
"Tenho mais memórias das fases más, tenho poucas memórias de coisas boas. Não me lembro de ter tido uma infância dita normal e isso era um peso e uma revolta muito grandes", começou por revelar Marisa Cruz a Manuel Luís Goucha durante os poucos mais de 20 minutos de uma entrevista intimista, de catarse, em que a atriz e apresentadora da TVI fez uma viagem no tempo pelos momentos menos bons que lhe marcaram a vida.
Marisa chegou a Portugal vinda de Luanda com pouco mais de um ano de idade. A mãe estava grávida do irmão – que Marisa haveria de reencontrar ao fim de 40 anos, mas já lá vamos. Os pais separaram-se mal chegaram a Lisboa e o pai acabou preso. "Sempre criei uma imagem, uma fantasia, de um pai que eu gostava, que estivesse presente na minha vida. Só mais tarde percebi que ele teve azar e se calhar escolheu mal os caminhos que tinha que percorrer", revela.
Da relação com o pai, Marisa Cruz recorda um episódio em particular que haveria de a marcar para o resto da vida: "A última memória que tenho dele é uma memória muito bonita. Fui visitá-lo à prisão e ele tirou do porta-moedas um fio de ouro com uma cruz e deu-mo. Aquilo para mim teve um valor que não sei dizer." A atriz tinha 7 anos de idade.
"O que eu pensava era: que falta que me faz ter um pai aqui ao meu lado", recorda. Com a ausência do pai e os problemas da mãe, Marisa Cruz teve uma infância sem colo. Durante muitos anos teve uma "grande revolta" com a mãe mas com o tempo esse lado ficou resolvido. "Depois de ser mãe perdoei-me a mim por ter sido tão pouco tolerante com ela, porque ela fez o melhor que sabia", revelou a também apresentadora.
"Faltou-me muito colo. Eu era o colo da minha mãe, eu cuidava da minha mãe. Eu era o pilar lá de casa, cuidava dos meus quatro irmãos [fruto do novo relacionamento da mãe com outro companheiro]. Eu era a mãe deles e quando foram embora foi muito duro", recorda.
Também a história com o irmão [da relação da mãe com o pai] foi dramática e pesada. Estiveram separados durante 40 anos. A mãe ficou Marisa e deixou o irmão entregue a familiares e acabou por ser adotado. "Durante anos eu não soube do meu irmão. A minha vida sempre foi muito confusa. Eu fui uma sobrevivente." Os irmãos reencontraram-se 40 anos depois. Quando se viram foi como se nunca se tivessem separado.
Marisa Cruz fez as pazes com o passado. As feridas fizeram dela uma mulher mais forte. "Hoje consigo perceber, agradecer e aceitar tudo o que acontreceu na minha vida, principalmente o menos bom, porque fez-me a mulher que sou hoje."