
É muito complicado falar sobre 'Pôr do Sol', a paródia que brinca com o formato novelas, emitida no horário nobre da RTP1, que todos os atores querem fazer ou não brincasse com eles próprios e com o que eles próprios fazem, muitas vezes, "em sofrimento". É complicado falar por uma razão simples: é desconcertante, é humor cortante, negro – que pode tornar uma cena tão genial quanto parva. E é isso que torna a série (novela, chamam-lhe) especial.
O produto é um desastre de audiências na RTP1 e, ao mesmo tempo, um fenómeno na Internet. Tornou-se campeão de visualizações na RTP Play – o que não é de estranhar. Afinal, quem é o público de um produto que brinca com a forma de escrever novela, que é feito de diálogos (e monólogos) nonsense, impercetíveis para o típico espectador daquele horário em "canal aberto"? O público de 'Pôr do Sol' é o que já desistiu há muito dos quatro canais generalistas, o que vê uma coisa ou outra no cabo, prefere o streaming e está sempre na net. Ou seja, só vê o que lhe apetece, quando lhe apetece. É o público que abomina novelas, sitcoms, concursos e todo e qualquer produto que o lembre da TV "do antigamente" – dos pais, dos avós, entenda-se. E daí o seu sucesso online. E daí a tragédia de público quando emitido na RTP1 – para os espectadores que só acham graça ao "núcleo" do Tomané que explora "camones" e fala "à Parque Mayer".
A questão que se coloca inevitavelmente é: tem a RTP, enquanto serviço público que é, o dever ou a obrigação de emitir ficção com estas características, sabendo à partida qual o resultado em antena e no seu streaming online? Afinal, foi na BBC que os Monty Python cresceram e se tornaram ícones da comédia nonsense. Não, não estou a comparar 'Pôr do Sol' a 'Flying Circus', dos Monty Python. Mas podia! Cada um na sua medida e com o papel que desempenham. Goste-se ou não, perceba-se ou não, há algo que ninguém tira a esta série/novela: faz a diferença. E, claro, tem graça, atirando-nos, volta não volta, para as gags de 'O Tal Canal' (também na RTP1, evidentemente) de um Herman José que há 40 anos já tinha bebido e adaptado o melhor do humor britânico. Também não há comparação... mas até pode haver.