
O show marcou o novo milénio. Durante anos a fio, o momento em que os famosos 'anjos' da marca de lingerie Victoria's Secret se reuniam na passerelle tornava-se num marco icónico do mundo da moda. Havia glamour, lingeries lindas e todos os nomes sonantes estavam lá, das top models mais cobiçadas às novatas, num ambiente quase estratosférico que contrastou com o que pudemos ver no desfile de quarta-feira, dia 15, em Nova Iorque.
Depois de, no ano passado, os 'anjos' terem regressado à ribalta após um interregno – motivado pelas críticas de que a Victoria's Secret não era uma marca inclusiva e tinha parado no tempo – as críticas não foram generosas para o show da marca, que motivou mais críticas do que elogios. Quem viu e não gostou diz que não houve ali nada de novo: os mesmos conjuntos, as mesmíssimas asas de anjo, zero surpresa. E nem o facto de a marca ter trazido a popular Karol G a palco dissipou a enorme sensação de tédio.
Sem a portuguesa Sara Sampaio, definitivamente afastada do grupo de 'anjos', mantiveram-se nomes como as irmãs Gigi ou Bella Hadid, mas por exemplo Kendall Jenner faltou. E se há quem diga que é desejo da manequim afastar-se dos principais palcos da moda, ainda há nem um mês a vimos na Paris Fashion Week, a abrilhantar o desfile de uma grande marca, deixando a sensação de que Jenner poderá não ter querido associar-se à Victoria's Secret.
Ainda sobre o que se passou no desfile, os fãs admitem não ter conseguido disfarçar os bocejos ao ver Adriana Lima ou Alessandra Ambrosio pela enésima vez em cena ou uma Candice Swanepoel – outrora um dos grandes nomes da marca – completamente apagada. E claro, com os apontamentos de modelo plus size, feitos para gerar inclusão, mas que parecem forçados no conceito de uma Victoria's Secret a digladiar-se para conseguir sair da fossa em que entrou há anos, e apanhar o comboio da modernidade. De resto, cabelos escorridos, a maquilhagem bonitinha que já se sabe que funciona, saltos agulha e modelos magérrimas a bambolearem-se de mão na anca.
A ARROGÂNCIA DA INVENCIBILIDADE QUE DITOU O FIM DOS ANJOS
No dia do show da Victoria's Secret, as redes sociais praticamente vinham abaixo e não se falava de outra coisa, com a marca norte-americana a surfar na onda do próprio sucesso: tudo aquilo refletia-se em vendas que, em 2018, assumiram a proporção histórica de 9 mil milhões de dólares. Uma fortuna que dava para todos e mantinha toda a gente feliz: as modelos, que enchiam os bolsos de dinheiro, as clientes que tinham a lingerie mais desejada e, claro, os patrões, duplicavam a sua fortuna.
Na sobranceria da vitória, acharam-se invencíveis, que a marca não capitularia, que os anjos eram para sempre os anjos, mas as vendas mostraram precisamente o contrário. A partir de 2019 iniciaram o seu caminho de queda livre, os espetáculos da marca foram cancelados, e, sem que qualquer caminho fosse preparado nesse sentido, a Victoria's Secret passou a ser, de repente, a marca das modelos plus size, dos corpos mais cheinhos, numa decisão tomada à pressa e que, por isso, soou a falso, não vingou.
E, como uma desgraça nunca vem só, juntaram-se denúncias de condutas duvidosas para com as modelos, em tempos em que o #metoo se tornava implacável. Os anjos penduravam então as asas, os shows acabaram, pouparam-se uns milhões, é certo, mas a marca começou a andar à deriva sem que ninguém percebesse qual era o seu conceito e o seu caminho: para mulheres reais, para as mulheres sonharem ou para coisa nenhuma?
Havia, por isso, uma enorme expectativa em saber como seria, seis anos depois, o regresso dos famosos 'anjos', no ano passado. O investimento era milionário, e tudo foi mantido num enorme secretismo. Que novidades iria apresentar a marca que mostrassem, de alguma forma, qual o caminho que pretendia trilhar, a sua nova cara?
Só que tudo soou a mais do mesmo, tal como aconteceu este ano, com a marca a mostrar-se incapaz de soltar as amarras do passado e inovar. Fora duas modelos transgénero e outras tantas plus size, que às tantas dava a ideia de que só estavam ali para preencher a quota, tudo o resto foi um mergulho no passado, um deja vu, aborrecido.
"A Victoria's Secret voltou com o show mais aborrecido de sempre", "Tirem o mofo dessas asas" ou "que espetáculo vazio, sem alma", "a marca tem de ir de encontro ao que o público quer. O que foi isto?" foram algumas das muitas críticas que se lerem e que se repetem este ano, sugerindo que o show possa ter os dias contados.
E a verdade é que, se pensarmos bem, há uma sensação de finitude presente nestes shows. As modelos são as mesmas, não há aposta em sangue novo, sugerindo que a marca continua a olhar para trás ao invés de o futuro. E que não há ninguém que consiga sair dessa bolha para abanar um conceito velho, que já não se coaduna com os dias de hoje e que repensado poderia ser, sim, simplesmente giro, mas assim soa a exposição gratuita de um bando de mulheres lindas...