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Já fomos tão felizes em Kiev... Da vitória de Salvador Sobral na Ucrânia às guerras políticas de bastidores e polémicas que estão a abalar a Eurovisão

As tensões políticas entre os dois países há muito se sentiam até nas arenas do certamente musical mais conhecido do mundo. Este ano o pais de Valdimir Putin foi expulso, e pode nem voltar e entrar na festa. José Carlos Malato, que viveu a vitória portuguesa de Salvador Sobral em Kiev, recorda o certame como algo em que a música sempre foi mais importante que a política. Mas isso é só parte da história...
Hugo Alves
Hugo Alves
03 de março de 2022 às 23:28
Mika, Laura Pausini, Alessandro Cattelan
Mika, Laura Pausini, Alessandro Cattelan Foto: EBU

Países irmãos. Apoiantes durante décadas, deixaram de o ser há uma quando a Rússia começou a invadir a Ucrânia.

A relação de simpatia e cordialidade era, contudo, tensa desde 2014... até num lugar tão feliz, como a Eurovisão.

Rússia e Ucrânia não começaram a fazer parte do certame desde o início. A primeira iniciou "hostilidades" em 2014. O agora invadido pais "irmão" em 2003. E desde então com regularidade os dois países trocaram os principais pontos (8, 10 e 12) entre eles... até 2021 quando ambos se premiaram pela primeira vez entre si com zero pontos.

Eurovisão
Eurovisão Foto: EBU

FASE UM: A INVASÃO DA CRIMEIA

Em 2014 tudo começou a mudar. A invasão russa à Crimeia, uma península a sul da Ucrânia, assim como a lei que proibida "a propaganda gay" na Rússia, levaram a uma relação cada vez mais confusa entre os dois países e uma "guerra" surda com quase todos os apoiantes dos países participantes. A partir dai foi frequente ouvir-se nas arenas onde decorria o certamente, sempre que eram atribuidos pontos elevados à Rússia, o apupar do público.

Quer as concorrentes Tolmachevy Sistsers (sétimo lugar) como Polina Gagarina (segundo lugar) sentiram a hostilidade das arenas, apesar do povo ucraniano continuar a atribuir pontos generosos ao antigo pais irmão. Na altura um dos comentadores ficou mesmo espantado com o que ouvia. "Nunca na vida tinha ouvido um país ser apupado sempre que recebia pontos", dizia Fraser Nelson, do jornal Spectator. Graham Norton, da BBC brincava dizendo que se calhar o público tinha "ouvidos mais selectos".

Foi nessa altura que a organização da Eurovisão, temendo que estas situações se repetissem decidiu instalar tecnologia em todos os certames que abafava esses sons de desagrado - a chamada "anti-booing technology".

A VITÓRIA DA UCRÂNIA 

2016 era o ano em que tudo mudava, quando Jamala vencia pela Ucrânia (era a segunda vez que o pais arrecadava a vitória), com a canção '1944'. O tema, de cariz político, retratava a deportação do povo Tártaro da Crimeia, durante a década de 40 por Joseph Stalin. Jamala, na época, dizia que a música era inspirada na sua bisavó, que tinha perdido uma filha nessa deportação na antiga União Soviética. 

A VITÓRIA DA UCRÂNIA 

2016 era o ano em que tudo mudava, quando Jamala vencia pela Ucrânia (era a segunda vez que o pais arrecadava a vitória), com a canção '1944'. O tema, de cariz político, retratava a deportação do povo Tártaro da Crimeia, durante a década de 40 por Joseph Stalin. Jamala, na época, dizia que a música era inspirada na sua bisavó, que tinha perdido uma filha nessa deportação na antiga União Soviética. 

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1944, o tema de Jamala na Eurovisão em 2016

A Rússia, antes mesmo de Jamala poder subir ao palco, já se havia oposto à apresentação do tema, uma vez que segundo as regras da Eurovisão não pode haver qualquer agenda política num tema ou até no artista. A representação ucraniana garantiu que o tema nada tinha a ver com a a recente invasão russa à Crimeia, apenas retratava uma história pessoal vivida pela bisavó da concorrente. Mais tarde, contudo, e depois de arrecada a vitória, Jamala acabaria por confessar que a canção também queria demonstrar a insatisfação do povo ucraniano para com a invasão russa à Crimeia. "Eu não desejaria a ninguém que a história que aconteceu nos anos 40 se voltasse a repetir.", disse.

Parecia adivinhar...

Parecia adivinhar...

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Amar Pelos Dois, de Salvador Sobral

O ANO DE SALVADOR SOBRAL

O drama subiu de tom no ano seguinte. O ano em que Salvador Sobral se sagrou vencedor com 'Amar pelos Dois' em Kiev. Com a cerimónia a realizar-se na capital ucraniana, a representante russa Yuliya Samoylova, viu-se impedida de atuar no certame. A estrela, uma cantora em cadeira de rodas, via-se impedida de atuar por ter violado uma das regras impostas pelo governo ucraniano: ter atuado na Crimeia, região anexada pela Rússia.

A federação russa tentou em vão apelar à organização da Eurovisão, mas de nada lhes valeu. Yuliya não pode cantar. Aliás, nesse ano a Rússia não entrou no certame. Várias publicações revelaram então que a escolha da cantora- que depois atuaria em 2018 em Portugal com um resultado desastroso- havia sido uma campanha por parte dos representantes russos aos escolheram "uma jovem em cadeira de rodas" como forma de apelar às nações. Mas do Azerbaijão à Suécia, poucos ficaram comovidos pela escolha e poucos tentaram acalmar a situação. A Rússia ficou de fora...

O drama subiu de tom no ano seguinte. O ano em que Salvador Sobral se sagrou vencedor com 'Amar pelos Dois' em Kiev. Com a cerimónia a realizar-se na capital ucraniana, a representante russa Yuliya Samoylova, viu-se impedida de atuar no certame. A estrela, uma cantora em cadeira de rodas, via-se impedida de atuar por ter violado uma das regras impostas pelo governo ucraniano: ter atuado na Crimeia, região anexada pela Rússia.

A federação russa tentou em vão apelar à organização da Eurovisão, mas de nada lhes valeu. Yuliya não pode cantar. Aliás, nesse ano a Rússia não entrou no certame. Várias publicações revelaram então que a escolha da cantora- que depois atuaria em 2018 em Portugal com um resultado desastroso- havia sido uma campanha por parte dos representantes russos aos escolheram "uma jovem em cadeira de rodas" como forma de apelar às nações. Mas do Azerbaijão à Suécia, poucos ficaram comovidos pela escolha e poucos tentaram acalmar a situação. A Rússia ficou de fora...

Em Kiev, contudo, estava tudo de olhos postos em Salvador Sobral. José Carlos Malato relembra ter passados dias "magníficos naquela cidade fantástica", e de "antes da cerimónia começar a sentir que era naquele dia que íamos conseguir vencer. O Salvador teve uma atuação brilhante", conta o apresentador da RTP.

De "politiquices", como ele diz não se lembra de nada. "As pessoas que vão assistir, os cantores, as comitivas, nós os comentadores, desde que me lembro, estamos ali por uma coisa: pela música, nada mais. Pela festa! Acho que o resto passa um bocadinho ao lado", diz a estrela da RTP.  "Lembro-me apenas daquele momento que o Salvador levou aquela t-shirt por causa dos refugiados, que causou algum falatório, mais mais que isso nada. Nem nesse ano nem nos anos seguintes. Acho que as pessoas estão ali com outras intenções", diz Malato.

José Carlos Malato
José Carlos Malato

The Mag tentou falar com Nuno Galopim, também sempre presente no certamente como comentador, mas este recusou-se a falar sobre o assunto.

Salvador Sobral venceu. "Foi lindo", lembra José Carlos Malato. "Houvesse o que houvesse...estávamos hipnotizados", diz. Com ele veio também o amor por Kiev. Não só o dele mas de todos os portugueses que estiveram na capital ucraniana. Talvez por isso, Malato se mostre ainda mais chocado com o que está a acontecer na Ucrânia. "Eu não gosto de comentar estas coisas, porque é misturar dois temas.... mas é horrível. Ver aquele povo a fugir de um homem que decidiu declarar guerra a outro pais. Estamos no século XXI, achava que isto já não acontecia", diz chocado. "Guardo memórias lindas daquela cidade. Eu a Luísa Sobral, toda a comitiva. E agora Kiev é alvo de ataques, bombas, de imagens brutais como as que temos visto. Não sei como reagir às vezes."

O amor por Kiev ficou também com Salvador Sobral. O músico esteve na manifestação contra a invasão da Rússia à Ucrânia, no domingo 27 de Fevereiro. Munido de apenas um pequeno órgão eletrónico, a estrela de 'Amar Pelos Dois', solidarizou-se com o povo ucraniano, junto á embaixada russa, interpretando uma canção dos Okean Elzy, uma das mais famosas bandas rock da Ucrânia e forte opositora de Vladimir Putin. 

O mundo entretanto olha para a Ucrânia em choque ainda não acreditando no que está a acontecer. 

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O tema da Ucrânia em 2021...SHUM, dos Go_A

JAMALA EM FUGA

Mas voltemos atrás, a 1996, quando Jamala vencia com '1944'. Essa mesmo. O sucesso deste então tem variado, embora na Ucrânia continue a ser uma figura amada.

Jamala
Jamala

Hoje, ela é uma das que mostrou que a guerra chegou à Ucrânia... e está a afectar todos. A cantora é uma das refugiadas de guerra na Roménia. No dia 24 de Fevereiro a voz de '1944', partiu de Kiev com os dois filhos. "Passámos quase quatro dias no carro, em paragens espontâneas, sem nenhuma comida que, em estado de choque, ninguém se lembrou de trazer", foi relatando no seu Instagram. "Decidi abandonar Kiev a 24 de fevereiro no final do dia quando se ouviram explosões perto de minha casa. Decidimos partir com as crianças para oeste, para Ternopli perto de Lviv. Lá passámos a noite numa vila com algumas pessoas. Pensámos em ficar lá e esperar durante algum tempo para ver se a situação melhorava" disse mais tarde ao canal de Israel KAN. Jamala continua agora a na Roménia ansiando por dias melhores.

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Zitti e Buoni, o tema sensação dos Maneskin, vencedores da Eurovisão em 2021

RUSSIA EXPULSA E OS DRAMAS DA REPRESENTANTE UCRANIANA

Entretanto a comissão da Eurovisão tomou medidas extremas.

Este ano o certamente, terá medidas de segurança mais fortes do que nos últimos anos, quando decorrer em Turim, Itália, o certamente depois da vitória esmagadora do tema 'Zitti e Buoni', dos agora internacionais Maneskin, o ano passado. E conta já com uma expulsão: a Russia.

Apesar do pais ter comunicado à EBU que queria participar, rapidamente o seu desejo foi revogado depois da invasão à Ucrânia. Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Países Baixos decretaram que se o pais de Valdimir Putin participasse estes retirar-se-iam do certame de imediato. Foram os primeiros a aderir ao boicote. Não foram precisos mais! A EBU retirou Moscovo da festa da celebração musical.

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Veja o primeiro tema que deu a vitória à Ucrânia na Eurovisão, Wild Dances de Ruslana

Mas antes disso já havia outro drama. Desde 2014 que a Ucrânia mantém uma regra em todos os elementos que envia para o certame internacional: estes não podem ter atuado na Rússia desde esse ano, em especial nos territórios ocupados pelo governo de Vladimir Putin. Em 2019, isso chegou mesmo a fazer com que a Ucrânia não participasse da festa eurovisiva depois de se ter descoberto que o vencedor desse ano, os Maruv não queriam assinar um contrato que os proibia de atuar em território russo, onde eram bastante conhecidos. O segundo lugar foi assim eleito para representar o pais em Tel Aviv, Israel mas estes recusaram e à ultima da hora a Ucrânia retirou-se da competição.

Este ano, e antes da guerra, a confusão estava novamente instalada quando foi tornado público através de um blogue que a vencedora Alina Pash, que iria representar a Ucrânia este ano em Turin, tinha também atuado e entrado na Crimeia desde 2014. Com a polémica, um membro da agência da cantora referiu que os papeis que haviam sido pedidos não eram para Alina, mas sim para um membro da sua equipa. Seja como for o mal estar estava instalado e outro representante foi escolhido: os Kalush Orchestra...com o tema 'Stefania', que haviam ficado em segundo lugar no certame do país.

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KALUSH ORCHESTRA e o tema Stephania

E se a escolha inicial pareceu não convencer totalmente os especialistas eurovisivos, dando-lhe nas casas de apostas, na melhor das hipóteses, um 12,º lugar, tudo mudou após a invasão da Rússia à Ucrânia. Neste momento os Kalush Orchestra ocupam o primeiro lugar da tabela dos favoritos à vitória na Eurovisão, que acontece este ano na Itália.  A tabela dos favoritos à vitória junta 11 das principais casas de apostas, que indicam que o país invadido tem 21 por cento de hipóteses de se sagrar vencedor.

Laura Pausini, Mika e Alessandro Cattellan
Laura Pausini, Mika e Alessandro Cattellan Foto: EBU

Este ano o certame decorre como é habitual, em Maio. Nos dias 10 e 12 serão as semi finais. A 14 a final. Os apresentadores serão Alessandro Cattelan, uma estrela italiana da televisão, a cantora italiana e voz no popular 'Non C'e' Laura Pausini e a super estrela internacional Mika. O certame este ano para já fica de fora da transmissão na Russia, que não participa depois de expulsa. Contudo o Channel One, que normalmente envia o participante e transmite a festa, decidiu não só não transmitir a festa eurovisiva, mas deixar de todo de participar na comissão da EBU e assim deixar a Eurovisão.

Mais episódios se seguirão....

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