
Era uma vez um miúdo. Chamava-se Lourenço, com os apelidos Osório de Aragão Ortigão Pinto. Boas famílias, portanto, como dizem os antigos. Tinha 19 anos e, fascinado com o sucesso retumbante de ‘Morangos Com Açúcar’, na então TVI de José Eduardo Moniz, quis ser ator. Experimentar o mundo do faz-de-conta. Fez os ‘castings’ e a estação e produtora viram-lhe luz, talento. Como tinha visto anteriormente em João Catarré, Cláudia Vieira, Pedro Teixeira ou Diana Chaves. Deram-lhe, de forma natural, o papel de Rui, protagonista da 7ª temporada da novela juvenil, ao lado de Sara Matos.
A partir daí, Lourenço, um rapagão de 1,78 m, de olhos verdes/azuis, com uns dentes perfeitos – a minha Leonor, de 11 anos, é apaixonada por ele e por Kelly Bailey, a sua namorada desde 2017 –, não mais parou. A legião de fãs, ainda sem estas loucuras de hoje das redes sociais, dos ‘likes’, ‘selfies’ e afins, crescia a um ritmo avassalador, e empurrava-o assim para o patamar das estrelas da televisão portuguesa. Acabava de gravar uma novela e logo a TVI lhe dava outra. Exemplos? ‘Remédio Santo’, ‘Belmonte’, ‘A Única Mulher’, ‘A Herdeira’ e ‘Prisioneira’.
Em 2014, até participou num concurso de famosos, ‘Dança Com as Estrelas’. Participou, brilhou e ganhou, sem espinhas, encantando tudo e todos com os seus dotes de dançarino e os seus abdominais perfeitos – bem explorados, aliás, pela estação de Queluz de Baixo.
PROMESSAS E CONTRATO DE 10 MIL POR MÊS
Entretanto, com a TVI sem rumo, perdida a liderança das audiências para a SIC, sucedem-se os diretores. Felipa Garnel, que durou pouco em Queluz de Baixo, vê em Lourenço capacidade para abraçar outros desafios – agora também na área do entretenimento – e promete-lhe a apresentação de um reality show: ‘Undercover Boss’ [‘Patrão Disfarçado’, em português]. O ator queria muito experimentar este mundo, sentia-se peça importante na estação e estava obviamente feliz. Já com Nuno Santos como diretor de Programas no lugar do antigo rosto da revista ‘Lux’, a estratégia mantém-se. Nada muda. E Lourenço renova contrato, a troco de 10 mil euros limpos por mês.
Mas o regresso de Cristina Ferreira à TVI, em 20 de julho de 2020, acabou com este casamento feliz. Pedro Teixeira, Ruben Rua, Cláudio Ramos, Ben, João Montez e Santiago Lagoá são as apostas da nova responsável pelo entretenimento e ficção. Educado, de boas famílias, como escrevi no início, Lourenço não mandou recados por ninguém. Não deu entrevistas a dizer mal, fosse do que fosse. Que as promessas tinham sido rasgadas. Porém, os sinais de desilusão, de desgaste na relação, eram evidentes.
Embaixador de várias marcas, já empresário na área da restauração, o ator optou por deixar de ser acionista da Media Capital, proprietário da estação. Estávamos em março deste ano. "Decidi vender a minha participação [1%] e ficar como ator, sujeito às ordens que me derem enquanto tiver contrato com a TVI. Virei os meus investimentos para outras opções da minha vida com menos exposição", justificou.
A CARTA E O DESMENTIDO DESPERADO
Em 20 de maio, a ‘TV Guia’ revelou, em primeira mão, que Lourenço tinha enviado uma carta à TVI, a dar conta de que não iria continuar na estação. Os alarmes dispararam em Queluz de Baixo. Incrível! Tanta gente importante ali, tanta gente a mandar ali, e poucos se aperceberam da desilusão e revolta de uma das suas estrelas. É verdade que não estamos a falar de um ator com as armas de um Ruy de Carvalho, de um Vítor Norte. Mas Lourenço também não é um José Carlos Pereira. Nesse dia, o que fez a Comunicação da Media Capital? Tentou desmentir, num ato fácil e de desespero: "A Cristina Ferreira olha para o Lourenço Ortigão como um rosto da estação e já tem projetos para ele, que estão a ser trabalhados. A TVI conta com o Lourenço Ortigão." A estratégia – ou a falta dela – continua a ser flagrante. Quem tem projetos? Cristina ou a TVI?
Mário Ferreira entrou em campo. O novo patrão da TVI ligou a Lourenço, várias vezes. Encontraram-se, conversaram. Mas já era tarde. O ciclo tinha chegado ao fim. No início de julho, o ator, descendente do escritor Ramalho Ortigão, confirmava a notícia da ‘TV Guia’ e dava a machadada em Cristina Ferreira, sem nunca se referir à diretora. "Entrei na estação com 19 anos, faço 32 daqui a pouco tempo, por decisão própria e depois de muita ponderação, termino esta ligação com a sensação de dever cumprido, de ter sido sempre profissional, bom colega, cumpridor e sempre disponível para dar o meu contributo, com toda a minha melhor energia."
MUDAR DE VIDA AOS 32 ANOS
No domingo, 8 de agosto, o site ‘FLASH!’ avançou em exclusivo que Lourenço tinha assinado contrato com a SIC e que seria apresentado no dia seguinte, segunda-feira, data em que comemorava 32 anos. Assim foi. "A SIC tem tudo para me fazer crescer, aprender mais, ser desafiado para novos formatos e poder sair da minha zona de conforto. É isso que pretendo", disse o ator, ao lado de Daniel Oliveira, o seu novo diretor, fugindo novamente à má relação com Cristina Ferreira: "Gosto de falar sobre o presente e o futuro. O que está para trás, está para trás. Estou de consciência absolutamente tranquila."
9 de agosto – e lembro-me de Sérgio Godinho – foi o primeiro dia do resto da sua vida.
Na SIC, Lourenço já tem muita coisa em mãos: a 3ª temporada da série ‘O Clube’, na plataforma de streaming OPTO, a condução de uma emissão de ‘Estamos em Casa’, uma participação especial na 25ª gala dos Globos de Ouro e em vários programas do day time, uma novela onde será protagonista e a apresentação de um formato de entretenimento, estes dois projetos em 2022.
Termino com uma pergunta, caro leitor: se estivesse no lugar de Lourenço, não teria feito a mesma coisa? Posso responder? Sim. Afinal, quem não se sente, não é filho de boa gente.