
Sérgio Conceição faz parte dos chamados treinadores com mau feitio. O que para muitos é sinónimo de um profissionalismo e exigência que o levam sempre a procurar o melhor, traduz-se, na verdade em explosões, acessos de fúria e momentos como os que aconteceram no último fim de semana em que o português teve de ser separado do capitão de equipa do AC Milan Davide Calabria, que não gostou de ser substituído a meio do jogo. Os dois por pouco não chegaram a vias de facto, mas apesar de a imprensa italiana ter dado gás ao confronto, Conceição como que encolheu os ombros: é a vida, é o futebol, justificou ele.
"Vejo e sinto os jogos com muita paixão. Houve um pouco de adrenalina a mais. Houve uma situação de jogo que falei com o Calabria. Os jogadores são todos importantes para mim. São como uma família. Se tenho um filho que se porta mal, digo-lhe isso mesmo. No futebol igual. Não há hipocrisia. Falamos as coisas uns para os outros, como homens. É verdade que não foi bonito mas no futebol está tudo bem. Não estamos na igreja. Já estou a planear o meu trabalho de amanhã", disse, revelando, desta forma, a maneira como há muito está no futebol.
Quem já trabalhou com ele diz que com Sérgio não há lugar para paninhos quentes. É sério, rigoroso, exigente, explosivo até, mas depois tem também o outro lado muito paternal, que faz com que se condoa dos problemas dos jogadores, que conhece para lá das quatro linhas. Ele próprio já assumiu que quando treina uma equipa quer saber tudo sobre os seus futebolistas: se são casados, se têm filhos, como é que cresceram, os problemas para lá do jogo. Ele, mais do que ninguém, sabe que tudo conta.
Oriundo de uma família com muitos irmãos, poucos recursos e escasso amor, Sérgio Conceição teve aquela infância difícil que culminou com a perda dos pais ainda na juventude. Apesar do drama de vida, não se encostou à dor: por outro lado, ganharia esta carapaça que facilmente pode ser confundida com arrogância e que o faz viver entre dois mundos opostos: a extrema exigência e o ombro que está disposto a ser para aqueles que entregam a vida em campo, o homem de família que é para a companheira, Liliana, e para os cinco filhos.
"Sei tudo sobre os meus jogadores, até o prato preferido. Ter todos estes pormenores faz a diferença. As horas que dormem e não dormem, o que comem, que família têm... É preciso ser exigente consigo próprio, rigoroso. Há tanto trabalho que não se vê. É preciso ter paixão, a única coisa que nos faz aceitar todos os sacrifícios", já fez saber.
No FC Porto, onde passou grande parte dos últimos anos como treinador, o seu estilo há muito que era conhecido e passado de boca em boca entre os jogadores que iam ficando e os novos que chegavam, mas em Milão, na verdade, a fama de Conceição, de 50 anos, ainda não o tinha precedido, pelo que muitos foram surpreendidos pela postura mais ríspida do técnico. Ele próprio contou que, logo após o primeiro jogo, mal mostrou os dentes, no seu estilo austero e habitual, de quem não gosta de perder tempo com simpatias desnecessárias.
"Após os primeiros 45 minutos, no balneário, não andei a distribuir beijinhos, na verdade fiquei um pouco zangado porque a equipa não fez o que tínhamos preparado e isso irritou-me. Este é um grupo humilde, às vezes falta um pouco de maldade para chegar a algo mais, mas com o tempo vamos lá chegar. Não sou uma pessoa muito simpática, não gosto de dar abraços aos jogadores, irrito-me com mais frequência, mas um grupo de trabalho precisa de tudo isto. O nosso tem qualidade e estou muito contente com eles porque também aceitaram um treinador que não sorri muito. Não estou aqui para fazer amigos, mas para ganhar."
Tudo isto tem despertado o interesse sobre Sérgio Conceição num país em que o futebol é vivido de forma precisamente apaixonante. E pode dizer-se que no perfil que traçou do português, o jornal Gazzetta dello Sport foi direito aos pontos chave. "Sérgio Conceição é uma mistura de terra, lágrimas, futebol tradicional, religião, nervos (muitos nervos) e sensibilidade. Está na moda porque é um vencedor instantâneo e remete-nos para homens de outros tempos, mais genuínos do que sofisticados, mais diretos do que conceptuais. As primeiras semanas colocaram a tónica no sargento de ferro Sérgio, que certamente existe, mas este homem é mais do que isso", escreveu a publicação num retrato fiel do treinador para quem não há meio termos: ou ama ou odeia, tal como o mesmo é válido para aqueles com que priva diariamente, que estão entre o venerá-lo e o rogar-lhe pragas eternas.