A diretora de estilo da 'Vogue' Brasil e socialite Donata Meirelles está a ser acusada de racismo depois de publicar uma fotografia polémica no Instagram.
Na festa de aniversário de 50 anos de idade , Donata surge sentada numa cadeira que parece um trono ao lado de duas mulheres negras , com trajes baianos, o que lembrou a famosa imagem 'a senhora da família Costa Carvalho na liteira com dois escravos'.
Muitos interpretaram também a fotografia como "a sinhá e suas mucamas".
"(...)Já as escravas de casas ricas eram adornadas por seus próprios senhores. Quando saíam para as ruas acompanhando suas senhoras ou crianças, eram exibidas em trajes finos e carregadas de joias.A própria escrava era um objeto de ostentação do dono, um objeto de luxo a ser mostrado publicamente". Trecho do livro Jóias de Crioula de Laura Cunha e Thomas Milz. A primeira foto foi tirada em 1860. De acordo com @edercansino a foto que faz parte do acervo do @imoreirasalles, intitulada "senhora da família Costa Carvalho na liteira com dois escravos" foi feita na Bahia por fotógrafo desconhecido. A segunda imagem é de 2019 mesmo. #sóeuacheiestranho #Bahiaterradafelicidade #ritadeixederecalque #passeodedinhoprolado #osprincípiosacimadaspersonalidades #qualquersemelhança #nãoémeracoincidência
Uma publicação partilhada por ritabatista (@ritabatista) a 9 de Fev, 2019 às 4:39 PST
A indignação chegou às celebridades brasileiras, como Taís Araújo e a cantora Elza Soares, que publicaram o descontentamento nas redes sociais.
Taís Araújo começa por escrever que Donata é uma mulher conhece e gosta. "O que aconteceu, no entanto, considero um erro, pois a festa foi feita por pessoas que trabalham com imagem e sabem o poder que uma imagem tem. Não acredito que o desejo deles tenha sido retratar o Brasil Colônia, um período duro, mas uma imagem fala mais que mil palavras e dez mil desejos. As comparações são inevitáveis. O que aconteceu ali é o que o que ocorre nesse país construído sobre o racismo, corpos, suor, sangue e lágrimas negros. Esse sofrimento é tão naturalizado que fica difícil para as pessoas que não se identificam com as moças de pé ao lado da cadeira sentirem o que a população negra sente", diz a atriz.
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Muitos têm me perguntado sobre a festa da Donata. Bom, ela é uma mulher que eu conheço e de quem gosto. O que aconteceu, no entanto, considero um erro, pois a festa foi feita por pessoas que trabalham com IMAGEM e sabem o poder que uma imagem tem. Não acredito que o desejo deles tenha sido retratar o Brasil Colônia, um período duro, mas uma IMAGEM fala mais que mil palavras e dez mil desejos. As comparações são inevitáveis. O que aconteceu ali é o que ocorre nesse país construído sobre o racismo, corpos, suor, sangue e lágrimas negros. Esse sofrimento é tão naturalizado que fica difícil para as pessoas que não se identificam com as moças de pé ao lado da cadeira sentirem o que a população negra sente. Tudo fica natural, passa a ser "mimimi". "Mas agora tudo é racismo?" Bom, lamento dizer que, se "nem tudo é racismo", é sobre racismo que nossa sociedade foi construída. Mesmo que muitos de nós, negros, brancos e indígenas, não tenhamos consciência; mesmo que seja contra a nossa vontade; mesmo sentindo vergonha, esta é a nossa história. Cabe a nós, adultos, olhar para o nosso país com maturidade e crítica, e educar nossas crianças pra um futuro menos desigual. Reconhecer é um caminho. Errar faz parte do processo e o melhor do erro é ele ser o caminho para o aprendizado. Meu posicionamento sobre racismo estrutural tem sido dado em toda a minha carreira. Basta rolar o feed e você verá que me pronunciei em situações parecidas, como, por exemplo, quando uma marca fez uma estampa "celebrando" a escravidão. Mas evitei comentar quando, recentemente, um menino branco foi fantasiado pela mãe em uma festa como escravo, lembra? Isto porque meu pronunciamento está dado e não mudou. Nem mudará, e não preciso repetir sempre. É tudo a mesma coisa e, como já disse anteriormente, a escravidão deveria estar em livros de história e ter erguido museus para lembrarmos de seu horror e da dor e violência sofridas por seres humanos em mais de 300 anos. Proponho uma reflexão: pq essa imagem continua acontecendo dentro de muitos restaurantes, lugares públicos e lares sem que ninguém se movimente? Pq será que em nosso dia a dia não nos incomodamos e somos coniventes, hein, Brasil?
Uma publicação partilhada por Taís Araujo (@taisdeverdade) a 11 de Fev, 2019 às 8:01 PST
Muitos têm me perguntado sobre a festa da Donata. Bom, ela é uma mulher que eu conheço e de quem gosto. O que aconteceu, no entanto, considero um erro, pois a festa foi feita por pessoas que trabalham com IMAGEM e sabem o poder que uma imagem tem. Não acredito que o desejo deles tenha sido retratar o Brasil Colônia, um período duro, mas uma IMAGEM fala mais que mil palavras e dez mil desejos. As comparações são inevitáveis. O que aconteceu ali é o que ocorre nesse país construído sobre o racismo, corpos, suor, sangue e lágrimas negros. Esse sofrimento é tão naturalizado que fica difícil para as pessoas que não se identificam com as moças de pé ao lado da cadeira sentirem o que a população negra sente. Tudo fica natural, passa a ser "mimimi". "Mas agora tudo é racismo?" Bom, lamento dizer que, se "nem tudo é racismo", é sobre racismo que nossa sociedade foi construída. Mesmo que muitos de nós, negros, brancos e indígenas, não tenhamos consciência; mesmo que seja contra a nossa vontade; mesmo sentindo vergonha, esta é a nossa história. Cabe a nós, adultos, olhar para o nosso país com maturidade e crítica, e educar nossas crianças pra um futuro menos desigual. Reconhecer é um caminho. Errar faz parte do processo e o melhor do erro é ele ser o caminho para o aprendizado. Meu posicionamento sobre racismo estrutural tem sido dado em toda a minha carreira. Basta rolar o feed e você verá que me pronunciei em situações parecidas, como, por exemplo, quando uma marca fez uma estampa "celebrando" a escravidão. Mas evitei comentar quando, recentemente, um menino branco foi fantasiado pela mãe em uma festa como escravo, lembra? Isto porque meu pronunciamento está dado e não mudou. Nem mudará, e não preciso repetir sempre. É tudo a mesma coisa e, como já disse anteriormente, a escravidão deveria estar em livros de história e ter erguido museus para lembrarmos de seu horror e da dor e violência sofridas por seres humanos em mais de 300 anos. Proponho uma reflexão: pq essa imagem continua acontecendo dentro de muitos restaurantes, lugares públicos e lares sem que ninguém se movimente? Pq será que em nosso dia a dia não nos incomodamos e somos coniventes, hein, Brasil?
Uma publicação partilhada por Taís Araujo (@taisdeverdade) a 11 de Fev, 2019 às 8:01 PST
Elza Soares, de 81 anos, fala sobre mais uma "'cutucada' na ferida aberta do Brasil Colônia". "Não faço juízo de valor sobre quem errou ou se teve intenção de errar. Faço um alerta! Quer ser elegante? Pense no quanto pode machucar o próximo, sua memória, os flagelos do seu povo, ao escolher um tema para 'enfeitar' um momento feliz da vida".
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Gentem, sou negra e celebro com orgulho a minha raça desde quando não era "elegante" ser negro nesse país. Quando preto não usava o elevador dos "patrões". Quando pretos motorneiros dos bondes eram substituídos por brancos em festividades com a presença de autoridades de pele branca. Da época em que jogadores de um clube carioca passavam pô de arroz no rosto para entrarem em campo, já que não "pegava bem" ter a pele escura. Desde que os garçons de um famoso hotel carioca não atendiam pretos no restaurante. Éramos invisíveis. Celebro minha raça desde o tempo em que gravadoras não davam coquetel de lançamento para os "discos dos pretos". Celebro minha origem ancestral desde que "música de preto" era definição de estilo musical. Grito pelo meu povo desde a época em que se um homem famoso se separasse de sua mulher para ficar com uma negra, essa ganhava o "título" de vagabunda, mas não acontecia se próxima tivesse a pele "clara". Sou bisneta de escrava, neta de escrava forra e minha mãe conhecia na fonte as histórias sobre o flagelo do povo negro. Protesto pelos direitos da minha raça desde que preta não entrava na sala das sinhás. Gentem, essas feridas todas eu carreguei na alma e trago as cicatrizes. A maioria do povo negro brasileiro. Feridas que não se curaram e são cutucadas para mantê-las abertas demonstrando que "lugar de preto é nessa Senzala moderna", disfarçada, à espreita, como se vigiasse nosso povo. Povo que descende em sua maioria dos negros que colonizaram e construíram o nosso país. Hoje li sobre mais uma "cutucada" na ferida aberta do Brasil Colônia. Não faço juízo de valor sobre quem errou ou se teve intenção de errar. Faço um alerta! Quer ser elegante? Pense no quanto pode machucar o próximo, sua memória, os flagelos do seu povo, ao escolher um tema para "enfeitar" um momento feliz da vida. Felicidade às custas do constrangimento do próximo, seja ele de qual raça for, não é felicidade, é dor. O limite é tênue. Elegância é ponderar, por mais inocente que sua ação pareça. A carne mais barata do mercado FOI a carne negra e agora NÃO é mais. Gritaremos isso pra quem não compreendeu ainda. Escravizar, nem de brincadeira. Seguimos em luta ?
Uma publicação partilhada por Elza Soares (@elzasoaresoficial) a 10 de Fev, 2019 às 10:36 PST
Gentem, sou negra e celebro com orgulho a minha raça desde quando não era "elegante" ser negro nesse país. Quando preto não usava o elevador dos "patrões". Quando pretos motorneiros dos bondes eram substituídos por brancos em festividades com a presença de autoridades de pele branca. Da época em que jogadores de um clube carioca passavam pô de arroz no rosto para entrarem em campo, já que não "pegava bem" ter a pele escura. Desde que os garçons de um famoso hotel carioca não atendiam pretos no restaurante. Éramos invisíveis. Celebro minha raça desde o tempo em que gravadoras não davam coquetel de lançamento para os "discos dos pretos". Celebro minha origem ancestral desde que "música de preto" era definição de estilo musical. Grito pelo meu povo desde a época em que se um homem famoso se separasse de sua mulher para ficar com uma negra, essa ganhava o "título" de vagabunda, mas não acontecia se próxima tivesse a pele "clara". Sou bisneta de escrava, neta de escrava forra e minha mãe conhecia na fonte as histórias sobre o flagelo do povo negro. Protesto pelos direitos da minha raça desde que preta não entrava na sala das sinhás. Gentem, essas feridas todas eu carreguei na alma e trago as cicatrizes. A maioria do povo negro brasileiro. Feridas que não se curaram e são cutucadas para mantê-las abertas demonstrando que "lugar de preto é nessa Senzala moderna", disfarçada, à espreita, como se vigiasse nosso povo. Povo que descende em sua maioria dos negros que colonizaram e construíram o nosso país. Hoje li sobre mais uma "cutucada" na ferida aberta do Brasil Colônia. Não faço juízo de valor sobre quem errou ou se teve intenção de errar. Faço um alerta! Quer ser elegante? Pense no quanto pode machucar o próximo, sua memória, os flagelos do seu povo, ao escolher um tema para "enfeitar" um momento feliz da vida. Felicidade às custas do constrangimento do próximo, seja ele de qual raça for, não é felicidade, é dor. O limite é tênue. Elegância é ponderar, por mais inocente que sua ação pareça. A carne mais barata do mercado FOI a carne negra e agora NÃO é mais. Gritaremos isso pra quem não compreendeu ainda. Escravizar, nem de brincadeira. Seguimos em luta ?
Uma publicação partilhada por Elza Soares (@elzasoaresoficial) a 10 de Fev, 2019 às 10:36 PST
A polémica levou Donata a explicar também nas redes sociais que a festa de aniversário não era "temática". "Vale também esclarecer: nas fotos publicadas, a cadeira não era uma cadeira de Sinhá, e sim de candomblé, e as roupas não eram de mucama, mas trajes de baiana de festa. Ainda assim, se causamos uma impressão diferente dessa, peço desculpas", escreveu.
A edição brasileira da 'Vogue' também emitiu uma nota. "Em relação às manifestações referentes à festa de 50 anos de Donata Meirelles, a 'Vogue Brasil' lamenta profundamente o ocorrido e espera que o debate gerado sirva de aprendizado", lê-se.
Em relação às manifestações referentes à festa de 50 anos de Donata Meirelles, a Vogue Brasil lamenta profundamente o ocorrido e espera que o debate gerado sirva de aprendizado. Nós acreditamos em ações afirmativas e propositivas e também que a empatia é a melhor alternativa para a construção de uma sociedade mais justa, em que as desigualdades históricas do País sejam debatidas e enfrentadas. Em busca da evolução constante que sempre nos pautou, aproveitamos a reflexão gerada para ampliar as vozes dentro da equipe e criar, em caráter permanente, um fórum formado por ativistas e estudiosos que ajudarão a definir conteúdos e imagens que combatam essas desigualdades.
Uma publicação partilhada por Vogue Brasil (@voguebrasil) a 11 de Fev, 2019 às 4:59 PST
Entretanto, Donata pediu demissão do seu cargo de diretora de estilo revista esta quarta-feira, 13.