
A vista aérea mostra um cenário hollywoodesco: só na fachada, entre portadas e janelas, há mais de 20 formas diferentes de olhar para o mar, que se estende diante do palacete rosa que, ao longo de quase um século, passou de geração em geração até chegar às mãos de Ricardo Salgado e da mulher, Maria João. Na primeira linha do mar, em plena Boca do Inferno, Cascais, a moradia, que ocupa todo um quarteirão, era vista como o quartel-general dos Espírito Santo, símbolo máximo daquilo que haviam conquistado, palco tanto das reuniões de Natal como das festas mais exclusivas, protegidas pelas exóticas palmeiras e sebes, milimetricamente aparadas, erguidas para vedar aquilo que acontecia dentro do interior da mansão do clã. No fundo, era mais do que isso, era um verdadeiro espetáculo do imobiliário, que se estendia ao longo de oito mil metros quadrados, com piscina, capela, e uma casa com quatro pisos e 45 divisões (sim, se mora num T2 significa que a moradia dos Salgado tem, na prática, 15 vezes mais divisões do que a sua).
Perdê-la é como um tiro certeiro no porta-aviões, a última faca a espetar-se fundo no coração da família, que, desde o escândalo de corrupção em torno do BES, tem visto o seu espólio a ser delapidado e, um por um, ruir aqueles que eram considerados os símbolos máximos do luxo, status e estilo de vida milionário (primeiro a Comporta, agora Cascais). De acordo com o Correio da Manhã, o mítico palacete cor-de-rosa foi vendido a uma empresa americana por 14 milhões de euros. O negócio, concretizado em 2023, só agora foi tornado público, e reflete como, na prática, a vida pode mudar tanto em tão pouco tempo.
Se antes de 2016, alguém dissesse aos Espírito Santo que iriam perder a Herdade da Comporta, a mansão de Cascais, os amigos milionários, os 'mil' empregados, parte da sua frota automóvel, joias, quadros valiosos e tantos outros bens, que já lhe foram confiscados, eles provavelmente teriam rido com desdém, enquanto organizavam mais uma soirée ou iam até à capela expiar os seus pecados.
Esta era, na verdade, uma das particularidades da casa, mandada erguer nos anos 20, em que a família quis ter o seu próprio espaço para orações. Além desta área de culto, que casou muito boa gente da família, a ampla piscina, enchida com água do mar, assistiu aos primeiros mergulhos de um pequeno Ricardo Salgado, nascido em berço de ouro, no seio de uma família, que lhe atapetou o mundo para que pudesse, mais tarde, construir o seu império.
A casa passou primeiro das mãos do avô de Ricardo Salgado para a filha deste, Maria da Conceição Cohen do Espírito Santo Silva, até a chave lhe vir, finalmente, parar às mãos. De lá para cá, sofreu várias obras de remodelação, mas a estrutura base manteve-se. A decoração da mansão permanece um mistério guardado apenas por aqueles que já a visitaram, mas os mais curiosos ficaram a saber, quando esta foi posta à venda, alguns pormenores que aguçam a curiosidade. Sabe-se agora que os quatro pisos começam numa cave, que tem uma valiosa garrafeira, casa das caldeiras e uma casa-forte. E que, subindo, chegamos ao piso térreo, onde um bengaleiro acolhe os pertences dos convidados que, percorrendo o hall, vão ter a uma imponente sala de jantar, que liga diretamente ao alpendre. Há ainda neste piso mais algumas divisões, entre cozinha, despensa, outros quartos e casa de banho.
No primeiro piso, há mais seis quartos, um closet, três casas de banho, uma arrecadação e ainda uma zona de serviço. Este era considerada a divisão premium da casa, que acolhia a família, por excelência.
Para o sótão estava reservada uma zona dedicada aos funcionários e staff permanente da casa, contendo mais cinco quartos, uma casa de bnaho, duas áreas de costura e engomadoria.
Era uma casa com história, que acolheu muitos dos casamentos da família Espírito Santo e, na década de 40, serviu de refúgio aos duques de Windsor, em plena II Guerra Mundial. Abrir mão desta história, significa para os Espírito Santo, o fim de um império e, ainda que continuem a viver num estilo de vida muito acima da média, patrocinado pela filha Catarina, casada com um milionário europeu, na prática já nada é como dantes.
MARIA JOÃO ASSUME OS VENTOS DE MUDANÇA
No caso EDP, em que o ex-ministro da economia Manuel Pinho foi condenado a 10 anos de prisão efetiva e Ricardo Salgado a seis anos e três meses de prisão pelos crimes de corrupção e branqueamento, é fácil perceber como a vida dos Espírito Santo mudou. Aos 80 anos, Ricardo Salgado não foi ouvido, por força da atestada doença de Alzheimer, mas a mulher, Maria João, deu o seu testemunho no âmbito do processo. E o mundo que descreveu não poderia ser mais distante daquele em que se moviam de forma distinta, entre os convidados que recebiam no palacete rosa, e que se vergavam, então, ao seu poder.
Aos 80 anos, Ricardo Salgado não foi ouvido, por força da atestada doença de Alzheimer, mas a mulher, Maria João, deu o seu testemunho no âmbito do processo. E o mundo que descreveu não poderia ser mais distante daquele em que se moviam de forma distinta, entre os convidados que recebiam no palacete rosa, e que se vergavam, então, ao seu poder.
Em tribunal, Maria João admitiu que essa realidade é coisa do passado. Garante que mantêm uma vida social assente num circuito mais fechado e que muitas amizades foram perdidas ao longo do processo. Mas de tudo aquilo que mudou na sua vida, o mais difícil, garante, é não reconhecer o marido na pessoa com quem priva diariamente. Diz que Ricardo Salgado se perde na casa que antes conhecia de olhos fechados, que tem de ser ela a escolher a roupa, sob prejuízo de que nada na indumentária faça sentido, e que que o marido é agora um "bebé grande", que precisa da sua ajuda para ir à casa de banho ou para as tarefas mais básicas do dia a dia.
Em tribunal, Maria João admitiu que essa realidade é coisa do passado. Garante que mantêm uma vida social assente num circuito mais fechado e que muitas amizades foram perdidas ao longo do processo. Mas de tudo aquilo que mudou na sua vida, o mais difícil, garante, é não reconhecer o marido na pessoa com quem priva diariamente.
Diz que Ricardo Salgado se perde na casa que antes conhecia de olhos fechados, que tem de ser ela a escolher a roupa, sob prejuízo de que nada na indumentária faça sentido, e que que o marido é agora um "bebé grande", que precisa da sua ajuda para ir à casa de banho ou para as tarefas mais básicas do dia a dia.
No meio deste cenário desolador, apenas Catarina, um dos três filhos de Ricardo Salgado, casada com o milionário europeu Philippe Amon, se esforça por criar um filtro cor-de-rosa para esbater esta realidade. Ao garantir aos pais uma mesada de 40 mil euros, assegura que o jardim da sua casa não se transforme num pântano, que possam continuar a circular nos melhores carros e que tenham um cheirinho das férias milionárias que antes faziam pelo mundo e agora são sempre, todos os anos, no mesmo local: o castelo, residência da família Amon, na Suíça.
No meio deste cenário desolador, apenas Catarina, um dos três filhos de Ricardo Salgado, casada com o milionário europeu Philippe Amon, se esforça por criar um filtro cor-de-rosa para esbater esta realidade. Ao garantir aos pais uma mesada de 40 mil euros, assegura que o jardim da sua casa não se transforme num pântano, que possam continuar a circular nos melhores carros e que tenham um cheirinho das férias milionárias que antes faziam pelo mundo e agora são sempre, todos os anos, no mesmo local: o castelo, residência da família Amon, na Suíça.
Ricardo Salgado, que por força do Alzheimer viverá agora no seu mundinho à parte, poderá não se aperceber totalmente dos ventos de mudança, mas para Maria João é inegável que nenhuma pedra se mantém no mesmo sítio e que para os últimos anos estava, sem dúvida, guardado o pior.
Ricardo Salgado, que por força do Alzheimer viverá agora no seu mundinho à parte, poderá não se aperceber totalmente dos ventos de mudança, mas para Maria João é inegável que nenhuma pedra se mantém no mesmo sítio e que para os últimos anos estava, sem dúvida, guardado o pior.