
Eu vi-a entrar com o passo leve, talvez um pouco incerto, a cara lisa e o olhar endiabrado. Estava dez minutos atrasada e eu chegara mais cedo porque nunca se faz uma senhora esperar, mas quando a vi mais parecia uma miúda, cabelos ao vento e sorriso descarado.
-Teve pontaria, este é dos meus restaurantes preferidos. Como conseguiu mesa de um dia para o outro?
Sorri e respondi que tinha os meus meios. Só semanas mais tarde lhe confessei que a mesa já estava marcada há alguns dias e que tinha deixado um amigo pendurado para poder confirmar com ela o único dia da semana que tinha livre.
As mulheres são bichos complexos. Ou nunca têm tempo para nós, ou então têm todo o tempo do mundo. Talvez o tempo de cada pessoa seja diferente e apenas seu, constituindo para os outros um mistério insondável. Quando estou com ela o tempo não passa, é muito estranho. Passam os horas e os minutos, o sol põe-se e levanta-se, as estações vão mudando, mas o tempo não passa, é como se ela tivesse estado sempre ali e eu ao lado dela.
Depois desse almoço precisei de poucas horas para decidir que queria ir em frente com aquilo, fosse lá o que fosse. E vieram mais almoços e passeios, no campo e na praia, museus e igrejas, filmes e músicas, sempre com muita conversa da boa, ela muita trocista e eu a chegar para ela, os dois a pensar que caminhos podíamos seguir mais juntos do que separados.
Um tipo chega aos 50 e tem de pensar o que vai fazer da vida, como a quer passar, quantas países anda não visitou, quantas montanhas ainda não subiu, quantos beijos ainda não deu, quantos abraços ainda tem para dar. Os filhos crescem e começam a ir à vida deles. Vão sempre precisar de nós, mas só voltam a estar mais próximos quando tiverem filhos. Vamos ficando com mais tempo para nós e temos de reaprender a viver sem eles por perto. E o mais bizarro é que um tipo não sente o tempo a passar. O cabelo vai ficando mais fino, a barba vai embranquecendo, a pele das mãos vai secando, mas no fundo somos a mesma pessoa. Alguns perdem-se pelo caminho, quando caem do cavalo, quando perdem empregos ou mulheres de quem gostavam, outros preferem as companhias que se compram e se controlam, álcool, mulheres com preço ou franco-atiradoras, outros ainda fecham-se nas suas rotinas maníacas, na torres dos prazeres solitários, e outros tentam não pensar nisso.
Eu gosto de pensar tudo para a frente, seja o dia seguinte, a próxima semana, como vai ser o Verão ou onde vou estar daqui a cinco anos. Vou planeando a curto, médio e longo prazo, defeitos de quem tem de gerir centenas de pessoas todos os dias.
E sei ouvir os outros, sobretudo as mulheres. Há muito que aprendi que, se ouvir uma mulher, ela acabará por me abrir a alma e, se tiver sorte, o coração. Oiço a minha fada irrequieta todos os dias um bocadinho, de manhã e à noite se não estivermos juntos, e partilho com ela as coisas boas que me vão acontecendo.
Há uns dias estávamos enroscados no sofá e ela disse:
- Estamos na fase azul.
E deu-me um beijo na cara, perto do olho esquerdo, e eu via-a a fechar os olhos enquanto o fazia. A fase azul é isto, duas pessoas que querem conhecer-se e aprender coisas com o outro, sobre ele, e sobre si mesmas através dos olhos do outro. Dizem que é a melhor fase das relações, que nada tem a magia dos inícios, mas gosto de pensar que vamos saber prolongar a fase azul com alegria, bonomia, confiança e muito humor para temperar os dias.
Ontem voltámos ao mesmo restaurante e disse-lhe:
- Acho que acertei, é isto que quero para a minha vida.
Ela sorriu e respondeu.
- É normal, tens pontaria.
Trazia um vestido azul e branco às riscas que lhe ficava a matar. Respirou fundo e ouvia-a pensar que estava feliz. Tenho a certeza que ouvir, porque eu sei ouvir as mulheres.