
Na Praia do Pego, uma das paragens obrigatórias para quem quer ver e ser visto durante as férias da Comporta, duas mulheres na casa dos 50, cumprimentam-se tão efusivamente quanto o único beijinho que trocam o permite. Elogiam a figura uma da outra, nos seus biquínis de cueca subida, e falam sobre os filhos, que estão entre MBAs e cursos universitários no estrangeiro. Discutem as férias pela Sardenha, que antecederam este agosto na Comporta e prometem encontrar-se ao jantar no Sublime, um dos novos spots da moda naquela localidade alentejana, que há muito se tornou no sítio onde se refugiam os endinheirados deste país.
E, cada vez mais, a Comporta cerra fileiras para garantir que aquele é um destino só para quem tem muitos dígitos na conta bancária e não é à toa que já lhe chamam os Hamptons de Portugal – em alusão ao refúgio de eleição de topo dos nova-iorquinos. A "lavagem de imagem" ficou concluída nos últimos anos. Os cafés com toldo da 'Olá' deram lugar a requintadas boutiques, em que um cordão à porta assegura que se pense duas vezes antes de se entrar por ali adentro a chinelar. Alias, na própria vila da Comporta, os moradores – os poucos que resistem - ficaram reduzidos a um único café, onde ainda se pode tomar o pequeno-almoço sem deixar lá um rim. De ano para ano, os preços duplicam – os supermercados são um caso flagrante disso mesmo - e no Carvalhal, que se tornou no novo centro da moda da Comporta, até os tascos se adaptaram a nova realidade e já não servem uma dose por menos do que 17 euros, embora as mesas continuem a ser as clássicas de metal com a toalha de papel branco presa dos lados.
As lojas também já se aperceberam que na Comporta há muito que se deixou de "brincar aos pobrezinhos". No Carvalhal, onde ainda há um par de anos se vendiam boias, toalhas de praia e pulseirinhas de pé a preços simpáticos, abriram espaços onde não se consegue comprar nada por menos de três dígitos. Na Caju, uma loja que por fora até parece simples, na avenida principal, há vestidinhos básicos para aproveitar as férias a mais de 500 euros e fatos de banho a preços exorbitantes. Mas até podemos dizer que é uma loja humilde se compararmos com a recém-inaugurada Fashion Clinic. Um dos espaços favoritos de Cristiano Ronaldo, com presença na Avenida da Liberdade e conhecido por só vender marcas de luxo, abriu durante o verão uma loja pop-up no Carvalhal, a poucos metros do recinto onde se realiza a feira de são Romão, a fazer lembrar que qualquer coisa que por lá se venda dava para comer farturas durante todo o ano.
Mas para as famílias "de bem" que vêm da capital e todos os anos se encontram, religiosamente, neste retiro sagrado, os churros não fazem parte do cardápio. Eles dividem-se entre os novos espaços da moda e, no máximo, abrem uma exceção para ir ao Sal Burger, uma roulotte de hambúrgueres gourmet, bem no centro do Carvalhal. Entre os jovens, a procura é tanta que as filas rapidamente serpenteiam pelo recinto durante as noites de verão. E são muitos os que se encontram, ano após ano, nas férias de agosto da Comporta. A maioria dividida por casarões de luxo em Sol Troia ou em cima das dunas, na Praia do Pego, onde fica, por exemplo, a mansão do antigo dono do BES Ricardo Salgado. A família do ex-banqueiro, os Espírito Santo, é aliás, dona de grande parte dos empreendimentos de luxo nesta zona e foram os próprios que, há mais de uma década, ajudaram a cimentar a moda de que ‘era bem’ passar o verão neste paraíso a dois passos de Lisboa.
E se dúvidas houvesse, Cristina Espírito Santo, da família de Ricardo Salgado, explicou por que é que o destino é tão apetecível para os mais ricos, numa frase polémica que a pôs nas bocas do mundo. "Vive-se ali num estado mais puro. É como brincar aos pobrezinhos", disse ao ‘Expresso’, completando: "o mosquito é o maior amigo da Comporta porque afasta certo tipo de pessoas!".
E as mansões que espreitam aqui e ali mostram que não é só o mosquito a fazer a triagem de quem entra ou não na Comporta. Em contraste com as casinhas baixas, características do Alentejo, erguem-se, cada vez mais, moradias ao estilo Hollywoodesco, ao alcance de poucos, onde têm lugar muitas das festas à porta fechada, onde se encontram os mais ricos do país, servidos por um catering de luxo.
A ESCAPADINHA QUE CRISTINA FERREIRA NÃO DISPENSA
Mas para quem não investiu na Península de Troia ou na Comporta, há pequenos paraísos disponíveis por algumas noites desde que se esteja disposto a desembolsar um bom dinheiro. Os novos queridinhos da região são o Sublime – que também tem um Beach Club - e a Quinta da Comporta, onde villas rústicas convidam ao descanso a poucos quilómetros da capital.
Cristina Ferreira não dispensa este refúgio, onde os preços, em época alta, podem rondar os mil euros por noite, assim como várias celebridades, principalmente do país vizinho ou então de França, como é o caso do conhecido designer de sapatos Christian Louboutin. Mas também Madonna se rendeu à Comporta, enquanto esteve a morar em Portugal, e foi vista a andar de cavalo na praia, em mais um serviço de luxo disponível nesta zona, que fica um deserto durante o Inverno, mas floresce no verão.
E se pelas ruas da Comporta ou Carvalhal, espanhol e português alfacinha é o que mais se ouve durante a época alta, este ano o sotaque americano também está bem representado com muitos turistas dos Estados Unidos a descobrirem as águas cristalinas das praias do Pego e Comporta. O super-casal Gisele Bundchen e Tom Brady partilhou, nas redes sociais, fotografias a almoçar no Sal – um restaurante em cima da praia conhecido pelo peixe fresco – e mais tarde no Beach Club do Sublime.
Perante esta preferência de elite, é legítimo perguntar: o que é que, na Comporta, cativa tanto quem tem dinheiro para escolher qualquer pedaço de terra no mundo? Não são apenas as águas cristalinas e a fina areia branca, isso é certo. É que, regra geral, e ao contrário do Algarve, o que acontece na Comporta fica na Comporta, onde tudo acontece à porta fechada, dentro das mansões milionárias dos mais ricos que durante os meses de verão ocupam esta localidade alentejana e lhe roubam a pacatez. Depois, lá para outubro, tudo volta ao lugar e, com sorte, já se pode beber a bica, numa chávena da Delta, a uns humildes 70 cêntimos.