Quem acompanhou as notícias às primeiras horas da manhã do dia 25 de junho de 2011 recorda-se bem do impacto que tiveram e do quanto deixaram Portugal em choque. Angélico Vieira, um talentoso ator e músico que marcou a sua geração, conduzia, nessa madrugada, do Porto para Lisboa quando o pneu do BMW rebentou, em plena A1. O cantor perdeu o controlo da viatura, que capotou várias vezes, num cenário de destruição.
Hélio Filipe foi atropelado e teve morte no local, enquanto Angélico e Armanda Leite foram transportados para o Hospital de Santo António, no Porto, em estado crítico. Hugo Pinto foi o único a sair ileso do trágico acidente, com ferimentos ligeiros, ainda que com marcas que guardará para sempre.
"Esta tristeza vai acompanhar-me até ao fim da minha vida. O Angélico era meu amigo, meu colega de trabalho… Penso nele e no que aconteceu todos os dias. Uma tragédia destas nunca se esquece. Estou vivo por milagre", disse o jovem recentemente em tribunal no processo que condenaria os pais de Angélico, Filomena e Milton Vieira, em conjunto com a Impocar – o stand de automóveis que emprestou o carro, sem seguro, ao cantor – e o Fundo de Garantia Automóvel a pagarem uma indemnização de 1,3 milhões a Armanda Leite, que sobreviveu à tragédia, mas com sequelas e uma vida condicionada para sempre.
A morte de Angélico acabaria por ser declarada pelo hospital três dias depois da tragédia, enquanto o País sustinha o fôlego com esperança de notícias sobre um dos ídolos da geração 'Morangos', mas nada havia a fazer pelo jovem, que entrou em coma profundo no acidente.
"Estávamos a conversar e de repente ouviu-se um estrondo na parte de trás e o carro entrou em despiste. Subimos um lancil de terra e depois capotámos. O Angélico gritou 'segurem-se' assim que se ouviu o estrondo. Toquei–lhe para ver como estava, mas não via nada com o fumo…", disse Hugo Pinto, adiantando que chamou várias vezes por Angélico, mas que o cantor já não respondeu.
É a única pessoa que tem memória do que aconteceu, uma vez que Armanda Leite nem hoje consegue recordar os momentos que antecederam o acidente, tudo o que sabe foi através daquilo que lhe relataram nos anos que se seguiram. A jovem angolana tinha chegado à Portugal há seis meses e queria começar uma carreira na moda. Angélico deu-lhe a mão e Armanda iria participar no seu próximo videoclipe... até que se deu a tragédia. Tinha então 17 anos.
Passou os três meses seguintes em coma, e dois anos e meio entre internamentos e fisioterapia constantes. Os médicos diziam ao pai que jamais recuperaria, mas Armanda agarrou-se à vida e todos os dias celebra pequenas vitórias. Recuperou a fala e consegue dar alguns passos, ainda que auxiliada, mas depende de uma cadeira de rodas para a locomoção e do pai, José Eduardo Leite, para quase tudo.
Esta semana, estiveram no programa de Manuel Luís Goucha, na TVI, e nenhum dos três (apresentador incluído) conseguiu esconder a emoção pela história de resiliência de um pai e de uma jovem que viu os seus sonhos destruídos quando é suposto estes começarem a ganhar vida.
"Estive em coma durante três meses, quando saí não me lembrava de nada ou quase nada, só tomei consciência muito tempo depois. Porque é que tinha de me acontecer isto? Tinha muitos sonhos e perdi-os de um momento para o outro", lamentou Armanda, que perdeu a mãe aos 7 anos de idade.
O pai, que vivia em Angola, não hesitou em mudar toda a sua vida para estar ao lado da filha e assumiu-se desde a primeira hora como cuidador a tempo inteiro. "Fiquei muito impressionado quando a vi, ela estava desfigurada e os médicos não me davam esperança nenhuma. Mas algo me dizia que ela ia recuperar", conta o pai que, após o acidente, iniciou uma demanda judicial para lutar pelos direitos da filha e tentar perceber o que aconteceu.
"Estive no local do acidente. A GNR mostrou-me o pneu que rebentou, e isso foi importante para mim, perceber que não tinha sido culpa do motorista. O próprio angélico assustou-se com o rebentamento do pneu e pôs o pé no travão. A Armanda ia a dormir não deu conta de nada. Aquilo foi uma falha, não foi erro do motorista", conta o pai, que com a indemnização tenta acautelar o futuro de Armanda quando ele já cá não estiver para assegurar a sua subsistência
"O dinheiro, aqui, é para a sobrevivência da Armanda. Só quero que defendam os direitos da Armanda, foi o que disse aos advogados. Nunca estive à espera do dinheiro da família do Angélico. A única coisa que podia pedir à família do Angélico era: 'Ajudem-me a ajudar à Armanda'", já disse no passado, sugerindo que, depois do acidente, não ficou nenhuma ligação entre todos. "Gostava de dizer à família do Angélico que nós estamos aqui e que continuamos a ser amigos deles e queremos tudo de bom para eles, que corra tudo bem e que, no que precisarem de nós, estamos aqui."
O VAZIO DA MÃE DE ANGÉLICO
Só que do outro lado também houve vidas que perderam o sentido. Filomena Vieira só teve um filho e vivia orgulhosamente para Angélico. Nunca conseguiu reerguer-se. A dor é visível no seu rosto de cada vez que fala sobre o 'menino dos seus olhos'. 13 anos depois da tragédia, deixou de trabalhar e assume que os seus dias são apenas uma sucessão de acontecimentos que não planeia, que a vida passou a ser outra coisa.
"A dor de perder um filho não tem explicação, não há palavras para definir o enorme vazio que sinto. Naquele dia, em poucos segundos perdi tudo o que tinha. Aprendi que temos de viver um dia de cada vez, não sabemos o que vai acontecer amanhã, cada momento pode ser o último", fez saber Filomena, em entrevista, acrescentando que pouco se lembra sobre os dias mais trágicos da sua vida.
"Tenho poucas lembranças daqueles dias. Admito que deveria estar sob o efeito de calmantes, não sei se calhar só assim poderia aguentar tudo aquilo. Nunca vou esquecer o que aconteceu, mas acredito que um dia vou aceitar. Tenho de o fazer, não posso viver de outra forma".
Os últimos anos foram passados muitas vezes em tribunal, por causa da indemnização a Armanda Leite, num processo que a obrigava constantemente a recordar a dor de ter perdido o único filho, mas neste percurso nunca esteve sozinha.
Os amigos de Angélico continuam a ligar-lhe e há quem lhe bata frequentemente à porta, naquela que é mais do que uma visita, é das memórias mais próximas do filho que pode manter. Rita Pereira foi uma das namoradas mais conhecidas do cantor e diz-se que na altura do acidente estariam prestes a reatar. A atriz foi e continua a ser o ombro da antiga sogra, numa amizade que resiste a tudo.
"A Mena está sempre presente na minha vida. Falo muitas vezes com ela, trato de muitos assuntos dela e o Lonô trata-a por titi", já explicou Rita que, apesar de ter refeito a vida, nunca recuperou do coração partido.
Nesta altura, custará aceitar a todos os envolvidos, direta ou indiretamente, na tragédia que já passaram 13 anos desde que acordaram com aquela horrível notícia. Porque o tempo nem sempre cura tudo e aqui não há dinheiro, sejam milhares ou milhões, que devolva os sorrisos e sonhos roubados naquele dia 25 de junho, de memórias dolorosas.