
O convite surgiu de António Costa, quando o atual primeiro ministro era presidente de câmara de Lisboa. Margarida Martins respondeu de imediato que sim e quando lhe disseram, dois anos depois, que ia ficar com Arroios, a união das freguesias de S. Jorge de Arroios, Anjos e Pena, voltou a dizer que sim.
Esteve dois mandatos à frente da freguesia. Oito anos depois, no domingo, 26 de setembro, foi derrotada pela candidata da coligação Novos Tempos, Madalena Natividade. A FLASH! esteve à conversa com a antiga presidente da Abraço, de 68 anos, duas vezes. Antes da derrota eleitoral e após as eleições. Uma conversa que viaja por diferentes tempos: o da "Guida Gorda do Frágil", o da Margarida da Abraço e o da Margarida da junta. Onde não são esquecidas as polémicas recentes que falam das dívidas à Segurança Social e das ofertas do mercado, assim como da filha, Leonor, e das partilhas que já começou a fazer pelos amigos.
AS RESPOSTAS APÓS A DERROTA ELEITORAL E agora Margarida?
Agora vou tirar férias, vou descansar e daqui a um mês penso retomar a minha vida social e trabalhar nas áreas que gosto que é na área social. É o que penso, vamos ver. Vou dar um mês sabático.
Quando se perde uma eleição para a junta de freguesia cessam imediatamente as funções?
Não, fico em transição. Só posso fazer coisas de âmbito geral, não posso decidir mais do que isso. No fundo é manter o dia a dia da junta. A única coisa que tive que organizar foram os gatos da junta e mais ou menos quase todos já estão encaminhados. Aliás, os funcionários quiseram ficar com eles. Só ficam cá dois pequeninos até mais ver.
E esse dia a dia, com a Margarida na presidência, dura mais quanto tempo?
Espero que no máximo sejam 15 dias. Depois de saírem os dados oficiais normalmente a candidatura que ganhou marca a tomada de posse.
E como é que se sente?
Sinto-me tranquila, muito tranquila, porque tenho muita honra no trabalho que fiz nestes oito anos. Fiz um trabalho sério. Deixo uma freguesia completamente diferente daquilo que apanhei quando aqui cheguei. Deixo uma freguesia com obra feita, com uma identidade que é Arroios, que ninguém sabia o que era, porque quando cheguei eram três freguesias, e hoje em dia, no Mundo, toda a gente sabe o que é Arroios: sabem quem vive cá, sabem quais as condições em que vivem, quais são os apoios sociais, quais são todas as garantias que têm e foi isso que criei durante oito anos com a minha equipa. Claro que isto é um trabalho que não se faz sozinha, tenho ótimos trabalhadores e eles vão ficar cá a trabalhar com os que vêem, são trabalhadores do quadro por isso só têm que aproveitar o bom trabalho que eles fazem.
"Deixo uma freguesia com obra feita (...) Estejam todos tranquilos porque não vou fazer guerras a ninguém, nem vou estragar a vida a ninguém." Só a Margarida é que sai?
Só a Margarida é que sai?
Saio eu e todo o executivo. Em principio depois temos lugar na Assembleia de Freguesia mas eu vou pensar se fico ou não.
Ainda vai decidir?
Ainda vou decidir mas em princípio não fico. Gosto de fazer coisas, gosto de estar no terreno. Por isso estejam todos tranquilos porque não vou fazer guerras a ninguém, nem vou estragar a vida a ninguém. Não é nada o meu espírito. Desde que saí da Abraço, posso dizer que nestes nove anos, fui lá três vezes porque me convidaram para ir, porque de resto não apareço sem ser convidada.
AS MENSAGENS DE APOIO E A POLÉMICA DO MERCADO Foi uma noite de surpresas?
Para mim foi uma grande surpresa. Sei que apanhei por tabela com diversas situações: por causa dos sem abrigo, por causa das ciclovias, mas tudo bem. Já dei os parabéns ao Carlos Moedas, que é uma pessoa que conheço pessoalmente, e a algumas pessoas que estão na lista vencedora e de quem também tenho o contacto. Desejo que sejam muito felizes e o melhor para a freguesia que ficou muito cuidada.
"Apanhei por tabela com diversas situações: por causa dos sem abrigo, por causa das ciclovias, mas tudo bem"
E agora volta à vida social?
Vamos ver o que vou fazer, ainda não sei, ainda não tenho nada previsto mas sou uma mulher de lutas e por isso vou à luta. Não vou ficar em casa a ver televisão como devem calcular. Neste momento preciso de descansar, porque estes últimos três anos foram violentos e há dois que não tenho férias. A gente não pode dizer que as coisas não passam por nós. Elas passam! Fiz um excelente trabalho, estou contente com o que fiz mas claro que gostaria de continuar mais quatro anos, mas as pessoas não quiseram e têm todo o direito. Isto é a democracia a funcionar!
Recebeu muitas mensagens de apoio após a derrota ter sido tornada pública?
Sim! Tive de amigos, de pessoas de outros partidos, antigos funcionários da junta. Não nos podemos esquecer que quando cheguei aqui a maior parte dos funcionários não estavam no quadro, só os que tinham vindo da câmara. E neste momento temos 220 pessoas no quadro do pessoal. É muito importante porque no fundo as pessoas têm uma garantia de trabalho. Fomos a primeira junta, assim que nos foi permitido oficialmente, a pôr o quadro em ordem.~~
Notícias recentes também a acusam de levar mercadorias do Mercado de Arroios sem pagar. O que tem a dizer sobre isso?
O que lhe vou explicar é que tenho faturas de tudo o que compro do mercado. E que os vendedores entregam quase sempre, dia sim dia não, coisas que se aproveitam mas já não podem vender e que os nossos funcionários também vão buscar. Naquele dia, era o dia dos meus anos e o senhor decidiu oferecer-me uns figos, o resto era material que não foi para mim, que foi para dar. Para mais denunciaram que eu devia coisas à Segurança Social o que não é verdade, não tenho dívidas absolutamente nenhumas, nem nunca recebi da Abraço cinco mil euros, e isto está neste momento no nosso advogado, o Dr. Ricardo Sá Fernandes, que é ele que vai tratar desse assunto.
"É uma injustiça o que me fizeram por causa de fruta. Tenho os comprovativos de pagamentos"
No entanto esta não é a primeira vez de que é alvo de acusações.
Não é a primeira vez, já fui difamada e ganhei um processo. Sou sempre um alvo, porque faço coisas. Como tenho a atitude de fazer… Neste país não gostam de pessoas que fazem coisas e além disso foi em plena campanha eleitoral, e foram pessoas que me queriam derrubar mas não foi isso que me fez derrubar, não me derrubam.
Sente que é uma injustiça?
Acho que é uma injustiça o que me fizeram por causa de fruta. Tenho os comprovativos de pagamentos. Da fruta, do talho, do peixe. Tenho a prova de que paguei as minhas contas. Mas de vez em quando sou um alvo mas não tenho medo. Eu reajo, não vou ficar em casa. Sei que fiz um excelente trabalho nestes oito anos, espero que quem venha a seguir consiga fazer tão excelente trabalho como eu fiz.
A CONVERSA QUE ACONTECEU ANTES DAS ELEIÇÕES
É candidata pela terceira vez.
Volto a candidatar-me pela terceira vez, e é a última. Estou com 68 anos. Acho que tem sido um trabalho bastante profícuo. Claro que não estou sozinha, tenho equipas excecionais, desde os meus colegas de executivo, das pessoas que trabalham comigo nos recursos humanos, e na área de apoio social.
Numa freguesia que tem bastantes problemas.
Bastantes problemas e tem a área de apoio social muito premente, com as escolas, com a educação, com a cultura, com as obras, com a higiene urbana. É uma freguesia também com muitos problemas com a higiene urbana mas acho que nós temos tentado colmatar. Só para dizer que nestes dois últimos anos nós fizemos três milhões de euros em obras financiadas pela câmara, mas só fizemos porque metemos os projetos. Fomos a única junta que fez uma casa para doentes Covid.
Ainda há muito para fazer?
Há mas é gratificante. Gosto de estar no terreno, para mais sou reformada e para mim isto é a minha saúde mental. Estar ativa diariamente, ir aos jardins, ir às compras, ir aos mercados, tratar da higiene urbana, faz parte de eu estar viva, estar cá e estar presente.
A QUESTÃO DAS CICLOVIAS
Uma questão que tem levantado polémica são as ciclovias nomeadamente a da Avenida Almirante Reis.
Acho que neste momento a ciclovia da forma como está feita não cria tantos problemas. Há uma coisa que as pessoas têm de perceber, é que isto é um sítio de passagem. Há outras ruas que podem dar acesso ao aeroporto, ao centro da cidade, e esta avenida é das mais poluídas. É preciso ter cuidado porque as pessoas que vivem aqui também se queixam da situação da poluição e muitas vezes não podem abrir as janelas de casa. Uma coisa que também queremos é ter mais árvores na Almirante Reis. É uma coisa que também pedimos. E da forma que neste momento está, uma via para cima e uma via para baixo, e como não tem aqueles pilaretes que as pessoas não podiam ultrapassar em qualquer situação de emergência, agora qualquer pessoa pode fazê-lo desde que não atropele ninguém.
O que é que preciso, quais as condições necessárias para se ser presidente de uma junta de freguesia?
Tem que se ser atento, tem que se ser humilde, tem que se ouvir as pessoas. Eu dou o meu cartão e o meu telefone a toda a gente e convido-os a enviar uma mensagem por causa de qualquer coisa que esteja mal. Mandam fotografias. E eu respondo a toda a gente. Desde a minha primeira campanha.
"Tive que pôr um bypass porque estava com a 'pilha' gasta"
Durante este mandato foi operada ao coração. O que é que essa intervenção mudou na sua vida?
Nada. A única coisa foi que me levou a estar em casa a trabalhar mês e meio.
AS 13 OPERAÇÕES A QUE JÁ FOI SUBMETIDA Assustou-se?
Eu senti-me a desfalecer. Um dia estava em casa sozinha – eu vivo sozinha com os meus gatos – e senti-me a desfalecer. Telefonei ao meu médico e disse que me sentia a desmaiar e ele disse para ir imediatamente para o hospital. Eu disse que não, disse que ia tomar uma coisa para me acalmar e que no dia seguinte estaria no hospital, e assim foi. Entrei no hospital e estava com o coração a 25 e normalmente deve estar a 60. Eles trataram de tudo, para pouco tempo depois ser operada.
O que tinha no seu coração?
Tive que pôr um bypass porque estava com a "pilha gasta" (risos).
"Vou a caminho dos 69 anos e quero estar viva e ser feliz"
Quantas operações já fez?
Ao longo da minha vida já fui submetida a 13 operações com anestesia geral e em dois anos fiz seis. E o coração sente. E em dois anos que estive de baixa na Abraço fui a seis cirurgias com anestesia geral. À tiróide, ao estômago, a outras áreas... Já tinha feito também uma operação a uma gravidez ectópica, depois tive que fazer outra operação a um mioma sanguíneo. Na vida isto tem sido muito assim, mas não levo muito a sério. Não me sinto uma mulher doente. Claro que não tenho a mesma força, já não consigo empurrar móveis, mas faço o meu trabalho e felizmente ando. Hoje tenho mais cuidado comigo. Faço fisioterapia dia sim, dia não. Faço drenagem. Vou a caminho dos 69 anos e quero estar viva e ser feliz.
Vive na freguesia?
Não. Vivo nas Amoreiras. Numa casa que comprei há 22 anos, com muita sorte porque era inquilina e pude comprar uma ótima casa.
Nunca pensou mudar para a freguesia?
Já. Até porque gostava de mudar para a zona do jardim do Campo Mártires da Pátria do qual sou 100% fã. Até já lá plantei três árvores: tenho lá um chorão salgueiro, tenho lá uma magnólia e mais uma outra árvore. Todas compradas por mim. E também tenho uma magnólia que plantei no Jardim Maria de Lourdes Pintasilgo. Para mudar da minha zona era para ali. Tenho de ter um jardim próximo.
Esteve sempre sozinha no confinamento?Estive praticamente sozinha, isto é, com os meus gatos. Mas vim quase sempre trabalhar às 8h. Tivemos sempre a trabalhar sobretudo na área social. Só quem tinha filhos ou situações que não podiam estar na junta é que estavam em casa.
Sente que a pandemia mudou as pessoas?
Temos que viver com isso mas dou o exemplo da minha mãe que teve tuberculose entre os 15 e os 21 anos. E a reação que ela tinha comigo era muito de proteção, tratava de mim, mas não era de muitos afetos, porque a tuberculose foi uma coisa que a marcou muito. Aliás, ainda hoje, nunca beijo uma criança a não ser no cabelo. A minha mãe não beijava nenhuma criança a não ser no cabelo por ter medo de contagiar. São coisas que deixam marcas. Nunca passei por uma situação destas, passou a minha mãe, que se fosse viva teria 100 anos, mas marcou-me. A tuberculose marcou-me por interposta pessoa que era a minha mãe. Até ao nível dos afetos. Sou uma pessoa afetiva mas sou muito reservada. Rio mais mas nunca me vêem em grandes beijos nem em grandes abraços porque ficou da minha infância.
A RELAÇÃO COM A FILHA
Também foi assim com a Leonor?
Com a Leonor tive de ter mais cuidado. Tive que me educar.
Para ser mais emotiva?
Emotiva sou mas para ser mais afetuosa. Tive de me educar, porque no fundo passamos por isto e fica no nosso ADN. Estas coisas ficam.
"Vivo da minha reforma, por isso estou muito tranquila"
O voluntariado é algo que faz parte da sua vida há algum tempo. Aliás a Abraço começou assim.
Sim, comecei como voluntária e depois fiquei assalariada quando estava a tempo inteiro. Mas neste momento vivo da minha reforma por isso estou muito tranquila. Posso fazer o que quiser. Posso também ganhar dinheiro (risos). Tenho um projeto que está pendente para daqui a quatro anos mas se tiver que ser já também será já.
Deixa a presidência da junta rumo à presidência da Abraço. Foram 22 anos de que guarda boas memórias?
É a minha primeira filha, a minha segunda filha é a Leonor. Porque a Abraço no fundo é como uma filha, uma filha que está criada, enraizada, tratada, é uma filha maior de idade, que já faz o seu percurso por si própria. Acho que tive o cuidado de sempre escolher as pessoas que me acompanharam para depois continuarem. Posso dizer que nestes últimos cinco anos eu fui lá umas cinco vezes no máximo, porque eu guardo tudo. Eu acabo um trabalho e tenho uma caixinha, meto tudo em gavetinhas e quando acabar este também guardo numa gavetinha e foi este o trabalho que fiz. Quando estive no Frágil meti numa gavetinha, quando estive na minha vida profissional como secretária meti numa gavetinha, meto tudo em gavetinhas. Quando fiz produção também. Por isso penso que a Abraço ficou muito bem entregue e penso que isso é que é importante. Deixar pessoas que seguissem o caminho. Não que façam igual mas que o processo ficasse entregue.
"Viver a situação de quem morre não é nada fácil"
É com orgulho que olha para esta sua 'filha'?
É com muito orgulho que olho para esta minha filha apesar de ela me ter dado muitas dores de cabeça (risos).
Era um trabalho difícil?
No principio foi até porque trabalhávamos com pessoas que morriam. Eu não era técnica e começar a viver a situação de quem morre não é nada fácil. Hoje em dia é diferente. Conheço pessoas com 35 anos que estão infetadas, que ultrapassaram a situação e estão vivas, mas de qualquer maneira não são situações que sejam fáceis.
A Abraço mudou mentalidades?
Muitas! Tenho encontrado muita gente com cerca de 50 anos que me agradece eu ter criado a Abraço por causa da Sida. Gente que era muito nova, que tinha 13, 14, 15 anos. Ainda outro dia encontrei o ministro da Educação [Tiago BrandãoRodrigues] e ía-me apresentar e ele disse: "Sei perfeitamente quem é a Margarida. Deu-me formação sobre a Sida tinha eu 15 anos." Eu agradeci e achei simpático. Não espero nada, mas tenho pena que as pessoas falem pouco disso, porque continua a ser preciso ter cuidado.
"Sempre tive o desejo de ser mãe (...) Mas sabia que não podia ser"
Da sua ‘primeira filha’ passamos à Leonor. Está uma mulher.
Vai fazer 22 anos a 15 de outubro. Conheci-a com dois anos e três meses e foi-me entregue com três anos, no dia em que fez três anos.
Antes de adotar a Leonor tinha tido uma gravidez éctopica. Sempre teve o desejo de ser mãe?
Sempre tive o desejo de ser mãe. Tomei conta de um miúdo que já faz 50 anos, que vive na Suíça, e que aos 10 anos ficou sem mãe. Era um jovem bastante rebelde e nunca me tratou por mãe mas ainda há dias esteve aqui comigo. Sempre gostei imenso de crianças. Adoro crianças.
Esta gravidez aconteceu antes do 30.
Tinha 27 anos.
"Tive uma trompa que foi laqueada indevidamente"
Marcou-a?
Nessa altura fiquei bastante triste e bastante deprimida mas faz parte da nossa vida, de superar.
Mesmo assim não perdeu o desejo de ser mãe.
Não. Mas sabia que não podia ser, porque eu tinha tido uma gravidez ectópica e depois laquearam-me as duas trompas, uma delas até indevidamente. Tive uma trompa que foi laqueada indevidamente.
Isso não a deixou ainda mais em baixo?
Percebi que na altura toda a gente se assustou com a forma como eu estava quando me abriram e por isso não culpei ninguém. Não fiz queixa nenhuma e falei com o médico que me operou, uns anos depois e ele até é que me disse que na altura se tinha assustado com a situação mas não estou a culpar ninguém de nada, porque a vida é assim. Há erros para salvar a vida e o principal é que eles estavam ali para tentar salvar a minha vida.
Daí até chegar a Leonor ainda passaram muitos anos.
Muitos anos. Isto aconteceu quando tinha 27, a Leonor chegou quando tinha 49.
O que é que a fez partir para a adoção mais de vinte anos depois?
A Leonor cruzou-se comigo. Ela estava numa instituição e eu fui visitar algumas crianças que eram filhos de doentes nossos que eu acompanhava e um dia disseram-me que ela estava sozinha e conhecia sozinha porque ela não tinha visitas, não tinha ninguém e comecei a visitá-la. E depois um dia quando cheguei o segurança disse que ela tinha chamado por mim, mas a Leonor não falava grunhia, e o segurança diz que lhe perguntou o que é que ela estava a fazer sentada à porta e ela diz que disse: "Estou à espera da mã". Ela tinha dois anos e cinco meses nessa altura e foi ai que fui para o tribunal de família e meti a papelada, ela já saia comigo mas foi aos três anos que entrou definitivamente na minha casa. Nós fazemos sempre duas festas e este ano será a dos 22 anos e dos 19 que vive comigo.
Mas ela já não vive com a Margarida.
Não. Ela neste momento vive na freguesia, vive com a sua cadela, tem a sua casa, trabalha. Sou uma mãe que toma conta de tudo. Estou sempre atenta. Ela todos os dias almoça comigo ainda. Sou uma mãe muito galinha em muitas coisas. Toda a gente diz que a protejo demais (risos).
Mas é um papel principal na sua vida?
É. Gosto muito dela e ela gosta muito de mim. Zangamo-nos como mãe e filha mas isso faz parte da educação e faz parte da vida.
"Hoje em dia não me vejo a viver com ninguém"
E um companheiro de vida?
Há muitos anos, muitos anos que não tenho ninguém. Também não tenho esse desejo. Para ser tinha que ser alguém muito especial, muito inteligente e hoje em dia nunca seria na minha casa. Podia partilhar amizade, afeto, mas cada um na sua casa. Seria muito difícil para mim ao fim de muitos anos a viver sozinha partilhar o mesmo espaço. Gostava de ter um grande amigo, para viajar, para estar, mas cada um no seu espaço. Hoje em dia não me vejo a viver com ninguém. Já são muitos anos a viver sozinha. Muitos anos a estar comigo, com as minhas coisas. Criam-se muitos vícios. Temos o nosso tempo sem ter de o partilhar. Quando entro em casa sou outra pessoa. Costumo brincar e dizer que na rua sou Gémeos, porque me rio, brinco, mas chego a casa sou Caranguejo completamente. Sou Caranguejo mas tenho ascendente em Gémeos.
Namorou muito?
Sim! Namorei imenso, diverti-me imenso. Fui muito bem tratada. Tenho grandes amigos que foram meus namorados. Nunca ficámos com raivas nem com zangas e a última pessoa com que eu estive normalmente almoçamos uma vez por semana. O tempo na junta também me tira muito tempo.
A Margarida será a presidente de junta mais famosa de Lisboa?
Não acho que seja. Não sei se sou a mais conhecida.
Esteve na porta do Frágil, foi presidente da Abraço, agora está à frente da junta.
É engraçado porque fui a Guida do Frágil, a Margarida da Abraço e agora a Margarida da junta. Acho graça porque quando passo fico sempre com um legado.
E a Guida do Frágil era muito diferente da Margarida de hoje?
Não. Eu sempre fui workhaolic. Trabalhava muito, ganhava muito bem. E há um homem que me ensinou muito, ensinou-me a olhar e a estar, que foi o Manuel Reis.
A partida prematura do Manuel Reis também a fragilizou?Sabe que eu tenho muitos compartimentos, tenho as minhas gavetinhas. Tenho muito boas recordações e é nisso que eu penso. Fizemos coisas giríssimas. Produção de moda, de teatro, de cinema. Produções de rua, eventos enormes. A primeira ModaLisboa, antes nas Manobras de Maio estive presente com ele. Éramos uma equipa. Ficámos um bocadinho zangados na altura em que eu saí, e estivemos seis meses nos falarmos, mas depois ultrapassamos isso porque gostávamos mesmo um do outro. Trabalhávamos em conjunto 12, 13, 14 horas não importava o tempo. Sempre fui um bocadinho workhaolic. Sempre entreguei naquilo que trabalhei.
Também foi secretária.
Fui secretária de uma empresa de construção civil e também me entreguei, sempre me entreguei e também me diverti. Entretanto também fiz dois livros de fotografia. A fotografia é um hobbie que tenho, gosto de fotografar. Cheguei a andar com 12 quilos às costas. Aliás eu fui assistente do Mário Cabrita Gil, com quem eu vivi, e foi com ele que aprendi a olhar, a ver a fotografia. Já fazia produção nessa altura nem me atrevia a fotografar porque eles eram todos top mas aprendi muito com o olhar com as sombras, aprendi a ver. Gostos dos livros que fiz, gosto das fotografias que faço. Não sou técnica, não sou fotógrafa, sei olhar.
"Acho que vou morrer feliz"
É uma mulher feliz?
Sou, e acho que vou morrer feliz.
Já pensa na morte?
Não penso na morte já mas hoje em dia estou muito tranquila, com esta história do coração de que uma pessoa se pode apagar de um momento para o outro.
A ideia de finitude está cada vez mais presente com o passar dos anos?
Sim. E para mais já comecei a distribuir coisas minhas por amigos.
Já começou as suas partilhas?
Já, já comecei as minhas partilhas. Algumas tenho marcado e digo à Leonor, outras vou já partilhando. Já começo a desfazer-me de coisas. Sei a quem devo dá-las. Tenho também na Madeira uma filha de coração que é a Cristina e uma neta que é a Alice e tem 12 anos, que a primeira palavra que disse foi Margarida, antes de mãe e pai. Também tenho outros aqui que são filhos dos amigos e gostam de mim e trato como netos.
Gostava de ser avó?Gostava mas isso agora está com a Leonor (risos). Quer dizer avó já sou, tenho a Alice que me trata como 'a avó'. Mas gostava de ser avó de um filho da Leonor.
Também é bastante ativa nas redes sociais.
Gosto de ser ativa, gosto de publicar o que vejo, o que sinto. Ainda há dias fui criticada por na morte do Sampaio ter tirado fotografias e fiquei super triste, porque as pessoas não percebem nada de nós. Fui condecorada por ele, pelo meu trabalho na Abraço, tive pegas com ele por causa da Abraço, quando foi presidente da câmara, a pedir-lhe espaços para a Abraço. Tínhamos muito respeito um pelo outro. Fui com ele ao congresso das Nações Unidas sobre a HIV/ Sida. Tenho muito respeito pela família dele que sempre apoiou estas causas. Quando tiro fotografias a uma coisa, e eu não tirei no funeral, é para ficar de memória futura para mim e mais nada. E as pessoas não percebem isso. As pessoas gostam de achincalhar e fiquei muito triste. Não eram selfies, fiz sim questão de deixar para a história essas imagens, como tiro nos comícios, como tiro noutros sítios. São coisas de memória. É para o meu arquivo. As pessoas achincalham-lhe sem perceber. Há memórias, há respeito. As pessoas não sabem a nossa história, não sabem os nossos sentimentos.