
"O Dino vem de um sítio complexo, difícil, de privação de muita coisa mas onde nunca faltou amor." Esta pode muito bem ser uma frase que resume o crescimento de Dino D'Santigo, de 42 anos de idade. Filho de cabo-verdianos, a infância do músico foi vivida no pobre e extinto Bairro dos Pescadores, em Quarteira, entretanto transformado em jardim.
O músico esteve à conversa com Júlia Pinheiro, durante a tarde desta terça-feira, 7, e partilhou muitas das suas memórias de infância, revelando as dificuldades e os desafios que enfrentou. "A cor da minha pele era uma sentença antes de eu poder escrever a minha própria história e o chão que pisava, uma vala aberta onde os sonhos se afundavam lentamente, um por um", escreveu o músico para o discurso no Tribeca Festival, perante a atriz norte-americana Whoopi Goldberg.
Das memórias partilhadas, Dino D'Santiago começou por recordar a história dos pais e de como viveram o casamento e a família, muito assentes na religião e nos valores cristãos. "Os meus pais rezavam antes de fazer amor, não tocavam em álcool naquela semana, e aquilo mexia comigo. Eu perguntava como é que se sente algo próximo de uma tesão, onde há desejo, e eles antes rezavam, sempre com o desejo de trazer bons seres ao mundo", revelou o músico.
E foi também baseado na fé, que o pai do cantor encontrou a sua companheira de vida. "O meu pai deixou dinheiro com a minha tia Lurdes para que ela comprasse um vestido de noiva e ele foi para Cabo Verde e disse: 'é lá que eu vou encontrar a mulher da minha vida'. Durante semana ficou em frente ao liceu à espera que aparecesse essa pessoa e quando viu a minha mãe disse é esta a mulher. E ele foi a Fátima antes, rezar a Nossa Senhora de Fátima, para que ela lhe trouxesse não só uma mulher mas uma excelente mãe para os filhos", descreveu.
Mas a conquista deste amor não foi fácil e obrigou a algum empenho. "Primeiro ela não ligou e disse-lhe se queres alguma coisa vai falar com o meu pai. E o meu pai foi a pé, a atravessar aqueles vales no interior [ilha] de Santiago e levou a mãe dele. A minha avó, mãe da minha mãe, ainda disse: 'a minha filha não vai lavar essas calças de ganga que vocês trazem da Europa. Ela nem a roupa dela lava'. E o meu pai, um homem daqueles tempos, disse: 'Não se preocupe que a minha mãe lava'. Ainda somos todos frutos do machismo mas aquilo refletiu também o amor", considerou Dino.
"A minha mãe veio para cá para uma vida muito difícil, ela que era uma menina mimada, quase que a filha única em casa. Por amor veio e por amor ficou. Sai do interior de Santiago com bonança, com terras, onde não faltava nada e, de repente, vem para o Bairro dos Pescadores [Quarteira], onde não devia haver seres humanos ali a viver", referiu ainda o músico.