
Em Portugal, há muito que Daniela Martins deixou de ter nome próprio e passou a ser "a mãe das gémeas" que popularizou a expressão brasileira "usar o pistolão", que no nosso país poderíamos basicamente equiparar à velha máxima 'meter a cunha'. Nas últimas semanas, foram feitas buscas na casa da luso-brasileira, em Oeiras, e Daniela deu o seu testemunho emocionado na Comissão de Inquérito, que tenta averiguar se houve ou não ilegalidade na forma como as pequenas Lorena e Maité tiveram, há cinco anos, acesso ao Zolgensma, o medicamento mais caro do mundo, para tratar a doença rara e degenerativa que sofrem desde a nascença.
Mas mais do que o cunho político, que recai sobre os ombros de Marcelo Rebelo de Sousa, ao longo das últimas semanas, muitos portugueses 'calçaram os sapatos' daquela mãe e sustiveram a respiração perante o duro relato de quem passou os últimos anos a lutar para dar alguma normalidade à vida de duas crianças, que crescem com grandes limitações. E muitas das vezes sozinha. Perante a tempestade, foi a mãe das crianças que deu a cara perante os portugueses, enquanto Samir Assad Filho, o pai, tem passado mais despercebido no processo.
No meio do caos e das limitações que cuidar de duas filhas totalmente dependentes obriga, o casamento entre Daniela e Samir não resistiu. Há cerca de um ano, no Instagram que criou para dar nota do desenvolvimento das meninas, atualmente com cinco anos, a luso-brasileira dava precisamente das mudanças que se tinham operado na sua vida. A empresária assume que a condição das filhas a obrigou a deixar de trabalhar e a dedicar-se a tempo inteiro às filhas, ainda que não se arrependa de tudo o que faz para que as crianças consigam ultrapassar diariamente os desafios de quem sofre de Atrofia Medular Espinhal - uma doença rara, degenerativa, que interfere na capacidade do corpo em produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurónios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais do corpo, como respirar, engolir ou os movimentos mas básicos."Passei por uma pandemia recém chegada a um novo país sem rede de apoio com duas crianças de um ano com uma doença grave. Tive que parar de trabalhar na empresa a qual era sócia e aprender muito de cuidados médicos, reabilitação, medicamentos, nutrição… Passei por um divórcio, voltei ao Brasil por seis meses e agora 'renovei' por pelo menos mais seis meses. Vários trâmites burocráticos para ter todos os direitos assegurados em ambos países. Várias adaptações físicas para as meninas não sofrerem com a deficiência de lugares e pessoas", explicou Daniela que desde o diagnóstico das filhas dedica todo o seu tempo às crianças.
As meninas são acompanhadas por vários profissionais de saúde - perto de 30, que asseguram cerca de 40 sessões de terapia diversas para as crianças por semana - já passaram por mais de dez cirurgias e o seu sistema imunitário frágil faz com que os estímulos a que são sujeitas tenham de ser bem doseados para evitar o contacto com vírus e bactérias a que são mais vulneráveis. É uma vida com o coração nas mãos, mas nas redes sociais, Daniela mostra que tem conseguido encontrar um equilíbrio proporcionando às filhas momentos que as vão expondo a novos estímulos, ainda que os internamentos não sejam evitáveis. "A culpa está sempre presente", dava conta, no ano passado Daniela, no Instagram, para explicar que não era fácil evitar que as filhas vivessem numa redoma de vidro, depois de um comum vírus respiratório ter debilitado uma das gémeas a tal ponto que fez com que passasse mais de 15 dias hospitalizada.
A ESPERANÇA DE DANIELA
Quando Daniela Martins engravidou, estava longe de imaginar o calvário em que a sua vida se iria tornar. A gravidez a dobrar alimentava as maiores esperanças de uma casa cheia de sorrisos e memórias felizes e tudo parecia perfeito até aos primeiros seis meses de vida de Lorena e Maité, que se desenvolviam normalmente. Mas quando, por volta dos sete meses, as bebés, ainda não se conseguiam sentar, e não mostravam grande controle sobre os movimentos do tronco, os pais decidiram procurar ajuda médica e foi então que o pesadelo começou.
Aos nove meses, receberam o diagnóstico oficial e começaram a busca incessante pelos melhores tratamentos até terem visto no medicamento inovador uma luz de esperança. Criavam, então, uma conta no Instagram - ameemdobro - para angariar dinheiro que permitisse a compra do medicamento, mas nunca chegaram nem perto do valor. Nessa altura, Daniela já se tinha desvinculado da empresa onde trabalhava, e da qual era sócia - um negócio de venda de cosméticos e produtos eróticos, com sede em Mortágua - para apoiar as filhas a tempo inteiro, pois os cuidados que estas exigiam não eram compatíveis com uma vida profissional. "O desenvolvimento delas foi normal até aos seis meses. Começámos a reparar que elas eram mais molinhas, mas podia ser pelo facto de terem nascido um pouco antes do tempo. Mas depois começámos a perceber que aos sete meses elas não se sentavam. Então fomos encaminhados para uma neuro e começámos a fazer vários exames", contou Daniela à televisão brasileira, onde divulgou amplamente o caso.
Por essa altura, Daniela, que tem nacionalidade portuguesa - a terra dos seus avós - começou a perceber qual seria a viabilidade de as filhas receberem o tratamento inovador em Portugal e desdobrou-se em contactos, numa desesperada esperança de uma nova vida para as suas gémeas.
Só que os contactos iniciais não correram como o esperado e Daniela viu os médicos do primeiro hospital, o D. Estefânia, negarem o tratamento às meninas, depois de considerarem não estarem reunidas as condições para o que o mesmo fosse bem sucedido.
Não satisfeita com a resposta, Daniela, acabaria por revelar na televisão brasileira que usou todas as suas influências para reverter a situação. "Chorei nos corredores do hospital", disse, assumindo ter posto em marcha os seus contactos. "Usei o pistolão", afirmou, na célebre frase que acabaria por desencadear o mega-processo de investigação em que a empresária brasileira é acusada de ter recorrido à mulher do filho de Marcelo, Juliana Drummond, para que pedir interferência no caso. Daniela e o marido mudaram-se, então para Portugal, tendo conseguido que fosse administrado o medicamento às gémeas. Nos corredores do Hospital de Santa Maria, onde as meninas foram tratadas, o estilo de vida da família, que chegou ao país acompanhado por empregadas, não passava despercebido.
Daniela e o marido mudaram-se, então para Portugal, tendo conseguido que fosse administrado o medicamento às gémeas. Nos corredores do Hospital de Santa Maria, onde as meninas foram tratadas, o estilo de vida da família, que chegou ao país acompanhado por empregadas, não passava despercebido.
Além do drama das gémeas, o casal passou ainda por outro momento delicado. Quando estavam em Portugal a acompanhar a saúde das meninas, Samir Assad assistiria à distância ao seu julgamento no Brasil devido a uma dívida de 70 milhões de euros ao fisco. O caso envolve crimes contra o fisco brasileiro por omissão de lucros, informação falsa e fraude às finanças, de uma empresa de importação de produtos eletrónicos.
Também o avô de Samir já tinha tido problemas com a justiça brasileira, sendo condenado no âmbito de um caso com origem no megaprocesso Lava Jato.
Entretanto, não é completamente mensurável o impacto que o medicamento teve na vida destas duas crianças. Se é considerável a evolução que as meninas têm feito, não é menos verdade que continuam dependentes de cadeira de rodas e não é certo se os avanços se devem ao Zolgensma ou a todos os esforços desta mãe para que Lorena e Maité tenham acessos aos melhores tratamentos médicos.
"Senti uma diferença nas perninhas, estão bem mais grossas, a fala delas está mais clara, mais fácil de entender", disse Daniela, num dos últimos updates sobre a saúde das filhas, que têm testado a sua resiliência ao limite, mas que não têm dúvidas lhe têm dado o triplo em amor. "Em todos os 365 dias tive o privilégio de estar ao lado desses dois presentes da vida chamados Lorena e Maité, que mesmo diante de tantos desafios diários estão sempre sorrindo (...) Ter uma (ou duas) crianças que tem uma saúde mais frágil é viver uma montanha russa de emoções, precisamos focar no otimismo e esperar tudo se restabelecer. Desafios? Temos e poderia citar vários, mas o drama nunca fez parte da minha personalidade", afiança Daniela que, como mãe e mulher, não deixa de sentir as dores de tudo o que lhe tem acontecido nos últimos tempos.
"Senti uma diferença nas perninhas, estão bem mais grossas, a fala delas está mais clara, mais fácil de entender", disse Daniela, num dos últimos updates sobre a saúde das filhas, que têm testado a sua resiliência ao limite, mas que não têm dúvidas lhe têm dado o triplo em amor.
"Em todos os 365 dias tive o privilégio de estar ao lado desses dois presentes da vida chamados Lorena e Maité, que mesmo diante de tantos desafios diários estão sempre sorrindo (...) Ter uma (ou duas) crianças que tem uma saúde mais frágil é viver uma montanha russa de emoções, precisamos focar no otimismo e esperar tudo se restabelecer. Desafios? Temos e poderia citar vários, mas o drama nunca fez parte da minha personalidade", afiança Daniela que, como mãe e mulher, não deixa de sentir as dores de tudo o que lhe tem acontecido nos últimos tempos.
"2023 foi um ano em que eu percebi que não importa a sua dedicação, os desafios aparecem. E você vai ter de dar com eles. Algumas injustiças de pessoas de má fé envolvendo as minhas meninas me deixaram bem abalada nesses últimos meses, mas continuei mantendo a minha essência e a tempestade vai passando."