
Foi o início de uma suspeita que se viria a materializar por parte dos filhos e que apontava para que Carlos Amaral Dias estivesse a ser propositadamente envenenado pela sua companheira em segundas núpcias, Susana Quintas, com quem teve uma filha, Carlota de 20 anos.
Até porque aquela não era a primeira vez que o famoso profissional de saúde iria parar aos serviços de urgências com sintomas semelhantes. Tinham sido sete os internamentos nos últimos tempos, sempre com o mesmo quadro e afetações. Foi então que os filhos começaram a fazer a sua própria investigação, que acabaria por resultar numa acusação estruturada à qual, em dezembro de 2022, três anos depois da morte do psicanalista, o Ministério Público iria dar seguimento, acusando formalmente Susana Quintas de sete crimes de ofensas à integridade física por dar propositadamente medicação em excesso ao seu marido com o intuito de lhe causar sérios danos.
De acordo com a acusação do Ministério Público reproduzida pela revista 'Sábado', a viúva de Amaral Dias tinha perfeita consciência das consequências da administração daquele medicamento tranquilizante em excesso e "atuou com a intenção concretizada de molestar fisicamente o ofendido, nomeadamente de afetar-lhe de forma grave as capacidades físicas e intelectuais e bem assim a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem."
Quanto tempo ao certo terá durado este cenário, os filhos não sabem, mas acreditam que o quadro piorou depois de Carlos Amaral Dias ter sofrido um AVC em 2012. Na altura, já o médico e Susana Quintas estavam casados há vários anos (desde 1999, mas a relação tinha começado muito antes disso), mas a nova condição clínica do psiquiatra viria a provocar uma alteração substancial nas rotinas de ambos. O médico precisava então de cuidados e era a mulher, uma professora ainda no ativo, quem estava responsável pela administração da medicação. A sua vida mudava radicalmente com a vigilância apertada que tinha de manter sobre o companheiro a deixá-la com menos tempo para a vida social. E é por essa altura que a família do psicanalista acredita que a sobredosagem medicamentosa começou a acontecer.
EMPREGADA DENUNCIA ENVENENAMENTO
A acusação do Ministério Público foi sustentada com o depoimento dos filhos, dos profissionais de saúde que acompanhavam Carlos Amaral Dias e também da empregada interna que, à data, trabalhava para o casal.
Inquirida, Elza Monteiro revelou que, na altura dos acontecimentos, Susana Quintas lhe pedia para dar a medicação ao patrão quando não estava presente e que lhe deu indicações expressas para colocar cinco gotas de um frasco que lhe deu para as mãos no café de Carlos Amaral Dias, sendo que este não poderia saber dessa adição. Mais tarde, acabaria por lhe pedir que aumentasse a dose para oito a dez gotas, algo que Elza se negou a fazer, por já ver o psicanalista bastante prostrado com a medicação que lhe era administrada.
No despacho do Ministério Público, pode ler-se que Susana Quintas passou a "administrar de forma dissimulada benzodiazepinas em grandes quantidades, na comida ou bebida que dava ao ofendido, nomeadamente até provocar intoxicação medicamentosa para estar ela própria mais tranquila durante a noite". Como consequência, o psicanalista ficava num estado "sonolência profunda, com perda do estado vigil, situação que não controlava, só vindo a entrar na posse das suas faculdades já no hospital". Numa das situações mais graves, o psicanalista perdeu a consciência, não se recordando do que aconteceu nesses dois dias da sua vida.
No despacho do Ministério Público, pode ler-se que Susana Quintas passou a "administrar de forma dissimulada benzodiazepinas em grandes quantidades, na comida ou bebida que dava ao ofendido, nomeadamente até provocar intoxicação medicamentosa para estar ela própria mais tranquila durante a noite". Como consequência, o psicanalista ficava num estado "sonolência profunda, com perda do estado vigil, situação que não controlava, só vindo a entrar na posse das suas faculdades já no hospital". Numa das situações mais graves, o psicanalista perdeu a consciência, não se recordando do que aconteceu nesses dois dias da sua vida.
A família acredita que Carlos Amaral Dias nunca apontou formalmente o dedo à companheira pois, consciente da sua saúde frágil, temia que, se acontecesse alguma coisa à companheira, a filha Carlota, na altura ainda menor, ficasse sozinha na vida "sem mãe e sem pai".
Susana, bastante mais nova do que o psicanalista, levava à época uma vida semelhante à de uma enfermeira. E à medida que o estado de saúde de Carlos Amaral Dias se deteriorava, a dependência em relação à companheira aumentava, dia e noite, uma vez que o médico nunca quis contratar nenhum tipo de ajuda profissional. Para os mais próximos, terá sido essa saturação de uma vida "semelhante à de uma prisão" que terá levado a companheira à sobredosagem da medicação.
"Inicialmente, pensamos que terá sido numa tentativa de o deixar 'apagado', de fazer com quem dormisse a noite toda, com que desse menos trabalho, mas depois as coisas evoluíram noutro sentido", diz uma fonte ouvida pela The Mag, acrescentando que Carlos Amaral Dias "tinha consciência do que acontecia" mas, face à sua idade avançada e à fragilidade física e emocional, numa altura em que os problemas de saúde se agravavam de dia para dia, "vivia numa dependência psicológica de Susana."
Ainda assim, após o internamento que viria a originar a queixa dos três filhos mais velhos, fruto do primeiro casamento, Carlos Amaral Dias acabou por pedir para ir para casa de Joana Amaral Dias, a quem terá demonstrado as suas preocupações em relação ao que se passava, apurou a The Mag através de uma fonte. "Nessa altura, ele chegou a falar em divórcio, mas havia muita manipulação e as coisas ficaram assim."
Depois de os filhos darem entrada com a queixa na polícia contra Susana, os episódios de sobredosagem medicamentosa cessaram de imediato, sendo que Carlos Amaral Dias viria a morrer em novembro de 2019, aos 74 anos, deixando a sua considerável fortuna aos três filhos mais velhos e à companheira.
PATRIMÓNIO MILIONÁRIO
Em novembro de 2016, numa altura em que já tinha 70 anos e o AVC o tinha debilitado, Carlos Amaral Dias decidiu dividir parte do património pelos três filhos mais velhos e pela companheira, deixando-lhes várias casas valiosas espalhadas pelo país, entre as quais património no centro de Lisboa, avaliado em centenas de milhares de euros
Nas partilhas, Susana Quintas, ficou com uma proporção de 40% dos bens, uma vez que na altura a filha de ambos ainda era menor. Já os três filhos mais velhos ficaram cada um com 20 por cento desse património. De fora ficariam as contas bancárias e outros negócios a envolver quantias avultadas por parte do médico.
Mas mesmo com parte do património dividido, as guerras familiares continuariam e arrastam-se agora até às barras dos tribunais, onde decorre o julgamento de Susana Quintas. Na última sessão, realizada esta semana, a professora teve de enfrentar o depoimento da única filha, que garantiu que, inicialmente, acreditou ter sido a empregada a cometer os crimes mas que, com o passar dos anos, e o esmiuçar da informação, foi mudando de ideias e duvidando do comportamento da mãe, com quem está de relações cortadas.
Já o depoimento dos vários profissionais de saúde ouvidos no decorrer do processo acabou por ser mais dúbio. Jorge Lopes, que assistiu Carlos Amaral Dias numa das vezes em que deu entrada nas urgências, recorda que o colega chegou com um quadro de infeção respiratória, que também pode provocar um estado de prostração em idosos, mas admitiu que os sintomas são semelhantes aos de uma sobredosagem medicamentosa.
Susana Quintas está acusada de sete crimes de ofensas à integridade física graves qualificadas. Arrisca até 12 anos de prisão.