
Corria o ano de 1936, mais concretamente o dia 17 de dezembro, quando nasceu, em Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, o homem que, pouco mais de 76 anos depois, se tornaria no 266.º Papa, sob o nome de Francisco. Aos 86 anos, está em Portugal por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, entre os dias 2 e 6 de agosto.
A sua família era composta por emigrantes italianos, da região de Piemonte: o seu pai, Mario, trabalhava como contabilista ferroviário, enquanto a mãe, Regina, era dona de casa e cuidava dos cinco filhos do casal, com Jorge a ser o mais velho da prole. O dinheiro não abundava, mas, como frisou numa entrevista à Rádio Vaticano, servia para chegar até ao final do mês.
Na capital argentina, vivia numa rua que adjetivou como "simples", e lá divertia-se a jogar à bola com os outros meninos, ainda que sublinhe que o talento não era o maior e, por isso, jogava muitas vezes à baliza.
Já aí era criado na fé católica, também muito por influência da sua avó paterna, Rosa, mas só mais tarde decidiu que seria pela religião que a sua vida iria rumar. Uma mulher que vivia no mesmo bairro de Buenos Aires, Flores, diz ter sido sua "namorada" quando ambos tinham doze anos, relato que foi depois refutado pela irmã do atual Sumo Pontífice.
A CHAMADA PARA A RELIGIÃO
Efetivamente, o papa Francisco começou por se formar como técnico de química. Foi nesta altura que aconteceu o episódio que mudou a sua vida. Segundo afirmou numa entrevista a uma rádio argentina, já tinha considerado ser padre em criança, mas essa vontade só se tornou real quando passou pela igreja de São José de Flores, durante um passeio com amigos, e sentiu que tinha que entrar. "Senti como se alguém me agarrasse por dentro e me levasse ao confessionário", recordou. Depois, soube que o confessor era um sacerdote que tinha uma doença terminal e morreu no ano seguinte: "Aí senti que tinha de ser padre, não hesitei".
Posteriormente, optou pelo sacerdócio, através do seminário diocesano de Villa Devoto. No segundo ano, atravessou um sobressalto de saúde: uma epidemia de gripe espalhou-se entre os seminaristas e foi infetado. Ao contrário do que aconteceria com os seus colegas, a sua recuperação tardava a acontecer, continuando a apresentar febre persistente. Aí, foi levado para o hospital, onde lhe foram identificados três cistos no lobo superior do pulmão direito, tal como um derrame pleural. Por este motivo, submeteu-se a uma intervenção cirúrgica para remover parte do pulmão. Não obstante as muitas dores que sentiu no pós-operatório, a operação revelou-se um sucesso, não deixando quaisquer sequelas ao futuro Papa.
A CHEGADA A PAPA
Aos 21 anos, entrou na Companhia de Jesus e completou os estudos no Chile. Depois obteve uma licenciatura em Filosofia, foi professor de Literatura e Psicologia e estudou ainda Teologia, de acordo com a biografia oficial no site do Vaticano.
Iniciou assim um percurso que o conduziu a ser ordenado sacerdote, em 1969, e eleito provincial dos jesuítas na Argentina, em 1973, durante seis anos. Em 1992, foi nomeado bispo titular de Auca e auxiliar de Buenos Aires pelo Papa João Paulo II.
Quando o pontífice polaco morreu, em 2005, Jorge Bergoglio já era visto como um dos candidatos a ocupar o seu lugar, tendo terminado em segundo lugar no Conclave. Segundo o jornalista irlandês Gerard O’Connell, a forma simples de viver e o amor aos pobres eram os seus traços de personalidade vistos como desejáveis para um líder da Igreja Católica. Assim, após a abdicação de Bento XVI, tornou-se num nome incontornável para integrar a lista de fortes candidatos à sucessão, apesar de gozar de menor favoritismo em relação ao Conclave anterior. Tornou-se simultaneamente no primeiro Papa jesuíta e no primeiro oriundo do continente americano.
O PECADOR PROGRESSISTA
"Sou um pecador em quem o Senhor pôs os olhos", disse o Papa Francisco, numa entrevista ao jesuíta Antonio Spadaro. Esta autoconsciência sempre fez parte da sua personalidade enquanto Sumo Pontífice e acabou por moldar o seu discurso. Refira-se que, na Argentina natal, Francisco não é consensual. Alguns episódios relativos ao tempo da ditadura, no qual foi acusado de ter sido conivente com decisões do regime, teses que viria a negar, levam-no a ser associado com o peronismo.
"Nunca estive afiliado ao partido peronista, nem sequer fui militante ou simpatizante, afirmar isso é uma mentira", defendera-se, no livro El Pastor, mas adiu: "Na hipótese, de ter uma conceção peronista da política, que mal teria?" As suas declarações políticas no Pontificado sempre foram controversas para progressistas e conservadores à vez: aos primeiros quando, por exemplo, se referiu ao "pecado do aborto", ou aos segundos, quando referiu que as leis que punem a homossexualidade são "injustas" ou que "quem quiser criminalizar a homossexualidade está errado". Esta maior abertura levou mesmo a que tenha sido apelidado de marxista pelos seus críticos, adjetivo que também recusa. A ideia geral, contudo, é de que Francisco tem mostrado maior abertura ao progresso do que os Papas que o antecederam, Bento XVI e João Paulo II.
A TRAGÉDIA DOS ABUSOS SEXUAIS
Outro dos temas que têm marcado o tempo de Francisco no Vaticano são os casos de abuso sexual na Igreja, que se configura como um dos seus maiores desafios. "A Igreja Católica não pode tentar esconder a tragédia do abuso, independentemente de que tipo seja. Os abusos dentro da Igreja, sejam eles de consciência, de poder ou sexuais, (...) de homens e mulheres, são uma monstruosidade", deixou claro, num vídeo partilhado no portal Rede Mundial de Oração do Papa. Este é um tópico que será abordado aquando da passagem do Papa por Portugal, país no qual recentemente rebentou o escândalo através de um relatório de uma comissão independente, que concluiu terem havido mais de cinco mil casos de abuso desde 1950.
O bispo José Ornelas, em março, confirmou "uma chamada de atenção" nesta Jornada Mundial da Juventude, apesar do memorial inicialmente anunciado não ter ido para a frente. A deslocação ao nosso país decorrerá igualmente após o Papa Francisco ter atravessado problemas de saúde, tendo estado internado num hospital em Roma com uma infeção respiratória, em março, e depois, em junho, quando foi operado a uma hérnia intestinal. Para a sua vinda a Portugal, o Hospital de Santa Maria já anunciou ter um plano montado caso haja necessidade de socorrer o Sumo Pontífice.