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THE MAG - Estórias das eleições 2022

A vida delas dava um filme. Quem são as mulheres que mandam no Bloco de Esquerda: a atriz Catarina Martins, a "pastora" Marisa e a aristocracia da luta armada, Mariana e Joana Mortágua

O BE é uma espécie de 'Turma da Mónica': um conglomerado de partidos marxistas e trotskistas onde os homens quase se evaporaram. Em período quente de campanha para as Legislativas, contamos aqui a fantástica história das deputadas gémeas Mortágua e do seu pai "bombista" que andou desaparecido, aos 87 anos. Mas não só...
João Bénard Garcia
João Bénard Garcia
13 de janeiro de 2022 às 23:26
Mariana Mortágua e Catarina Martins
Mariana Mortágua e Catarina Martins Foto: getty images

No Bloco de Esquerda (BE) quem mandam são elas e sobre isso não restam dúvidas. Parece uma espécie de 'Turma da Mónica', em que "menino não entra". Se não vejamos:

Catarina Martins
Catarina Martins Foto: getty images

Catarina Martins, atriz de 48 anos que é a coordenadora principal do BE, é quem dá a cara pela antiga agregação de pequenos partidos marxistas e trotskistas mandelistas, mas, quando é necessário, também divide as atenções com a eurodeputada de voz rouca e sexy Marisa Matias, de 45, que cresceu na aldeia de Alcouce, Condeixa-a-Nova, Coimbra, a apascentar e a ordenhar cabras e ovelhas (mas também a perdê-las), acabou socióloga e já foi candidata à Presidência da República. E isto mesmo tendo crescido num lugarejo com menos de cem habitantes, sem água ou luz em casa.

Mas não se pense que no BE só existe o eixo de poder Catarina Martins/Marisa Matias, as mais velhas. Nada disso, na Assembleia da República há duas deputadas mais jovens do BE, por sinal irmãs e por coincidência gémeas, que se destacaram, uma mais do que outra, é um facto indesmentível, e que, por onde passam, dão sempre nas vistas e muito que falar. 

Marisa Matias
Marisa Matias Foto: getty images

Referimo-nos, claro, às populares manas Mortágua, Mariana e Joana, ambas com 35 anos, que há uma semana viveram um momento familiar dramático: o desaparecimento súbito do pai, Camilo, de 87 anos, que, afinal, numa viagem a caminho do Fundão, decidiu somente descansar as fadigas num hotel de Castelo Branco, a poucos quilómetros do destino, desligar o telemóvel e ter um momento de privacidade a sós. Mas já lá vamos perceber o que se passou com o idoso que já foi muito famoso, e não pelos motivos mais usuais, noutras eras…

OS GENES DA LUTA ARMADA

Ao contrário de Catarina Martins - que nasceu no Porto, viveu em Gaia, cresceu entre roças de café e cacau em São Tomé e Príncipe e bairros pobres de casas de chapa em Cabo Verde, regressou a Portugal e a Aveiro e depois se estabeleceu pelo Porto, onde ajudou a fundar a companhia de teatro profissional 'Visões Úteis' -, as gémeas Mortágua são herdeiras da verdadeira aristocracia do combate anti-fascista, da fina flor do assalto à mão armada a bancos, do sequestro mediático de paquetes internacionais, do pioneirismo do terrorismo aéreo e da conquista 'ocupa' de herdades abastadas no verão quente de 1975.

Catarina Martins em campanha
Catarina Martins em campanha Foto: getty images

Uns genes revolucionários que prometiam e que efetivamente têm dado muita luta e dores de cabeça aos Salgados, Vieiras e Berardos da nossa praça. Em especial em duras comissões parlamentares de inquérito.

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Mariana e Joana estavam longe de existir quando o pai, Camilo Mortágua, hoje quase a celebrar 88 anos (fá-los-á a 29 de janeiro), invadiu à força a herdade da Torre Bela, na Azambuja, a maior propriedade murada do País, em nome da Reforma Agrária e da revolução proletária em marcha.

Foi aos gritos de "a terra a quem a trabalha" que o dono da dita, o Duque de Lafões, viu a herdade fugir-lhe por um canudo na manhã de 23 de abril de 1975. Além da valiosa terra, perdeu o guarda-fato e a sapateira inteira, saqueados pelos seus antigos trabalhadores rurais, que experimentaram os modelitos mesmo ali, em frente aos espelhos do pechiché do patrão saneado.

Mariana Mortágua em campanha
Mariana Mortágua em campanha Foto: getty images

O feito heroico de Camilo Mortágua, o líder da utópica tropa invasora de camponeses sem terra, ficou documentado em filme, numa época revolucionária em que todos os meios estavam ao serviço da educação do povo e da classe operária.

O filme 'Torre Bela', que as irmãs Mortágua bem conhecem, relata o momento em que o pai, com os seus camaradas cantautores revolucionários Zeca Afonso, Vitorino e o padre Francisco Fanhais atacam, com frases de combate e ao som do hino 'Grândola Vila Morena' gritado ao megafone, os malvados latifundiários opressores e ladrões do povo.

DE 'OCUPA' A 'PEQUENO LATIFUNDIÁRIO'

Hoje Camilo Mortágua, que desviou paquetes, pôs bombas e assaltou bancos em nome da resistência anti-fascista já recebeu a sua condecoração presidencial pelos préstimos à Nação (foi o Presidente Jorge Sampaio quem lha deu), radicou-se no Alvito, nos arredores de Beja e é… um pequeno latifundiário reformado. Embora ele prefira que lhe chamem somente "empresário".

Quando Mariana e Joana nasceram, em 1986, já os ímpetos revolucionários de Camilo Mortágua tinham acalmado um pouco, mas não totalmente adormecido. E foi essa energia contestatária que passou às filhas. Mariana, a mana economista, é a mais combativa nas pelejas parlamentares, apesar de na infância ter sido a mais introvertida. Hoje, curiosamente, Mariana escreve livros e teses de mestrado sobre a dívida e sobre a banca, quando, no passado, o pai se dedicava a assaltá-la.

Catarina Martins e uma das gémeas Mortágua
Catarina Martins e uma das gémeas Mortágua Foto: getty images

Agora que está retiradíssimo das lides revolucionárias, dos assaltos a bancos, dos ataques bombistas e prestes a fazer 88 anos, Camilo Mortágua é o "Ai, Jesus" da família mas, de vez em quando, lança umas pequenas granadas no coração da mulher e das filhas, como a que aconteceu no início deste ano, em que desapareceu, não chegando ao destino, depois de uma viagem em que foi a conduzir sozinho o seu automóvel do Alvito, no Alentejo, ao Fundão, na Beira Baixa.

A mulher e as filhas, aflitas, alertaram a GNR para o seu desaparecimento, mas afinal, o ex-resistente anti-fascista só tinha sido um condutor consciente, prudente e sensato e tinha decidido dormir, ao fim de várias horas de viagem. Só que se esqueceu de avisar.

As mulheres no Bloco de Esquerda: Mariana Mortágua e Catarina Martins
As mulheres no Bloco de Esquerda: Mariana Mortágua e Catarina Martins Foto: getty images

Tudo isto enquanto a campanha e os debates eleitoriais seguiam o seu caminho, com a antiga atriz Catarina a tomar as rédeas do ecrã televisivo dos vários canais. Cada um com sua função, na "turma da Mónica". 

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