
Têm sido dias muito movimentados no campo geopolítico, com a Rússia a ter, durante a madrugada de quinta-feira, materializado rapidamente a sua investida sobre território ucraniano, após o seu presidente, Vladimir Putin, ter reconhecido a independência das áreas separatistas de Donetsk e Lugansk no leste da Ucrânia, e ordenado a invasão da zona oriental ucraniana. Desde então já várias cidades "pacíficas" na Ucrânia, incluindo a capital Kiev, foram atingidas por explosões, compondo um muito temido cenário dantesco no país.
O escalar das tensões mereceu reprovação por parte dos líderes políticos do Ocidente (e também do Japão), que anunciaram sanções contra a Rússia, repetindo aquilo a sequência de acontecimentos que teve lugar em 2014 aquando da anexação da Crimeia.
Na passada quarta-feira, antes dos mais recentes desenvolvimentos em território ucraniano, os Estados Unidos haviam anunciado que iriam sancionar dois bancos estatais, congelando os seus bens em território norte-americano, enquanto que a União Europeia teria inicialmente, segundo a Lusa, preparado um pacote de sanções que têm como alvo 27 entidades, 350 membros da Duma, o parlamento russo, e dois bancos privados da Rússia, com o acréscimo de limitar o acesso da Rússia aos mercados financeiros e de capitais europeus, estando atualmente a preparar um pacote "massivo" de sanções, perante os novos capítulos. Finalmente, o Reino Unido sancionou cinco bancos russos e três multimilionários oriundos desse país, impedindo ainda a Federação Russa de vender dívida soberana no Reino Unido, de acordo com informações recolhidas pela Al Jazeera.
Todavia, estas não deverão ficar por aqui, com as instituições mundiais prontas para tomarem novas decisões nos próximos dias.
AS RESERVAS DE OURO RUSSAS
O efeito prático destas sanções tem sido debatido pelos especialistas: não só porque não se tem demonstrado um mecanismo eficaz nos últimos tempos, em relação a outros estados como é o caso da Coreia do Norte, mas também porque a própria Rússia terá fortalecido a sua economia nos últimos anos – dependendo menos de investimento estrangeiro e procurando mercados alternativos aos países do Ocidente, dando primazia à estabilidade em prejuízo do crescimento económico – assim como antecipado o impacto das sanções antes dos últimos desenvolvimentos. Ainda assim, como em 2014, o sistema económico russo poderá ressentir-se das sanções aplicadas – na altura, o PIB russo decresceu em 2,3% após um ano de crescimento – com efeitos nocivos para os consumidores.
O setor energético, que compõe 60% das exportações por parte da Rússia, poderá ser um dos mais afetados
Por fim, importa referir as numerosas reservas de ouro do país, no valor de 130 mil milhões de dólares, cerca de 115 mil milhões de euros. A estratégia de acumular parte substancial da riqueza em ouro, que tem sucedido desde 2014 e nomeadamente nos últimos anos, estava já pensada como forma de reduzir a exposição aos riscos de sanções ou congelamento de bens por parte do Ocidente, através daquilo que se denomina de 'desdolarização' da sua economia - em 2020, a porção das reservas internacionais russas em ouro ultrapassou pela primeira vez a do dólar norte-americano.
A FORTUNA DESCONHECIDA DE VLADIMIR PUTIN
A nível pessoal, contudo, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, poderá estar fortemente munido de recursos para lidar com todas estas consequências. O antigo agente da KGB chegou pela primeira vez a uma posição de poder em 1999 - oito anos depois da queda da União Soviética - quando se tornou primeiro-ministro russo, chegando a presidente no ano seguinte, após a renúncia de Boris Yeltsin. Em 2008, não podendo assumir um terceiro mandato na presidência, por tal não ser permitido na Constituição, indicaria como sucessor o à altura primeiro-ministro Medvedev, que depois o nomearia para esse papel. Quatro anos depois voltaria a tornar-se presidente, papel no qual se mantém até hoje. Ao contrário do que sucedeu em 2008, uma reforma constitucional aprovada em 2020 permitiu que possa cumprir um terceiro mandato consecutivo (quinto no total) na presidência.
A medida exata da fortuna do líder russo é incerta e há muito que tem sido alvo de atenções quer domestica quer internacionalmente, ainda que Putin alegue que os seus únicos rendimentos sejam um salário estatal num valor equivalente a 88 mil euros.
Os opositores políticos de Putin têm, ainda assim, contestado esta versão. Em 2021, ativistas ligados ao polémico adversário de Putin, Alexey Navalny, que refundou o partido político 'Rússia do Futuro', lançaram um documentário relativo ao palácio localizado no Mar Negro, que terá um valor estimado de 1,4 mil milhões de dólares – cerca de 1,2 mil milhões de euros – mas o Kremlin sempre negou que o líder russo seja o proprietário da residência.
Já Bill Browder, norte-americano que foi um antigo gestor de fundos financeiros da Rússia, afirmou em 2015 à CNN que a fortuna de Putin chegaria aos 200 mil milhões de dólares, bem acima da de Bill Gates, algo também rebatido por um porta-voz do Kremlin. Outro adversário político do presidente da Rússia, Boris Nemtsov, compilou, de acordo com o ‘The Sun’, um dossiê, no qual estão detalhadas várias posses de luxo que alega pertencerem a Putin, incluindo dezenas de aviões, milhares de carros e quinze helicópteros, algo que igualmente carece de confirmação.
Vladimir Putin terá ainda um iate luxuoso denominado ‘Graceful’, onde já foi avistado, no valor de quase 100 milhões de dólares, segundo a ‘Business Insider’, que foi visto a sair de Hamburgo, na Alemanha, em direção a Caliningrado, já durante este mês.
Atingir a fortuna de Putin poderia aliás, segundo Browder, ser uma estratégia eficaz de deter os avanços do líder russo. No entanto, a situação atual encontra-se ainda em fase inicial e o cenário, já de si negro, poderá mudar numa questão de dias, com o olhar do mundo a estar extremamente atento ao desenrolar dos acontecimentos.