
Continuam a somar-se os escândalos à volta da Victoria’s Secret. A globalmente reconhecida marca de roupa interior, fundada em 1977, era conhecida pelas modelos – os ‘anjos’ – que a representavam, incluindo nomes como Alessandra Ambrosio, Heidi Klum, Gisele Bündchen ou a portuguesa Sara Sampaio, e pelos seus 'fashion shows', que terminaram em 2019, mas as revelações de um documentário lançado esta quinta-feira, 14, irá decerto dar que falar.
Trata-se de uma série em três partes, denominada de ‘Victoria’s Secret: Angels and Demons’, emitida através do serviço de streaming Paramount+, nos Estados Unidos, que inclui novos detalhes sobre a chocante ligação entre o fundador da 'VS', Les Wexner, e o falecido magnata Jeffrey Epstein, conhecido por ter protagonizado uma miríade de escândalos sexuais, nos quais figuram, por exemplo, o príncipe André do Reino Unido.
Segundo detalhes do documentário, descritos pelo ‘The Sun’, os dois homens foram amigos próximos durante 20 anos, com Epstein a utilizar este privilegiado contacto com a marca para se aproximar de jovens modelos. Isto é refletido em declarações de uma antiga CEO da parte online da empresa, Cindy Fedus-Fields, que referiu ter sido avisada em 1993 que Epstein se apresentava como um recrutador de modelos da Victoria’s Secret.
Num flagrante exemplo do abuso de poder de Epstein, através da ligação com a qual Wexner terá sido conivente, a modelo Alicia Arden terá sido convencida a dirigir-se a um hotel em Santa Monica, onde foi assediada sexualmente por Epstein. Outra modelo, Frederique van der Wal, explica que não era incomum haver jovens a alegar ter-lhes sido pedido que se encontrassem com o multimilionário: "Não era a Victoria’s Secret que pedia às raparigas para se encontrarem com Epstein, mas ele usava esse trunfo", disse no documentário.
A CULTURA TÓXICA DA VICTORIA'S SECRET
Esta não é a primeira vez que alegações de uma cultura misógina e inapropriada assolam a famosa marca: já em 2020 fora desvendada a conduta imprópria de cariz sexual de Ed Razek, um proeminente executivo de topo da L Brands, empresa ligada à Victoria’s Secret. Por várias ocasiões, Brands foi alvo de queixas por parte de modelos, que denunciavam que este as tentava beijar, pedia que se sentassem no seu colo e inclusive terá tocado nas zonas íntimas de um dos ‘anjos’ antes da edição de 2018 do espetáculo da Victoria’s Secret.
Wexner sabia deste comportamento indevido de Brands, mas não só não terá agido para proteger as modelos, como estas sofreriam consequências por se terem chegado à frente para o denunciar. A modelo Andi Muise afirmou mesmo que a Victoria’s Secret nunca lhe voltara a dar trabalho após se ter recusado a satisfazer os pedidos de Razek. "O que mais me alarmava era o quão enraizado era este comportamento", declarou uma antiga relações-públicas da empresa, de acordo com o ‘New York Times.’
Em adição, ao longo dos anos, modelos referiram as brutais dietas a que foram sujeitas para que se pudessem enquadrar nos ‘standards’ que a Victoria’s Secret impunha a quem trabalhasse para a empresa. Adriana Lima disse, segundo a ‘Vox’, ter perdido cerca de 23 quilos de peso relativo ao período pós-parto, bebendo apenas batidos de proteínas, fazendo exercício duas vezes por dia, e cumprindo um jejum de 12 horas antes do espetáculo. Estas exigências levaram a que algumas modelos, como Erin Heatherton, tenham desistido de trabalhar para a Victoria’s Secret.
"O QUE AS MULHERES QUEREM" OU COMO A MARCA SE TENTOU RECONSTRUIR
Efetivamente, a representação não era uma das imagens de marca da empresa, algo que conduziu a que esta angariasse uma fama "menos positiva" à medida que se aproximaram os tempos mais recentes, caracterizados por uma maior orientação para a positividade corporal, entre outros conceitos que demarcavam uma abertura mais vincada à variedade de corpos femininos, posição que apenas começou a adotar em 2021. Não era sequer apenas um leque mais significativo de dimensões corporais que escasseava na Victoria’s Secret: somente em 2009, a primeira modelo asiática, Liu Wen, foi integrada no ‘elenco’ da marca.
Não obstante as opiniões de que estas eram apenas de manobras de marketing, as ações parecem ter tido um resultado apelativo para a empresa, em termos financeiros. O sucesso das décadas de 1990 e 2000 começou a desaparecer gradualmente, à medida que saía a público a pletora de escândalos que envolviam o nome da empresa.
Todavia, mais recentemente a estratégia mais inclusiva e mais em linha com os tempos modernos conseguiu contrariar a tendência decrescente, algo que se refletiu não só nas modelos, mas também na própria direção: se em 2019, nove dos onze administradores da Victoria’s Secret eram homens, dois anos depois já seis eram mulheres.
Aliás, ninguém melhor que Martin Waters, CEO da Victoria’s Secret desde fevereiro de 2021, para traduzir em palavras esta nova postura: "Passámos de mostrar aquilo que os homens queriam, para aquilo que as mulheres queriam", realçou, segundo a ‘Business Insider.’
Contudo, com estas novas revelações, não seria de admirar que esta tentativa por parte da marca de se reinventar possa sofrer um contundente revés, com as novas polémicas que ficarão associadas à imagem da 'Victoria's Secret.'