
É tradição da Casa Real de Espanha – como também da Casa Real de Inglaterra – não reagir a polémicas e escândalos. Isabel II, por exemplo, foi exímia a passar por cima dos todos os grandes imbróglios dos Windsor. Ninguém esquece os dias que se sucederam à morte da princesa Diana. Estava o país mergulhado numa tristeza profunda quando o silêncio demorado da monarca se "fez ouvir". Foram precisos cinco longos dias para que a rainha falasse em público. Fê-lo já sob uma onda imensa de contestação tanto por parte da população como da imprensa britânica.
Terá sido aconselhada por um jovem e recém-eleito primeiro-ministro, Tony Blair. Numa transmissão televisiva, Isabel II manteve-se como sempre diante as câmaras: sem conseguir expressar sentimentos e proximidade. Ainda assim disse sobre a mãe dos seus dois netos, William e Harry, que perdeu a vida num trágico acidente de viação, em Paris: "[Diana] foi um ser humano excecional e talentoso […]. Nos bons e nos maus momentos, ela nunca perdeu a capacidade de sorrir e rir, nem de inspirar os outros com seu calor e gentileza." As suas palavras foram bem aceites, mas não convenceram. A "reconciliação" deu-se, contudo, poucos dias depois. Quando a monarca inclinou a cabeça diante o féretro da princesa de Gales.
OS TEMPOS MUDARAM COM AS REDES SOCIAIS
Recorremos a este episódio da História para demonstrar que casas reais como a britânica e a espanhola têm muita dificuldade em quebrar com o conservadorismo que sempre foi uma das suas bandeiras. Isabel II, por exemplo, orgulhava-se disso. Só que os tempos mudaram e a voracidade das redes sociais exigem respostas e reações imediatas. A monarquia em geral não se pode fechar num casulo e ignorar tudo o que se passa em seu redor. Não pode assistir de bancada aos escândalos como se estes não a afetassem. Além de afetarem, e muito, podem até levar à derrocada da instituição.
Veja-se o caso de Espanha. O reinado de Felipe VI – que ascendeu ao trono em 2014 para abafar os escândalos do seu pai, o rei emérito Juan Carlos – nunca como agora passou por uma crise tão grande. A mulher, Letizia Ortiz, está a ser acusada de ter traído o monarca com Jaime del Burgo, o homem que foi seu amigo, seu advogado e que esteve casado com a sua irmã, Telma Ortiz. O ex-cunhado afiança – e diz que vai apresentar as provas de tudo o que diz – que viveu um romance com a rainha de Espanha já ela era casada com Felipe.
NO INÍCIO, FOI O DESCRÉDITO
Perante estas incriminações Espanha abriu a boca de espanto e incredibilidade. O resto do mundo fez o mesmo, pois este escândalo sem precedentes na corte espanhola já extravasou as fronteiras do país. No início, ninguém quis acreditar que a sempre tão rígida Letizia fosse capaz de trair o marido. Nas ruas, o povo mostrava-se desconfiado com estas revelações de del Burgo. Não tardou a que o jurista fosse considerado um lunático. Um mentiroso. Alguém que só procurava fama ou que se queria vingar de uma hipotética rejeição por parte da irmã da sua ex-mulher.
O povo aguardava uma reação por parte do Palácio da Zarzuela a todas estas acusações contra a rainha. Esperavam que o rei Felipe, com Letizia a seu lado, fizesse um comunicado a desmentir as palavras de Jaime del Burgo. Esperavam que a Casa Real tomasse uma atitude de forma a "limpar" a honra da rainha consorte.
Mas nada disto foi feito. Os dias passaram. Seguiram-se as semanas e, agora, os meses. A ex-jornalista continua com a sua idoneidade posta em causa. Perante o silêncio, o povo passou a ter o pé atrás e a olhar com desconfiança para a mulher que está no trono com Felipe. Logo ela… que acreditaram que era diferente dos Borbón. Ela, que iria dar um novo rumo à monarquia. Ela, que conseguira modernizar a instituição. Perante a ausência de explicações começa-se a acreditar que haja algum fundo de verdade nas denúncias de Jaime del Burgo. É também por isso que já há quem se sinta verdadeiramente traído por Letizia.
UM SILÊNCIO SEPULCRAL
Mas se a Casa Real não reage, qual é a razão para que a rainha se mantenha calada perante a imensa difamação a que tem estado sujeita? Diz-se que é uma imposição da família real. Ela tem obrigação de se manter em silêncio. Em simultâneo é-lhe ainda exigido que continue a assumir as suas funções reais como se nada fosse. Que enfrente todos aqueles que olham para si com dúvida, que escárnio até. A Letizia é imposto que apareça imperturbável perante os olhares do mundo. Que continue sorridente e mantenha a sua habitual postura.
Um sacrífico quase sobre-humano que levou a ex-jornalista a adoecer. Está cada vez mais frágil. Mais desgastada. E o marido nada faz para colocar um ponto final neste sofrimento. Felipe está longe de ter a impetuosidade do pai. De ter a coragem de Juan Carlos. O atual rei de Espanha não é um homem tão determinado quanto foi o seu antecessor. É mais inseguro, mais receoso. Talvez essa seja a verdadeira razão para que o monarca se escude na tradição do silêncio para não apoiar Letizia publicamente. Para dizer "basta" à difamação, à injúria e à desonra. Que é feito daquele homem apaixonado que estava disposto a abdicar do trono só para poder casar com a mulher que amava? Que marido é este que não defende publicamente a mãe das suas duas filhas, mas continua a comportar-se em público como se fossem o casal perfeito?
Felipe VI não se pode deixar atropelar pelos acontecimentos. Tem – como fez a rainha Isabel II [embora tardiamente, é certo] - de reagir e dar ao povo aquilo que o povo quer: uma explicação. Se não o fizer, pode ser tarde para Letizia. Ser tarde para si próprio. Ser tarde para a princesa Leonor que poderá não chegar a ser rainha. E, ser tarde, muito em particular, para a monarquia.