'
THE MAG - THE WEEKLY MAGAZINE BY FLASH!

"Temos hábitos culturais muito baixos. É uma pobreza". Analisámos o estudo-choque que demonstra que portugueses só se interessam pela televisão e internet

Estudo confirma que portugueses não lêem, não vão a espetáculos nem visitam monumentos ou museus. "Se o dinheiro acaba depois de pagar a renda da casa e a conta do supermercado é evidente que não há teatro para ninguém", explica o sociólogo Nuno Amaral Jerónimo.
Célia Esteves
Célia Esteves
17 de fevereiro de 2022 às 22:00
criança lê na cama
criança lê na cama Foto: getty images

"Quando perguntam a um europeu quantos livros leu nos últimos 12 meses, Portugal está sempre no último lugar, quando perguntam quantas vezes foi ao teatro, Portugal está sempre no último lugar, à ópera também surge em último, inacreditavelmente no que diz respeito ao espetáculos musicais surge em penúltimo", diz à The Mag, Álvaro Covões, diretor da promotora Everything Is New e organizador do NOS Alive, salientando, que há muito, que Portugal tem os hábitos culturais mais baixos da Europa dos 27. "Há aliás estudos da Comissão Europeia que provam isso ao longo dos últimos anos", continua o empresário, para quem o estudo sobre a diversidade das práticas culturais em Portugal, revelado esta semana pela Fundação Calouste Gulbenkian, não traz surpresas. 

Rua EDP, NOS Alive, Álvaro Covões, Ana Sofia Vinhas
Rua EDP, NOS Alive, Álvaro Covões, Ana Sofia Vinhas

O documento encomendado ao Instituto de Ciências Sociais (ICS) revela desequilíbrios educativos, económicos e geográficos e confirma fragilidades das práticas dos públicos da cultura em Portugal. Para este estudo, foram inquiridas duas mil pessoas com idades compreendidas entre os 15 anos e os 94 em Portugal continental e nas ilhas sobre os seus hábitos nos últimos 12 meses anteriores à pandemia.

Também Pedro Sobral, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), não se mostra surpreendido. "Apenas vem confirmar aquilo que já sabíamos: que se lê muito pouco em Portugal e que obviamente que os índices de leitura estão muito alinhados com aquilo que é o fraco crescimento económico e social que o país tem vindo a ter nas últimas décadas", adianta o responsável sobre o estudo que indica, no que diz respeito a hábitos de leituras, que 61% das pessoas inquiridas não leram um livro no último ano, que apenas 31% visitaram monumentos históricos e 28% museus.

"Os índices de leitura o que nos dão é, acima de tudo, a capacidade de uma sociedade considerar um instrumento tão fundamental, e crítico, no crescimento individual e social, que é a leitura, como algo banal. Nas sociedades mais desenvolvidas ler e comprar livros é algo tão banal como beber um copo de água, é um bem essencial, e em Portugal não o é. No nosso país é ainda considerado um bem de luxo e os fatores são variadíssimos", adianta Pedro Sobral salientando sobretudo os fatores económicos.

Pedro Sobral
Pedro Sobral

"O salário médio é dos mais baixos da Europa, o que significa que a maioria dos agregados familiares em Portugal tem restrições orçamentais severas, e por isso muita dificuldade em comprar um livro, já considerando um bem de luxo. Outro tem a ver também com esta incapacidade que a sociedade portuguesa tem de ver na leitura um instrumento crítico no seu próprio desenvolvimento e depois também há condições educacionais, no sentido em que a educação e o sistema educacional português não potencia o interesse, nem o gosto pela leitura e pelo acesso ao livro", refere o presidente da APEL apontando ainda uma outra reflexão presente neste estudo: "O tipo de rendimento que cada família tem é proporcional ao número de livros que compra, isto é, quanto mais altos rendimentos mais compram livros, quanto menos rendimentos menos compram, e também uma coisa que é assustadora é o número de lares em Portugal, e de agregados familiares, que não têm um livro em casa."

"Nas sociedades mais desenvolvidas ler e comprar livros é algo tão banal como beber um copo de água, é um bem essencial, e em Portugal não o é. No nosso país é ainda considerado um bem de luxo"

Também para Nuno Amaral Jerónimo, membro da direção da Associação Portuguesa de Sociologia (APS) os rendimentos são fundamentais para a prática cultural. "Se o dinheiro acaba depois de pagar a renda da casa e a conta do supermercado não há teatro para ninguém. É evidente que as pessoas não vão guardar metade do rendimento para irem ao teatro", justifica. 

SÓ 10% NÃO VÊEM TELEVISÃO TODOS OS DIAS 

"Alguns destes resultados são sinais dos velhos tempos. Refletem ainda aquilo que era a fraca escolarização da sociedade portuguesa nos últimos cem anos, e uma reversão que só começou a ser feita depois do 25 de abril e que, mesmo assim, demorou bastante tempo. Mantivemos as taxas de analfabetismo mais altas da Europa, de iliteracia do resto da Europa e taxas de fidelização do ensino secundário, que agora se estão a aproximar, mas durante muito tempo estiveram abaixo do resto da Europa e a taxa de licenciados no ensino superior também continua a ser mais baixa da Europa", explica Nuno Amaral Jerónimo, também presidente do Departamento de Sociologia da Universidade da Beira Interior (UBI). Para o ainda investigador no LabCom - Comunicação e Artes há ainda outros problemas.

"Portugal era historicamente, mesmo já depois da democracia, um dos países com mais baixos níveis de leituras de jornais, por exemplo. E isso até se explica de uma forma histórica, mas muito simples: a sociedade portuguesa como tinha altas taxas de analfabetismo quando a rádio chegou e depois com a televisão, as pessoas habituaram-se a receber as informações pelos meios audiovisuais.", aponta Nuno Amaral Jerónimo para justificar os 90% que dizem ver televisão todos os dias e os 40% que ouve rádio ou os 41% que ligam a internet. 

Nuno Amaral Jerónimo
Nuno Amaral Jerónimo

"E uma das coisas que se nota bem neste estudo, é como as diferenças de escolarização influenciam nos hábitos dos pais e dos filhos. Nota-se muito bem que as práticas culturais, estão dependentes não só da própria escolarização, como da escolarização dos pais. À medida que a escolarização dos pais vai baixando menos os levam a livrarias, a museus", adianta o sociólogo referindo-se aos números que, referindo-se à infância e adolescência dos inquiridos, revelam que 71% diz que os pais ou outro familiar nunca os levaram a uma livraria, 75% nunca os levaram a uma feira do livro e 77% a uma biblioteca, ou ainda 47% reconhece que nunca lhe ofereceram um livro e 54% não tiveram o prazer de lhes lerem um livro de histórias. 

"À medida que a escolarização dos pais vai baixando menos os levam a livrarias, a museus"

ENTRE OS 15 E OS 34 ANOS TODOS USAM INTERNET 

O estudo revela que 71% usam internet e que o telemóvel surge como dispositivo preferencial de acesso à internet. Diz ainda que tal como nos livros, quem tem menos estudos e menos poder económico é quem usa menos a internet. No entanto, na faixa dos 15 anos aos 34 a totalidade dos inquiridos diz usar a rede. De referir ainda que, por lazer, são os homens que mais a usam.

Os números também revelam uma ligação direta entre poder económico e menos capital cultural e aí apenas 2% diz que foi à ópera, 7% ao circo, 13% ao teatro, 24% concertos de música ao vivo, sendo o cinema que regista maior afluência com 41% dos inquiridos a dizer que foram pelo menos uma vez.

"Na realidade temos hábitos culturais muito baixos e não os cultivamos, e não é por mero acaso que os telejornais não têm notícias de cultura. É uma pobreza. Vemos uma hora e meia de um telejornal, seja em que canal for, e se for preciso não tem uma notícia de cultura, mas de futebol têm sempre", alerta Álvaro Covões, salientando: "Temos de trazer as pessoas para as salas de espetáculos, temos de convencer as pessoas a ler mais livros, mais jornais, a irem ao cinema, ao teatro, é preciso levar os portugueses aos museus e aos monumentos, porque a maioria é estrangeira e nisso as escolas ainda têm um papel importante."

"Vemos uma hora e meia de um telejornal, seja em que canal for, e se for preciso não tem uma notícia de cultura, mas de futebol têm sempre"

Uma afirmação que vai ao encontro do sociólogo Nuno Amaral Jerónimo. "A exposição das novas gerações a práticas e atividades culturais mostra que a escola tem ainda uma grande importância nisso seja numa ida ao teatro, seja nas visitas a museus. A escola influencia as práticas culturais e é provável que numa próxima geração os jovens que não tinham essas práticas culturais na família, por causa da escola, as venham a reproduzir em casa, é provável", conclui o sociólogo, esperançoso em melhores indicadores no futuro.

 

você vai gostar de...


Subscrever Subscreva a newsletter e receba diariamente todas as noticias de forma confortável