
O sismo que devastou Marrocos há uma semana, causando a morte de quase três mil pessoas e ainda mais de cinco mil feridos, colocou uma lupa na vida do chefe de Estado e rei do país, Mohammed VI.
O monarca de 60 anos estava a passar mais uma temporada em Paris e demorou quase um dia para regressar ao seu país e fazer uma declaração pública através de um comunicado. Entre o poderoso abalo, de magnitude 6,8, e a sua primeira visita a um hospital passaram-se quatro dias. Mohammed VI aproveitou a visita para doar sangue, mas o seu silêncio e a resposta do governo ao terramoto foram criticados, sobretudo na imprensa estrangeira.
Após o terramoto, o economista marroquino Fouad Abdelmoumni disse ao 'New York Times' que "a ajuda chegou extremamente tarde" à população. O poder está concentrado nas mãos do rei, o que faz com que autoridades tenham de esperar pelas ordens do palácio numa situação de crise. "A esmagadora maioria das vítimas não comeu nada, e algumas pessoas não tinham bebidas, durante 48 horas ou mais, inclusive em áreas acessíveis por estradas que ainda estão em boas condições", explicou. "É evidente que esperar que o rei dê instruções do alto" teve a ver com isso, criticou.
As críticas à volta do rei sobem de tom quando se trata das amizades perigosas com figuras com antecedentes criminais, da vida luxuosa em Paris, do seu verdadeiro estado de saúde e do casamento que era tão aberto e rapidamente passou a envolver um mistério.
OS AMIGOS COM PASSADO CRIMINOSO
Figuras próximas do governo marroquino descrevem o rei como cada vez mais difícil de alcançar e cada vez mais próximo de um jovem lutador marroquino de MMA, nascido na Alemanha, Abubakr Abu Azaitar, conta o 'New York Times'.
"Parece que toda a comitiva do rei está muito, muito insatisfeita com o tempo que ele passa com os [irmãos] Azaitars, com a autoridade que o rei dá a eles, com o comportamento deles na sociedade e com a imagem que isto cria à volta do rei e do Estado", comentou Fouad Abdelmoumni.
Otman, Abu Bakr e Omar Azaitar mostram nas redes sociais a proximidade com o rei marroquino, que muitas vezes os convidam para viagens, sendo o mais próximo Abu Bakr. "O rei gosta muito dos Azaitars e todos os outros estão infelizes", afirmou ainda aquele economista.
Os irmãos, que são conhecidos nos maiores círculos de Artes Marciais Mistas, também são amigos de outras figuras de elite, como Cristiano Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. O trio entrou na vida do rei marroquino em 2018, quando o monarca ofereceu uma cerimónia no Palácio Real de Rabat para celebrar os feitos no desporto. A homenagem chamou atenção porque no início dos anos 2000, Abu e Omar eram famosos em Colónia pelos crimes violentos, e criavam problemas nas acusações por serem gémeos difíceis de distinguir.
Os irmãos foram acusados de atacar brutalmente um homem, encharcá-lo com gasolina e roubar o Ferrari. Abu foi condenado em junho de 2004 a dois anos e três meses de prisão. Omar recebeu 20 meses de liberdade condicional, descreveu o jornal 'Frankfurter Rundschau' na época.
Depois de cumprirem as penas, Abu e Omar voltaram a ter problemas com a justiça, tendo sido acusados de participar numa briga em que espancaram violentamente um homem até lhe partirem o nariz. Abu Azaitar também foi acusado de agredir a namorada num mercado de Natal até que o tímpano da mulher rebentasse, tal como já tinha sido acusado pelo ex-namorado dessa mulher.
Agora, alguns consideram que Abu Azaitar está a criar uma barreira entre o rei e os seus conselheiros. ´
EXTRAVAGÂNCIAS NA EUROPA
A vida de luxo do rei marroquino em França também provoca alguns ruídos no seu país. Mohammed VI é o homem mais rico do Marrocos por causa dos vários negócios privados, a controlar bancos, companhias de seguros, energia e telecomunicações. A 'Forbes' calcula que a fortuna do rei ronde os 5,7 mil milhões de euros, o que o torna também num dos homens mais ricos do continente africano.
E Mohammed prefere gozar os luxos da sua fortuna em França, onde se divide entre a mansão em Paris, a cerca de 700 metros da Torre Eiffel, e um castelo na comuna de Betz, a 72 quilómetros de Paris.
A mansão em Paris, do lado esquerdo [rive gauche] do Sena, foi construída em 1912, tem dez quartos, uma piscina, um salão de jogos, spa, salão de cabeleireiro, uma sala de conferências, um jardim de 3.300 m² e um vasto terraço com vista da capital francesa, descreve o 'The Times'.
O rei comprou a mansão em 2020 ao príncipe Khalid bin Sultan Al Saud, membro da família real saudita e ex-vice-ministro da Defesa. O preço da propriedade nunca foi divulgado, mas especialistas acreditam que a mansão estivesse avaliada na altura por 80 milhões de euros.
O castelo de Betz foi comprado pelo seu pai, em 1972, e trata-se de uma propriedade do século XVIII, reconstruida antes da Primeira Guerra Mundial. Os vizinhos do rei naquela mansão de campo garantem que Mohammed VI visita a propriedade várias vezes ao ano.
O monarca marroquino tem também uma paixão por carros de luxo, e pode ser proprietário de centenas de modelos, incluindo Rolls Royces, Bentleys, Cadillacs e Ferraris. Para as viagens de avião conta com dois Boeing, um 737 e 747, assim como dois jatos Gulfstream, os modelos G550 e G650.
Mohammed VI também é fã de relógios extravagantes. O rei é proprietário de um relógio Patek Philippe de 1,2 milhões de euros, que é ornamentado com 1.075 diamantes. Em 2020, um tribunal marroquino revelou que condenou uma ex-funcionária do palácio real a 15 anos de prisão por ter roubado 36 relógios. A antiga funcionária terá trabalhado com uma equipa de 14 pessoas para derreter os relógios, retirar o ouro e as pedras preciosas.
A DÚVIDA SOBRE A DOENÇA
A imprensa europeia e alguns jornais do norte de África são unânimes nos últimos anos sobre os problemas de saúde que o rei marroquino tem enfrentado desde 2018. Só não se sabe qual é o atual estado de saúde de Mohammed VI.
O rei já passou por duas operações ao coração, diz o 'The Maghreb Times'. A primeira em Paris, há cinco anos, e a segunda em Marrocos. O palácio continua a manter silêncio sobre a saúde do chefe de Estado, mas também se acredita que Mohammed esteja a enfrentar sarcoidose, uma doença inflamatória caracterizada pela formação de aglomerados de células inflamatórias em várias partes do corpo. No caso do rei, a doença estaria a afetar os pulmões e o coração.
Por causa do estado de saúde, Mohammed VI terá passado 200 dias em 2022 entre França, o Gabão e as Seicheles.
A SEPARAÇÃO MISTERIOSA
Foi também por causa do estado de saúde de Mohammed VI que surgiram alertas sobre o seu casamento. Quando foi operado em Paris, o palácio revelou uma rara foto do rei a recuperar na cama de hospital. Ao seu lado estavam os dois filhos, Moulay Hassan, o príncipe herdeiro de 20 anos, e a princesa Lalla Khadija, de 16 anos. Também posavam na foto as suas três irmãs, Lalla Meryem, Lalla Asma e Lalla Hasna, o irmão Moulay Rachid, mas nem sinal da mulher, Lalla Salma.
A revista 'Hola' revelou depois disto que o casal estava divorciado, com fontes próximas do palácio, uma informação que nunca foi confirmada, mas a princesa Lalla Salma desapareceu dos olhares do público.
Quando anunciou o noivado com Lalla Salma, então Salma Bennani, Mohammed VI tinha 39 anos, tinha subido ao trono há três anos e queria transformar a monarquia marroquina. Salma é de origens modestas, "muito culta", assim foi apresentada em Marrocos, com uma licenciatura em Engenharia Informática.
No dia do casamento real, em 2002, o rei quebrou pela primeira vez a tradição ao apresentar a sua mulher ao povo marroquino, dando também o título de princesa consorte, algo inédito naquele país conservador. Este casamento permite ao rei estabelecer novas regras,"em particular no que diz respeito ao lugar da mulher na sociedade marroquina", dizia a 'Point de Vue'.
Mohammed não ficou por aí. Dois anos depois do casamento, o rei modificou a lei da família, dando igualdade aos pais e às mães, e fez avanços nas leis de igualdade de género, dando às mulheres o direito de pedir o divórcio e às primeiras mulheres o direito de recusar que o marido possa casar-se com uma segunda mulher - embora a poligamia continue a ser legal. O divórcio também passou a ser um processo legal, impedindo que os homens possam terminar o casamento por meio de uma simples carta. A homossexualidade e o sexo fora do casamento continuam a ser ilegais.
Os seus avanços e tentativas de transformar Marrocos numa sociedade moderna entram em choque, no entanto, com a mão de ferro e controle da opinião pública.
Agora, o desaparecimento da princesa Lalla Salma levanta dúvidas sobre o que terá acontecido. Desde outubro de 2017 que a princesa não é vista em público - data em que esteve num evento no museu Yves Saint Laurent em Marraquexe. Com o rei Mohammed VI, Salma tinha sido vista em abril de 2017, quando o casal levou os filhos de férias a Cuba e Miami.
No site oficial do palácio, são as irmãs do rei Mohammed VI que aparecem nos eventos públicos, quase em função de primeiras-damas, como era Salma há alguns anos.