Vamos viajar com livros? Três propostas para descobrir novos mundos nestes dias de solstício
Um clássico, uma redescoberta e uma bela surpresa. Aproveite os dias longos e o fim de semana para por a leitura em dia. Trazemos três propostas pouco comuns para escritas de forma magistral e que nos transportam para cenários que fazem parte do nosso imaginário.
"Podemos até ter conhecido pouco da Rússia - mas o que se aprende é a observar e julgar a Europa com um conhecimento consciente do que se passa na Rússia". A frase data de 30 de janeiro de 1927. Faz parte do 'Diário de Moscovo', um dos capítulos de 'Diários de Viagens'do nómada Walter Benjamim, filósofo, intelectual e assumidamente viajante sem domicílio, ávido de conhecer o mundo que serviria de matéria prima para o seu pensamento. Os 'Diários de Viagem', agora publicados pela Assírio & Alvim, num dos volumes da coleção que recupera a obra do autor, valem a pena cada segundo que lhe dedicamos, um século após serem escritos. Itália, Moscovo, Paris, Ibiza... Walter Benjamim descreve locais e vivências, sensações e a criação de um mundo novo que se vivia no início do século, antes que a guerra arrasasse tudo à sua volta. Benjamim, berlinense, conta nestes 'Diários' a História de uma Europa dividida, receosa, por vezes livre, que ajudam, de forma leve, ao melhor estilo de um viajante a conhecer quiotidanos e porquês. Acha o leitor que se vai "enfadar" destas descrições? Nem pense. Irá ler tudo como quem suga História para com ela perceber melhor o presente que vivemos. Glória a Benjamim que escreveu para que a realidade não se perdesse na espuma da memória.
Walter Benjamim 'Diários de Viagem' Assírio & Alvim
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'Diários de Viagens', de Walter Benjamim
2.
Mudamos de cenário. E de tom. Entramos num espaço onde ficção se mistura com realidade e ficamos sem perceber onde começa uma e termina a outra, tantas e de tal forma as obras de Hemingway são biográficas. 'As Verdes Colinas de África', romance (será?) reenditado pela Livros do Brasil, leva-nos a um território familiar ao autor: a caça, que ele tanto amava, neste caso particular na paisagem seca da savana do Serengueti. Ao longo de todo o livro ficamos sem perceber se o que aqui é descrito foi o ou não. Supostamente a história descreve o que se passou num safari onde o autor participou com a mulher. Dois meses pelas planícies do coração de África, plenos de aventuras de fazer parar o coração, com descrições minuciosas de animais e seus hábitos e da atividade defendida por Hemingway como nobre: a caça. "Havia uma pista de caça ao longo do ribeiro e Droopy estava curvado a examiná-la. M'Cola acercou-se também para olhá-la; seguiram-na durante uma pequena distância, pararam para olhá-la mais de perto e regressaram de novo para junto de nós. - Nyatti - disse M'Cola meia-voz - Búfalo." Literatura de viagens, reportagem ou ficção? Caberá ao leitor tirar as suas conclusões - se lhe apetecer ou conseguir. Na certeza de que, com este livro conseguirá uma coisa: sonhar.
Ernest Hemingway 'As Verdes Colinas de África' Livros do Brasil
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'As Verdes Colinas de África', de Ernest Hemingway
3.
Garante na própria capa que é um "romance inspirado na história real", mas na verdade não é romance nenhum. É, isso sim, uma espécie de tese, um relato histórico de um Portugal colonial que estendia braços por África e Brasil e se via e desejava por entender quem nessas paragens vivia. 'Páscoa e seus dois maridos' (titulo sugestivo) é assinado pela historiadora Charlotte de Castelnau L'Estoile. E, resumindo de forma "fria", narra o destino de uma escrava "apanhada" num caso de bigamia e julgada pelo mesmo na preconceituosa capital do Império, no início do séc. XVIII. Entre muitas explicações que nos situam no tempo e nos vão contextualizando na realidade da época, é não só contada a bizarra história da protagonista como (e isso é o mais apelativo) feita a descrição do que era Angola e do que era a Bahia. O triângulo dourado. O livro podia ser mais ágil, é certo, seguindo o exemplo do seu título, mas vale bem a leitura por tudo o que consegue relatar sobre esse tempo, tão pouco detalhado nas compilações de História, de forma "informal", minuciosa e falando sa escravatura sem pudores e sob a forma de costumes. No final, o destino da escrava Páscoa e dos seus "dois maridos" é o que menos conta nesta narrativa que, acredite, vale a pena.
Charlotte de Castelnau L'Estoile 'Páscoa e seus dois maridos' ASA
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'Páscoa e seus dois maridos', de Charlotte de Castelnau L'Estoile