
No Bloco de Esquerda (BE) quem mandam são elas e sobre isso não restam dúvidas. Parece uma espécie de 'Turma da Mónica', em que "menino não entra". Se não vejamos:
Catarina Martins, atriz de 48 anos que é a coordenadora principal do BE, é quem dá a cara pela antiga agregação de pequenos partidos marxistas e trotskistas mandelistas, mas, quando é necessário, também divide as atenções com a eurodeputada de voz rouca e sexy Marisa Matias, de 45, que cresceu na aldeia de Alcouce, Condeixa-a-Nova, Coimbra, a apascentar e a ordenhar cabras e ovelhas (mas também a perdê-las), acabou socióloga e já foi candidata à Presidência da República. E isto mesmo tendo crescido num lugarejo com menos de cem habitantes, sem água ou luz em casa.
Mas não se pense que no BE só existe o eixo de poder Catarina Martins/Marisa Matias, as mais velhas. Nada disso, na Assembleia da República há duas deputadas mais jovens do BE, por sinal irmãs e por coincidência gémeas, que se destacaram, uma mais do que outra, é um facto indesmentível, e que, por onde passam, dão sempre nas vistas e muito que falar.
Referimo-nos, claro, às populares manas Mortágua, Mariana e Joana, ambas com 35 anos, que há uma semana viveram um momento familiar dramático: o desaparecimento súbito do pai, Camilo, de 87 anos, que, afinal, numa viagem a caminho do Fundão, decidiu somente descansar as fadigas num hotel de Castelo Branco, a poucos quilómetros do destino, desligar o telemóvel e ter um momento de privacidade a sós. Mas já lá vamos perceber o que se passou com o idoso que já foi muito famoso, e não pelos motivos mais usuais, noutras eras…
OS GENES DA LUTA ARMADA
Ao contrário de Catarina Martins - que nasceu no Porto, viveu em Gaia, cresceu entre roças de café e cacau em São Tomé e Príncipe e bairros pobres de casas de chapa em Cabo Verde, regressou a Portugal e a Aveiro e depois se estabeleceu pelo Porto, onde ajudou a fundar a companhia de teatro profissional 'Visões Úteis' -, as gémeas Mortágua são herdeiras da verdadeira aristocracia do combate anti-fascista, da fina flor do assalto à mão armada a bancos, do sequestro mediático de paquetes internacionais, do pioneirismo do terrorismo aéreo e da conquista 'ocupa' de herdades abastadas no verão quente de 1975.
Uns genes revolucionários que prometiam e que efetivamente têm dado muita luta e dores de cabeça aos Salgados, Vieiras e Berardos da nossa praça. Em especial em duras comissões parlamentares de inquérito.
Mariana e Joana estavam longe de existir quando o pai, Camilo Mortágua, hoje quase a celebrar 88 anos (fá-los-á a 29 de janeiro), invadiu à força a herdade da Torre Bela, na Azambuja, a maior propriedade murada do País, em nome da Reforma Agrária e da revolução proletária em marcha.
Foi aos gritos de "a terra a quem a trabalha" que o dono da dita, o Duque de Lafões, viu a herdade fugir-lhe por um canudo na manhã de 23 de abril de 1975. Além da valiosa terra, perdeu o guarda-fato e a sapateira inteira, saqueados pelos seus antigos trabalhadores rurais, que experimentaram os modelitos mesmo ali, em frente aos espelhos do pechiché do patrão saneado.
O feito heroico de Camilo Mortágua, o líder da utópica tropa invasora de camponeses sem terra, ficou documentado em filme, numa época revolucionária em que todos os meios estavam ao serviço da educação do povo e da classe operária.
O filme 'Torre Bela', que as irmãs Mortágua bem conhecem, relata o momento em que o pai, com os seus camaradas cantautores revolucionários Zeca Afonso, Vitorino e o padre Francisco Fanhais atacam, com frases de combate e ao som do hino 'Grândola Vila Morena' gritado ao megafone, os malvados latifundiários opressores e ladrões do povo.
DE 'OCUPA' A 'PEQUENO LATIFUNDIÁRIO'
Hoje Camilo Mortágua, que desviou paquetes, pôs bombas e assaltou bancos em nome da resistência anti-fascista já recebeu a sua condecoração presidencial pelos préstimos à Nação (foi o Presidente Jorge Sampaio quem lha deu), radicou-se no Alvito, nos arredores de Beja e é… um pequeno latifundiário reformado. Embora ele prefira que lhe chamem somente "empresário".
Quando Mariana e Joana nasceram, em 1986, já os ímpetos revolucionários de Camilo Mortágua tinham acalmado um pouco, mas não totalmente adormecido. E foi essa energia contestatária que passou às filhas. Mariana, a mana economista, é a mais combativa nas pelejas parlamentares, apesar de na infância ter sido a mais introvertida. Hoje, curiosamente, Mariana escreve livros e teses de mestrado sobre a dívida e sobre a banca, quando, no passado, o pai se dedicava a assaltá-la.
Agora que está retiradíssimo das lides revolucionárias, dos assaltos a bancos, dos ataques bombistas e prestes a fazer 88 anos, Camilo Mortágua é o "Ai, Jesus" da família mas, de vez em quando, lança umas pequenas granadas no coração da mulher e das filhas, como a que aconteceu no início deste ano, em que desapareceu, não chegando ao destino, depois de uma viagem em que foi a conduzir sozinho o seu automóvel do Alvito, no Alentejo, ao Fundão, na Beira Baixa.
A mulher e as filhas, aflitas, alertaram a GNR para o seu desaparecimento, mas afinal, o ex-resistente anti-fascista só tinha sido um condutor consciente, prudente e sensato e tinha decidido dormir, ao fim de várias horas de viagem. Só que se esqueceu de avisar.
Tudo isto enquanto a campanha e os debates eleitoriais seguiam o seu caminho, com a antiga atriz Catarina a tomar as rédeas do ecrã televisivo dos vários canais. Cada um com sua função, na "turma da Mónica".