parece que não é bem assim. Há fortes sinais de que a batalha está mais viva do que nunca. Ao fim de mais dois anos de um estado de graça, parece que a TVI já não está mais disposta a esperar que a diretora de Entretenimento e Ficção em conjunto com a sua equipa apresente frutos satisfatórios e que comecem a trazer dinheiro para a estação. Mário Ferreira, presidente do Grupo Media Capital, como qualquer empresário quer resultados. Terá sido por isso que foi buscar (oficialmente) um homem que no passado colocou a estação de Queluz de Baixo a ganhar e a ser líder de audiências: José Eduardo Moniz, o "general" como é conhecido no canal.
E é ele que está a liderar as mexidas que vão acontecer já este fim-de-semana. Cristina Ferreira, que passou a responder a Moniz, mesmo sendo acionista minoritária (com 2,5% do capital social da Media Capital) e ocupando o cargo de diretora de Entretenimento e Ficção, teve de aceitar as decisões do seu superior, como o facto do reality show 'A Ex-periência' deixar o horário nobre dos domingos à noite e passar para os sábados, depois de mais um episódio especial da novela 'Festa é Festa', o mesmo acontecendo ao domingo. Já o 'Somos Portugal' também já conta com um "dedinho" do diretor-geral. Pedro Teixeira, Mafalda Castro acompanharão Mónica Jardim numa edição que fica ainda marcada pela estreia da rubrica 'O Palco é Seu', um espaço em que vai ser dada a oportunidade a um espectador de subir ao palco e mostrar os seus dotes vocais.
Mas há mais. No dia em que Cristina Ferreira falava de "lobos" na entrevista a Manuel Luís Goucha, José Eduardo Moniz fez um plenário de redação no qual anunciou que o 'Jornal das 8', o principal espaço de notícias da TVI vai mudar de nome. A partir do dia 20 de fevereiro, aquele noticiário voltará a chamar-se 'Jornal Nacional'. Recorde-se que durante muitos anos o principal rosto deste espaço informativo foi Manuela Moura Guedes, mulher do temido mas competente diretor-geral.
Por falar na jornalista - afastada em 2010 da estação na sequência da polémica relacionada com o primeiro-ministro de então, José Sócrates - também não gosta de Cristina Ferreira. Ainda há pouco tempo, Moura Guedes não se coibiu de criticar publicamente a apresentadora. Sobre os sucessos e insucessos da estrela da Malveira na TVI opinou: "Tem a 'Festa é Festa'. O resto foram tudo fracassos. Aquilo que objetivamente vejo é que foram só fracassos. Tirando a novela e o 'Big Brother', que sempre foi um sucesso independentemente dela, todos os outros programas foram um fracasso. E foi só gastar um balúrdio". Acrescentou, sem se preocupar se as suas palavras trariam algum desconforto ao marido como diretor-geral e obrigado a trabalhar com Cristina: "Perdeu um pouco a noção dos limites, do que deve ser a gestão de uma carreira" e considerou ainda que é "uma pena a Cristina Ferreira ter deitado fora aquilo que ela tem de bom, que é ser apresentadora para um determinado tipo de formatos".
ENFRENTAR OS LOBOS
É José Eduardo Moniz um dos "lobos" de que Cristina Ferreira fala? Não há certezas quanto a isso, mas a apresentadora diz-se pronta para enfrentá-los: "O que eu disse é que pedia desculpa a todos aqueles [funcionários da TVI] que esperavam a Cristina cheia de energia e de brilho no olhar e não a tiveram. Mas hoje têm. E foi na última semana. Acredita. Foi um processo longo, um processo em que eu percebi que não estava resolvido há pouco tempo. Tu tens, imagina, as armas apontadas a ti e tu tens duas hipóteses que são: vais-te embora e acaba a guerra ou enfrentas.", começou por explicar na já referida entrevista ao programa 'Goucha'. "Quando enfrentas, não te podes mostrar frágil, se te mostras frágil eles (os lobos) vão-te comer. Portanto, a única coisa que tens de fazer é tornar-te mais dura, não deixar que te compreendam, não deixar que te vejam", assumiu a estratégia.
Contudo, diz a Manuel Luís Goucha que os "lobos" já "foram embora" e que já percebeu que não é através da conversa que chegará a algum lado. Frisa: "Já percebi que não chego a lado nenhum. Portanto, se não chego a lado nenhum, há duas coisas a fazer: ou os assusto, que os lobos também têm medos, e vão embora; ou vamos à guerra a sério e depois deixa ver quem é que sai mordido. Quem é que fica. Nunca pensei desistir. Estou de pedra e cal na TVI", afiançou olhos nos olhos a Manuel Luís Goucha.
A VIDA FORA DA TELEVISÃO
Usando uma metáfora da própria Cristina Ferreira, o que acontecerá se for ela a ser "mordida" e a ter de sair da TVI? Se isso acontecer, há já um plano a ser preparado, pois a apresentadora não é mulher de deixar o seu futuro à mercê da vontade dos outros. Além disso, triste com as críticas, consegue conceber os seus dias longe da televisão, pelo menos conforme ainda a concebemos, ou seja, num canal generalista.
No prazo de apenas um mês, admitiu duas vezes que poderá deixar a televisão. As palestras motivacionais e/ou inspiracionais podem ser uma parte da sua estratégia. "Eu sei o que aquelas pessoas me pedem. Vêm à procura de luz, de um caminho. Se este é um propósito, se isto é uma forma qualquer de ajudar. É como um programa de televisão. Quantas pessoas não ajudamos, Manuel? Aquilo [o Cristina Talks] é só um programa de televisão, só que não é na televisão", começou por abrir um pouco o véu do que lhe vai na cabeça. Pormenoriza: "A minha vida é cheia de amor. A minha vida é cheia de tentar que o outro melhor. A minha vida é cheia de algo que eu acho que posso ajudar os outros a encontrar. Isto não tem nada de profético. Eu fiz mal a alguém? Eu, naquele sábado fiz mal a alguém? Então, porque é que eu não posso continuar a fazer? Porque é que eu ontem, numa hora e meia [referindo-se à venda dos bilhetes para o Cristina Talks em Guimarães] tive aquelas pessoas todas a quererem ir? Porque é que eu não posso fazer e os Coldplay podem?", interrogou a "menina da Malveira" que poderá vir a fazer fortuna também longe das câmaras de televisão. Além do mais, se este for o seu caminho, é garantido que passará a ser idolatrada. Ainda mais do que já é!