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Caso Rui Pedro: 23 anos depois do filho desaparecer Filomena Teixeira garante: "Jamais desistirei. É uma luta para a vida"

Passaram 23 anos desde o desaparecimento de Rui Pedro, mas Filomena ainda mantém a esperança de reencontrar o filho, com vida. Com a estreia de 'Sombra' nas salas de cinema portuguesas, este filme, inspirado em fatos reais, traz para a atualidade dramas tão trágicos como aqueles que são vividos pelas famílias de crianças desaparecidas.
Célia Esteves
Célia Esteves
14 de outubro de 2021 às 23:40
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Um a cada dois minutos há uma criança que é dada como desaparecida no Mundo. Em Portugal, no ano passado, ano de pandemia, desapareceram mais de 1.100 crianças. Os números são avançados pela presidente da Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas, Patrícia Cipriano, e incluem crianças dos zero aos 18 anos.

Esta semana chegou às salas de cinema portuguesas, 'Sombra', filme já premiado do realizador português Bruno Gascon e que retrata a história de uma criança, de 11 anos, que desapareceu sem deixar rasto. A mesma idade que tinha Rui Pedro quando, em 1998, em Lousada, foi dado como desaparecido.

Passaram 23 anos e a mãe, Filomena Teixeira, continua à procura de respostas sobre o desaparecimento do filho.

Ela foi uma das pessoas com quem o realizador falou para se inspirar para este filme que já arrecadou prémios e que pode ainda vir a ganhar mais já nas próximas semanas. Bruno Gascon encontra-se entre os três nomeados ao Prémio de Melhor Realizador e a protagonista, a atriz Ana Moreira, está nomeada para o prémio de Melhor Performance no Raindance Film Festival, um dos maiores festivais de cinema independente no Reino Unido, que se realiza de 27 de outubro a 6 de novembro.

"O desaparecimento de um filho é contra natura"

FILME INSPIRA-SE NA HISTÓRIA DE RUI PEDRO

"É muito exaustivo para mim", justifica Filomena, explicando à FLASH! que por isso, e por ocasião da estreia do filme, apenas deu uma entrevista a um semanário e a uma televisão. Nessa entrevista, a mãe de Rui Pedro, apesar das mais de duas décadas que já passaram, deixou claro que não desiste: "Tenho esperança ainda, pode parecer maluquice, mas tenho esperança ainda que ele esteja vivo em algum lado", confessou salientando: "Jamais desistirei. É uma luta para a vida".

Filomena alerta que há tantos outros casos que caíram no esquecimento e recorda também que há à data do desaparecimento do filho "a polícia judiciária não estava preparada". "O desaparecimento de um filho é contra natura porque ninguém sabe o que lhes aconteceu", refere esta mãe. Com a estreia de 'Sombra' esta semana, Filomena reconhece ainda à FLASH!: "o filme é uma história fictícia não é a história que aconteceu comigo, não é o relato. É inspirada, tem alguns pontos em comum".

"Neste filme conto a história de uma mãe que, apesar de todos os obstáculos que encontra, não aceita desistir de lutar para encontrar o seu filho de 11 anos, que desapareceu de forma misteriosa. O filme segue a história desta mulher e da sua família ao longo de quatro anos diferentes: 1998, 2004, 2011 e 2013", explicou o realizador a uma publicação.

"Não queria morrer sem saber do meu filho"

Ao longo destes 23 anos, Filomena foi fazendo vários apelos e aos olhos da opinião pública foi sendo também claro como esta mulher se foi tornando uma sombra daquilo que era. "Estes anos foram de muita luta, continuam a ser de muita luta, mas principalmente de muita resistência. Luto para resistir e não esmorecer perante as adversidades e as adversidades são muitas, muitas", revelou em 2019 numa entrevista dada durante o lançamento do livro de Manuela Eanes, responsável pelo Instituto do Apoio à Criança e que desde o início disponibilizou toda a sua ajuda para o caso.

"É uma luta diária. Costumo dizer que me levanto e digo: É mais um dia, vamos ver como é que ele vai decorrer", referiu na mesma ocasião. Para enfrentar este sofrimento que a acompanha desde aquela tarde fatídica de 4 de março de 1998, Filomena reconheceu ainda que conta com apoio psicológico e que recorre diariamente a medicação: "Continuo a ter esse acompanhamento, infelizmente ainda preciso disso e vou continuar a precisar o resto da minha vida, se ele não aparecer entretanto. Não queria morrer sem saber do meu filho".

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Vídeo de homem idêntico a Rui Pedro, o menino desaparecido, torna-se viral

A "MORTE" DE RUI PEDRO

Tal como Ricardo Sá Fernandes, o advogado da família de Rui Pedro, Felícia Cabrita acredita que o filho de Filomena terá morrido. "Passados estes anos todos, com a publicidade que houve à volta do caso, mesmo que ele tenha integrado uma rede, alguém terá receado e eliminado a criança", explica a jornalista à FLASH!, salientando por isso a importância de Filomena Teixeira ter um corpo para chorar. "É sempre difícil uma mãe fazer um luto mas deixar um filho partir sem nada saber, sem um corpo é muito complicado. Fazendo um luto de um filho, sabendo onde ele está, pode ajudar a continuar", adianta Felícia Cabrita que ao longo destes anos não só acompanhou o processo como conhece a mãe de Rui Pedro.

"Estes anos todos desgastaram-na muito. De certa forma, não foi só o Rui Pedro que morreu. Foi uma família inteira" garante, lembrando a forma como o processo foi levado ao longo de mais de duas décadas: "A Filomena foi altamente explorada pela polícia e pela população em geral. Foi enganada por alguma polícia. Chegou mesmo a ser acusada de ter culpa no desaparecimento do filho pela população. Houveram mesmo rumores da mãe do Rui Pedro ter um caso com o raptor. Houve uma suspeição latente da parte dos seus. Ao longo dos anos, Filomena recebeu telefonemas duríssimos. Passou por situações muito dolorosas, de requintada maldade". Como é que se sobrevive a uma situação destas? "Ela é uma sombra da vida, porque da vida pouco lhe resta. Ela não vive", diz Felícia reafirmando: "É difícil deixar um filho partir e quando não há corpo fica tudo ainda muito mais difícil. Ela nunca terá sossego".

"Não foi só o Rui Pedro que morreu. Foi uma família inteira"

Pouco há a fazer para atenuar o sofrimento de Filomena, contudo Felícia reitera a importância de se esgotarem recursos. "Acho que qualquer cidadão tem o direito de saber o que aconteceu com os seus. Não há corpo e devia haver um esforço para se descobrir o que se passou com o Rui Pedro, porque um corpo também diz muito", diz, explicando que se houver uma nova pista o processo reabre, Contudo, lembra "há uma pessoa que já cumpriu pena e não se pode cumprir pena duas vezes pelo mesmo crime."

Rui Pedro e Filomena Teixeira
Rui Pedro e Filomena Teixeira Foto: dr/Cofina Media

Cronologia de um desaparecimento

1998

4 Março

Rui Pedro tinha apenas 11 anos quando desapareceu. Foi na tarde deste dia, depois do almoço, quando foi visto pela última vez por colegas. Rui Pedro andava de bicicleta num terreno atrás do escritório onde a mãe trabalhava em Lousada, distrito do Porto.

A Polícia Judicária (PJ) inicia a investigação do desaparecimento, ouvindo várias pessoas, mas sem nunca determinar qualquer suspeito, apontando como primeira prioridade localizar o menor. O marido, Manuel Mendonça, e o pai de Filomena, José Cândido Teixeira, são os primeiros a fazer as buscas.

Abril

Foi considerada a hipótese da criança ter estado na EuroDisney, em Paris. A possibilidade foi colocada pela própria mãe do menor, ao reparar numa fotografia publicada na revista 'Caras' no âmbito de uma reportagem com o comentador Nuno Rogeiro nesse mês. Mas a pista não teve resultados práticos.

Setembro

Uma operação internacional de pornografia infantil foi levada a cabo nesse ano. O grupo era conhecido como "The Wonderland Club" e chegou a ser falado que Rui Pedro estaria entre as 1.263 crianças dos mais de 750 mil vídeos e imagens que a polícia conseguiu confirmar. Mas mais tarde, a polícia portuguesa descartou essa possibilidade.

1999

Junho

O caso tem apenas um arguido constituído. Afonso Dias é apontado como a última pessoa a ter estado com Rui Pedro.

2003

Neste ano morre o pai de Filomena, um dos seu principais apoios. José Cândido Teixeira vivia para tentar encontrar o neto Rui Pedro mas acabaria por morrer nesse ano num acidente de trator, sem conseguir cumprir a promessa que tinha feito à filha: trazer o menino para casa. Contratou detectives privados, viajou para vários países e gastou praticamente todo o seu dinheiro nas buscas. Investigou quase sempre pelos seus meios. Foi ele que muitas vezes estabeleceu contactos com os burlões e bruxos que diziam saber onde a criança estava. "Chegou a estar uma noite inteira num descampado porque lhe disseram que iam lá entregar o Pedro. Amava-o tanto que não queria deixar escapar nenhuma pista. Embora a cabeça lhe dissesse que lhe estavam a mentir, a esperança que ele tinha no coração era maior do que tudo", disse na altura um familiar.

Setembro

O processo passou para as mãos do Departamento Central de Investigação e Ação Pena (DCIAP). "Nessa altura, teve de reiniciar-se toda uma investigação, como se o processo fosse novo", disse na ocasião a diretora do DCIAP, Cândida Almeida.

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Reconstituição do desaparecimento de Maddie

2007

Na mesma época do caso do desparecimento de Madeleine McCann (a 7 de maio, a menina britânica desapareceu em Lagos) uma fonte informou que um menino num restaurante disse: "Eu também fui raptado. Sou de Famalicão, e ninguém procura por mim", mas as autoridades portuguesas ignoraram esse indicação, dizendo que não era uma pista consistente.

2008

Uma terceira equipa da PJ inicia nova investigação do desaparecimento, criando pela primeira vez uma equipa específica para o caso de Rui Pedro.

2011

Fevereiro

Chega a formalização da acusação e o principal suspeito do desaparecimento de Rui Pedro, Afonso Dias é acusado do crime de rapto agravado.

Maio

O advogado da família de Rui Pedro defende, em debate instrutório, que Afonso Dias, acusado de rapto do menor, seja levado a julgamento.

Junho

A decisão instrutória do processo em que Afonso Dias está acusado do rapto de Rui Pedro determina que o arguido vai a julgamento.

Novembro

Afonso Dias começa a ser julgado no tribunal de Lousada. Estão arroladas mais de 60 testemunhas. Acusado do rapto de Rui Pedro recusa-se, na primeira sessão de julgamento, a prestar declarações ao tribunal.

Novembro

Primo de Rui Pedro diz no tribunal que foi convidado, conjuntamente com o menor desaparecido, para irem às prostitutas a Freamunde, confirmando a tese da acusação.

O tribunal de Lousada observa o local onde várias crianças terão visto, há 13 anos, Rui Pedro entrar para a viatura que se suspeita ser do alegado raptor. Afonso Dias desloca-se ao Instituto de Medicina Legal, em Penafiel, para se submeter a exames psíquicos no âmbito de uma perícia requerida pela defesa.

Dezembro

Alcina Dias, a prostituta que alega ter estado com Rui Pedro no dia do desaparecimento do menor reafirma, na reconstituição dos factos no local do suposto encontro, que o menor lhe foi levado pelo arguido acusado de rapto.

A defesa de Afonso Dias diz em audiência que o depoimento de Alcina Dias, que diz ter estado com o menor de Lousada contraria alegadas declarações daquela testemunha à PJ e que isso prejudica o arguido.

O tribunal de Lousada visualiza um vídeo de 2004 com a reconstituição dos factos do dia do desaparecimento de Rui Pedro no qual Afonso Dias garante não ter estado com o menor na tarde do desaparecimento.

Dois inspectores da PJ que investigaram o desaparecimento de Rui Pedro dizem em tribunal que a prostituta que alega ter estado com a criança deu informações sem credibilidade e que, por isso, não foi aprofundada aquela pista.

2012

Janeiro

O tribunal de Lousada ouve as alegações finais do julgamento de Afonso Dias. O Ministério Público (MP) e o advogado da família de Rui Pedro requerem alterações aos factos que levaram a julgamento o homem acusado de rapto qualificado da criança desaparecida desde 1998.

O Ministério Público pede uma pena superior a sete anos de prisão para Afonso Dias. O advogado de defesa de Afonso Dias pede a absolvição do arguido, considerando não ter ficado provado o crime.

Fevereiro

Tribunal de Lousada absolve Afonso Dias por falta de provas. Na base da absolvição esteve a "falta de provas inequívocas" do envolvimento de Afonso Dias no eventual rapto de Rui Pedro de acordo com a juíza que presidiu o julgamento. O Tribunal confirmou a tese da acusação de que a criança e Afonso se encontraram ao início da tarde do desaparecimento de Rui Pedro, mas não deu como provado um segundo encontro por volta das 15h30 horas entre os dois, após o menor ter visto negada autorização da mãe para ir passear com Afonso.

2014

Outubro

Afonso Dias tinha sido absolvido por não ter sido provado o crime, mas a família de Rui Pedro, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto e Afonso Dias é condenado a três anos e seis meses de prisão pelo sequestro do menor durante a tarde do seu desaparecimento, e não para o próprio desaparecimento.

2015

Março

Afonso Dias foi levado para a prisão pelo seu advogado, depois do mandado de detenção ter sido emitido pela polícia. Cumpriu uma sentença de três anos, que foi reduzida para dois anos por bom comportamento.

2017

Março

Afonso Dias foi libertado a 29 de março.

2018

Outubro

Chega a confirmação pela Polícia Judiciária de que um jovem, de 30 anos, bastante parecido com Rui Pedro, divulgado através de um vídeo nas redes sociais, não era mais do que isso. "A Filomena desta vez não se iludiu", disse na ocasião o pai de Rui Pedro.

 

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