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A vida de curvas e demónios de Clara Pinto Correia. Do estrelato às fotografias dos orgasmos que a fizeram perder tudo: "Fiquei sem emprego, tive ordem de despejo, olhavam para mim de esguelha"

Foi jornalista, escritora, bióloga e investigadora científica, mas no final da vida atormentava-a que isso tudo se tivesse eclipsado em prol de dois momentos decisivos: o caso de plágio e a exposição em que se deixou fotografar pelo então marido durante o orgasmo. Caída em desgraça, exilou-se no Alentejo, onde tentava libertar-se dos seus demónios. "Se eu não fosse capaz de rir na face das minhas desgraças, já tinha enlouquecido há muito tempo", desabafou sobre o que lhe aconteceu, assumindo, no entanto, que o peso de tudo a assoberbava. Foi casada três vezes, mas nenhum dos romances vingou. Salvou-se a amizade com o segundo marido, com quem adotaria os seus dois rapazes, o seu último reduto de amor numa vida de curvas e contracurvas.
Rute Lourenço
Rute Lourenço
09 de dezembro de 2025 às 19:22
Clara Pinto Correia recorda a exposição que impactou a sua vida pessoal e profissional
Clara Pinto Correia recorda a exposição que impactou a sua vida pessoal e profissional

 Escreveu diversos romances, alguns deles premiados, tem uma larga formação académica em Biologia, foi jornalista e investigadora científica, mas para Clara Pinto Correia – encontrada morta esta terça-feira, dia 9, na sua casa em Estremoz, aos 65 anos – tinha-se tornado frustrante que na última metade da vida apenas a ligassem aos episódios mais polémicos, que acabariam por se colar ao seu currículo, como uma mancha. Para efeitos de história, pode dizer-se que o início do declínio terá começado em 2003, quando se descobriu que Clara tinha plagiado na íntegra sete parágrafos de um artigo publicado na revista 'The New Yorker', que a jornalista transpôs para a 'Visão'. Depois da polémica, reconheceria o erro, tendo dito que não voltaria a acontecer, mas a revista também não deixou margem para dúvidas, afastando-a do lote de colunistas.

A partir de então, Clara deixaria, aos poucos, a ligação aos jornais de referência para se tornar alvo de interesse das revistas cor-de-rosa, primeiro quando, em 2004, fez de Marta, no filme 'Kiss Me', ao lado de Marisa Cruz, depois quando, em 2007, aceitou ser jurada do reality show 'A Bela e o Mestre', e principalmente no dia em que, em janeiro de 2010, foi inaugurada a exposição 'Sexpressions', no Centro Cultural de Cascais. Nesta, dez fotografias da jornalista, captadas pela lente do então marido, o fotógrafo Pedro Palma, mostravam as diversas expressões de Clara durante o orgasmo, com amplo destaque mediático. "Queria perceber a evolução das expressões da mulher durante o orgasmo até à do sofrimento total, em que parece estar a ser torturada", explicou na altura Pedro Palma. No entanto, a exposição não só não foi levada a sério como se tornou alvo de gozo, com efeitos imediatos para a vida de Clara Pinto Correia, que sentiria na pele o preconceito, das mais diversas formas. "Fiquei sem emprego, sem qualquer espécie de trabalho. Primeiro que começasse a receber o subsídio de desemprego foram quase dois anos. Nas filas da Segurança Social olhavam para mim de esguelha. A minha senhoria da casa no Penedo [perto de Colares, Sintra] pôs-me uma ordem de despejo. Há 30 anos que lhe arrendava a casa e dava-me lindamente com ela", contou, numa entrevista recente à 'Sábado', onde era visível o tom de tristeza pelo facto de o episódio ter tido mais impacto na sua vida do que tudo aquilo que até então havia feito.

"Ao fim de 60 anos de grande esforço de estudo e formação, outros tantos de criatividade, e mais outros tantos de serviço ao País, a Clara Pinto Correia… é uma gaja que fez um plágio e teve um orgasmo. Se eu não fosse capaz de rir na face das minhas desgraças, já tinha enlouquecido há muito tempo", desabafou numa outra entrevista.

E, de facto, por essa altura poucos foram aqueles que se lembraram do percurso notável da mais velha de três irmãs que, nascida numa família de médicos, seguiria Biologia, num currículo brilhante que acompanhava com a sua grande paixão, a escrita, que a levou a alguns romances consagrados como 'Adeus, Princesa', quando tinha apenas 25 anos, que seria aclamado pela crítica e adaptado ao cinema.

Nascida em Lisboa, prematura, em 1960 – "estava coberta de eczema e o meu pai disse: 'Ainda por cima é feia'", contaria – iria cedo para Angola, tendo regressado a Portugal para estudar no Liceu Francês. O seu percurso como Bióloga acabaria por ser desenvolvido entre Portugal e os Estados Unidos, onde viveu muitos anos, e onde conheceria o seu segundo marido, Dick, um académico norte-americano.

O primeiro foi António Mega Ferreira, mas a união cederia à pressão de o casal em querer ter filhos. No entanto, todas as tentativas saíram goradas. "Tentei quatro vezes, de seguida. Até que desisti, tive uma depressão. Deduzo que todas nós passámos por coisas muito parecidas", disse à 'Sábado', acrescentando que, depois disso, acabaria por se divorciar, com o ex-marido a conhecer uma mulher mais nova e a ter logo um bebé.

Clara acabaria por ser mãe ao lado do segundo marido, Dick, com quem adotaria dois rapazes. "Tinham 6 e 7 anos, e eram portugueses. Eu tinha quase 40 anos, estava casada com o Dick. Ao fim daqueles anos todos, entraram dois miúdos pela casa a dizerem: 'Mãe, mãe, mãe!' Puseram-nos em nossa casa em três semanas, porque vinham de uma família problemática. Eram tão magrinhos, assim que os adotámos, fomos passar um mês para um monte alentejano. Quando voltámos de lá, eles estavam maiores, mais altos, mais confiantes. No dia seguinte, metemo-nos no avião para os Estados Unidos. Agora (início de 2025) eles têm 31 e 32 anos e eu tenho seis netos: as mais velhas já são adolescentes e o mais novo ainda não fez 1 ano. Estão todos em Londres."

O segundo casamento foi, talvez, o mais marcante para a jornalista que, apaixonada, acabaria por dar o nó em Las Vegas, toda de branco e com botas de pele de cobra. No entanto, seria o último enlace, com Pedro Palma o mais atribulado, com o casal a separar-se pouco depois dos retratos íntimos de Clara verem a luz do dia. Em 2017, com os dois já há muito divorciados, o fotógrafo seria encontrado morto dentro da bagageira do próprio carro, numa morte com contornos misteriosos que nunca seria completamente esclarecida.

O ACIDENTE E A VIDA SOLITÁRIA NO ALENTEJO

Depois da polémica com as fotografias dos orgasmos, tudo se precipitou e Clara sentiria, anos mais tarde, o apelo de uma vida longe das grandes cidades. Atormentada pelos seus demónios, e cedendo à depressão, confessa que se sentia frequentemente desanimada, a ponto de pensar acabar com a sua existência.

Clara Pinto Correia
Clara Pinto Correia

"Isto é de facto muito estranho, mas a verdade é que eu ando para aqui a viver como se já estivesse morta (...) De repente fiquei sem qualquer espécie de trabalho e tive de pedir ajuda a toda a gente em que ainda confiava. E vivia numa aldeiazinha muito isolada”, disse Clara, que era colunista do 'Página 1', onde expunha pensamentos e alguns episódios que a marcariam profundamente. 

No Alentejo, vivia como que isolada de tudo. Longe dos filhos, sem voltar a encontrar o amor, nem sempre era aceite pela comunidade, que estranhava uma mulher sozinha por aquelas bandas. "No primeiro ano em que passei cá o verão, estava ali na cama a ler, com a janela aberta. Eram 2h. Ouvi dois homens a conversarem por baixo da minha janela, percebi que a conversa era sobre mim e prestei atenção. Estava um deles a perguntar: 'Mas ela é puta?' E o outro a dizer: 'Não. É uma artista.' Vem uma mulher sozinha, da minha idade, viver para aqui e os homens interrogam-se."

Aconteceu já depois de a jornalista ter ludibriado uma morte quase certa, quando sofreu um grave acidente de carro que a deixou cheia de parafusos na coluna. "Ainda vivia no Penedo e ia naquela estrada cheia de curvas, entre a Malveira da Serra e o Guincho, a caminho da Lusófona para fazer os acordos finais [da saída da faculdade para onde entrou em 1995, foi vice-reitora até 2003 e dirigiu a licenciatura em Biologia e o mestrado em Biologia do Desenvolvimento]. De repente, desmaiei ao volante. Estava num grande estado de tensão. O carro caiu, fez uma cambalhota, bateu num poste de EDP. Lembro-me de acordar e de ver a cara tensa de um bombeiro a dizer-me: 'Não se mexa.' Depois levaram-me para o hospital de Sant’Ana, na Parede. Operaram-me [na coluna], tenho isto cheio de parafusos. Era para ter ficado numa cadeira de rodas. O médico que me operou, e era ateu, disse-me: 'O que aconteceu só pode ser um milagre. Reze e agradeça a Deus.'"

Fintou a morte nessa e em outras ocasiões, as maiores polémicas, mas eram os seus demónios, o ter caído em descrédito, que tantas vezes a atormentava. "Claro que, se eu morresse, a esta hora já andava toda a gente a dizer que eu sou uma figura incontornável da segunda metade do século XX. Veja bem isto, é espantoso o que um autor tem de fazer para vender, né?"

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