
Abri o Spotify e em vez das habituais listas de New Wave, Bossa Nova, Indie e Jazz, deu-me para ouvir a 5ª Sinfonia de Mahler. Na verdade só me interessei por Gustav – é esse o seu primeiro nome – despois de saber a história da sua mulher, Alma Margaretha Maria Shindler, uma compositora 19 anos mais nova do que ele que lhe deu duas filhas, Maria Anna, que morreu de escarlatina com 5 anos e Anna que veio a tornar-se escultora.
Alma era bonita e talentosa, compunha música desde criança, mas Gustav não queria saber do talento da mulher para nada. Existem cartas em que ele expressa a sua vontade soberana em que ela deixe de compor quando se casarem para se dedicar exclusivamente à armadilha doméstica. Tais exigências levaram o espírito criativo de Alma a mergulhar numa depressão. Mais tarde encontrou consolo nos braços de um amante, um jovem arquiteto com quem veio a casar-se depois da morte de Gustav. O compositor terá perdido a cabeça, chegando a pedir conselhos ao seu amigo Freud numa tentativa para salvar o casamento, mas já era tarde.
Parece que os homens não percebem quando já é demasiado tarde para uma mulher. É demasiado tarde quando passam anos a tentar pôr-lhe as patas em cima, quando a forçam em cedências que ultrapassam a sua vontade própria, quando acreditam que conseguem moldá-la, domesticá-la, aplacar-lhe a individualidade e a autonomia. Até podem conseguir durante uma parte da vida em comum, não raro durante quase toda uma vida, mas, mais cedo ou mais tarde a tampa salta. E quando finalmente a tampa salta na cabeça e no coração de uma mulher, o mais certo é ir parar à estratosfera e não voltar a descer ao nosso planeta. Nestes casos, quem acaba por mudar é o homem, que passa de carrasco a vítima e de opressor a melhor amigo. Gustav redimiu-se e dedicou os últimos anos da sua vida a apoiar o trabalho de Alma.
Depois da morte de Gustav, Alma Margaretha casou mais duas vezes, sobreviveu à morte de mais dois filhos, a sua existência atravessou as duas grandes guerras e passou os últimos anos da sua vida em Nova Iorque, para onde embarcou em Lisboa, como aconteceu a tantos judeus que conseguiram escapar à loucura anti-semita do regime Nazi. Alma não era judia, mas o seu marido, o poeta Franz Werfel era. Klimt, que frequentava a casa dos pais de Alma gabava-se de ter roubado o primeiro beijo à rapariga que era considerada a mais bonita de Viena. Foi considerada uma das mulheres mais importantes e influentes da era moderna.
Às vezes penso o que faz com que tantas mulheres se subjuguem à vontade dos maridos, sobretudo quando essa vontade é para as aplacar. Quando o amor se transforma num jogo de forças, já não é amor. Aliás, é tudo menos amor.