
A concorrência é feroz: há 700 mil brinquedos, tablets, desenhos animados para todos os gostos, bicicletas, trotinetes e todo um mundo de solicitações engraçadas, luminosas, ruidosas que, se nos colocarmos nos olhos de uma criança, percebemos porque é que são tão irresistíveis. Por isso, quando fui mãe, a preocupação era real. Como é que, no meio daquilo tudo, eu ia conseguir que a minha filha (também) gostasse de ler?
Claro que lá por ser uma coisa que eu adoro fazer não quer dizer que fosse obrigatório que ela adorasse também, mas eu queria mesmo conseguir explicar-lhe qual é a magia de ler um livro, de poder cheirar o papel, virar as páginas com entusiasmo, mesmo que já se saiba o que vem na próxima e, acima de tudo, viajar sem sair do lugar. Querem alguma coisa mais democrática que nos permita a todos, independentemente do nosso estrato social, possibilidades atuais e realidade sair de casa para uma viagem única que nos faz, por momentos, esquecer os problemas e o mundo em que vivemos para conhecer coisas novas, abrir portas a outras vidas e sonhar?
Pronto, eu queria que ela sentisse isso. Vai daí que a rapariga nasceu e eu desatei a comprar-lhe livros, primeiro os fofinhos, que se amachucam com as mãos, depois os com janelinhas, para descobrir o que está do outro lado, fora os que ia herdando. E a coisa até correu bem até ela descobrir o Youtube, que hoje em dia acontece aos dois anos, mais coisa menos coisa.
Como não sou fundamentalista, permiti que descobrisse as maravilhas da Peppa Pig, da Bluye muito antes de que soubesse fazer xixi no bacio. E, para horror das mães-livres-de-ecrãs, assumo, foram inúmeras as vezes que a deixei à frente do tablet para conseguir cumprir as minhas próprias tarefas. Mas, confesso, às tantas, a coisa estava a tornar-se frustrante, pois a cada dia sentia que estava a perder a batalha: de cada vez que lhe começava a contar uma história à noite, ela olhava para mim com aquele ar de enfado, do género: 'Mas ainda não acabaste?' ou 'Quando é que paras de fazer essa voz de desenho animado e deixas-me ir brincar?"
Até que a coisa virou. Não sei se foi da chegada aos três anos e de ter um melhor entendimento do mundo que a rodeia, das histórias que ouve na escola ou porque, finalmente, encontrámos os livros certos, mas agora tenho de lhe ler não uma, nem duas, mas três histórias antes de deitar. Como numa espécie de ritual sagrado, ela distribui os três livros pelo tapete do quarto, sentamo-nos no chão e ela diz: 'escolhe'.
E lá vamos nós para uma odisseia que, dependendo da quantidade de porquês, pode durar uns bons 40 minutos, ainda que, nesta fase, ela já seja capaz de recitar as histórias de cor. Porque são sempre as mesmas. Portanto, se também estão nesta luta de fazer com que as crianças das vossas vidas não sintam que os livros são uma peça de museu, há alguns livros que vos posso recomendar.
O Coala que foi capaz é o grande vencedor cá de casa. Desculpem, adultos, mais vou dar spoilers! É a história de um coala que vivia permanentemente pendurado no tronco de uma árvore, não se conseguia soltar, tinha medo. Enquanto isso, lá em baixo, os outros animais desfrutavam de todo um mundo de aventuras. Um dia, um pica-pau deitou a árvore abaixo e o coala, já no chão, descobriu que, afinal, não era assim, a vida cá em baixo não era uma coisa assim tão assustadora, e que podia brincar com os amigos, que era capaz. Moral da história: podemos sempre vencer os nossos medos, porque o resultado é compensador.
Logo a seguir vem o Ladrão de Folhas, uma história deliciosa para esta altura do ano porque retrata a vida de um esquilo que, um dia, ao contar as folhas da sua árvore, descobre que lhe faltam algumas. Fica indignado, dia após dia, acha que o estão a roubar e quer descobrir quem é o larápio, até que o amigo pássaro o ajuda a chegar à conclusão de que não há nenhum ladrão de folhas, e que estas caem simplesmente porque é Outono, voltando depois a nascer. Ótimo para que percebam as mudanças que ocorrem nesta estação do ano!
Depois, no top temos ainda Os Pandas que Prometeram, que é da mesma coleção do Coala (toda fantástica, por sinal), em que temos duas crias de panda que estão a aprender, ao lado da mãe, os limites da sua vida animal. Ora, a dada altura elas prometem à mãe que, nas suas brincadeiras, nunca irão além da montanha e que vão tomar sempre conta uma da outra. Mas claro que uma é muito reguila e desafia a irmã a passarem a fronteira. Desobedecem à mãe, mas, perante a amaeça de um leopardo, uma acaba por salvar a outra, mostrando que não falharam em tudo aquilo que prometeram. Quando voltam a casa, pela voz da mãe, percebem a importância da lealdade, da palavra e de dizermos sempre a verdade.
E haveria muito mais histórias sobre as quais poderia falar aqui que os ajudam a compreender o mundo aos nossos olhos. Às vezes, ao contá-las, fico na dúvida se não poderão ser demasiado moralistas, mas na verdade, os livros têm de ter algo subjacente para lhes ensinar e que os ajuda, de alguma forma, a encaixarem-se um pouco neste mundo estranho dos adultos, que nem nós às vezes lhes sabemos bem explicar.
E pronto, 'vitória, vitória, acabou-se a história'. Escusado será dizer que depois deste forrobodó ninguém adormece, como nos filmes, e passa-se mais meia hora até que ela consiga fechar finalmente os olhos. Mas pelo menos assim, poderá sonhar com o seu amigo coala, que se chama Kevin e é muito fofinho, ou com aquela panda reguila que a incentiva a desafiar os limites, mesmo que para isso tenha de desobedecer à sua querida mãezinha...