David e Victoria Beckham são nomes reconhecidos por todos, até por aqueles que nunca tenham visto jogar os Galácticos do Real Madrid ou os (poucos) que nunca tenham ouvido ‘Wannabe’, o single de estreia das Spice Girls, de 1996.
Enquanto casal, o futebolista e a cantora tornaram-se num dos duos mais mediáticos do mundo, exponenciando a fama que ambos já haviam conseguido alcançar individualmente. Houve, porém, um momento em que tudo isso ficou em risco, por culpa de uma pessoa: Rebecca Loos.
Modelo espanhola de ascendência neerlandesa, Loos transformou-se na figura central de um escândalo ao alegar ter tido um caso que durou quatro meses com David Beckham, para quem trabalhava como assistente pessoal após a mudança deste do Manchester United para Madrid, através da sua empresa SFX.
O caso foi revelado pelo tabloide ‘News of the World’, que terá pago uma exorbitante quantia pela história, em abril de 2004, e foi sempre negado pelo inglês, que surpreendeu, contudo, ao optar por nunca tentar desafiar Rebecca Loos em tribunal.
O silêncio legal dos Beckham quando enfrentados com uma situação que poderia muito facilmente colocar em causa a solidez da sua relação e a reputação do casal para o exterior foi visto com alguma estranheza. Todavia, se o objetivo fosse evitar que tudo escalasse de forma incontrolável e indelével, é muito possível que tenha sido atingido, com o tempo a remeter o escândalo para um parêntese na história de amor entre os dois.
UM CONTRA O OUTRO
Passados quase 20 anos, e com a alegada amante a um oceano de distância, já que se mudou para a Noruega com o marido que conheceu num reality show, o casal voltou a tocar num assunto que até ao momento havia sido tabu, e que melhor lugar para o fazer que o documentário sobre a vida e obra de David Beckham, que estreou nesta semana na Netflix.
Primeiramente, todavia, vale a pena contextualizar as dificuldades enfrentadas por ambos com a mudança de Inglaterra para Espanha e tudo o que isso significou: "Quando me mudei para Espanha, foi difícil porque eu pertenci a um clube e a uma família durante toda a minha carreira, dos meus 15 aos 27 anos. Sou vendido de um dia para o outro. De repente, estou numa cidade nova, não falo a língua e acima de tudo não tinha a minha família", frisou o ex-futebolista.
Já Victoria relembra ter sido muito massacrada pela imprensa espanhola, que a acusou de nunca querer estar no país e inclusive recuperando uma entrevista em que a artista teria alegadamente dito que "odiava" Espanha por "cheirar a alho". A cada aparição pública, a linguagem corporal de Victoria era ainda escrutinada ao máximo, com as conclusões a obedecerem à narrativa de desdém por Espanha.
"A questão nunca foi Espanha", assegura, desenvolvendo: "Tínhamos de pensar na nossa família. Tínhamos duas crianças e foi isso que ninguém pareceu equacionar, quando fui criticada por não estar em Espanha desde o início. Sabia que não podia ir até ter uma escola para o Brooklyn."
Retomando ao caso da suposta traição, David Beckham começou por reconhecer: "Houve histórias horríveis, com as quais foi difícil lidar. Foi a primeira vez que eu e a Victoria fomos sujeitos a esse tipo de pressão no nosso casamento".
Confirmando "a cem por cento" que essa foi a altura mais difícil do seu casamento, a ex-Spice Girl relatou a dimensão da tristeza que sentiu: "Foi o período mais difícil para nós, porque parecia que o mundo estava contra nós, e nós estávamos um contra o outro, sendo totalmente sincera. Até Madrid, às vezes parecia que eramos nós contra o mundo, mas estávamos juntos, unidos, tínhamo-nos um ao outro. Mas em Espanha, não parecia que nos tínhamos um ao outro, e isso é triste", frisou. "Nem tenho palavras para descrever como foi difícil e como me afetou", acrescentou.
Do lado de David Beckham, o sentimento não era totalmente distinto: "Sempre que acordávamos, sentíamos que havia algo mais. Acho que ambos sentimos na altura que não nos estávamos a perder um ao outro, mas a afogar-nos. Não sei como aguentámos, muito sinceramente".
"A Victoria é tudo para mim. Vê-la magoada foi incrivelmente difícil, mas somos lutadores. E tínhamos de lutar um pelo outro, tínhamos de lutar pela nossa família. E valia a pena lutar pelo que tínhamos", agregou.
À CONQUISTA DOS 'STATES'
A incursão em terras norte-americanas era um dos planos de longo-prazo do casal, que havia começado com o lançamento de uma academia de formação de futebol no sul da Califórnia no verão de 2005.
"As pessoas disseram: ‘Nunca vais ter sucesso na América’, mas não é algo que eu tenha estabelecido como meta. Eu sempre quis ir para os Estados Unidos e fazer alguma coisa. Claro, o futebol nunca foi tão grande lá como noutros sítios do mundo, porque têm grandes desportos e desportistas. Mas começar algo ali seria bom", disse David Beckham, numa entrevista à ‘Vanity Fair’ em 2004.
Victoria complementara com a sua perspetiva: "Nós os dois temos grandes planos para a América. Estamos a olhar para todo o panorama para mim e para o David. A música e o futebol são muito importantes para nós, mas há muitas áreas que queríamos explorar, individual e coletivamente. Temos crianças e adoraria trabalhar com roupas de crianças a algum ponto. Sinto uma grande paixão pela moda."
Dito e feito. Depois de quatro anos em Espanha, ‘Becks’ mudou-se para os Estados Unidos numa transferência "pioneira" para os Los Angeles Galaxy, em 2007. O londrino tornar-se-ia no primeiro jogador de renome em largas décadas a desembarcar no futebol norte-americano com o objetivo de fazer crescer a popularidade do desporto a que lá se chama "soccer", depois de, nas décadas de 1970 e 1980, já ter sido tentada uma estratégia semelhante com nomes como Pelé, Eusébio ou Franz Beckenbauer – aliás, o ‘Daily Mirror’, até escreveu que Beckham estava "numa missão para ter sucesso num país em que até Pelé falhara", referindo-se à indiferença causada pela passagem do Rei nos New York Cosmos.
Quando, em 2012, o icónico médio jogou o seu último jogo pelos LA Galaxy, não era ainda óbvio que o resultado da "missão" de Beckham fosse positivo. Apesar de ter sido recebido à chegada com a pompa e circunstância de nenhum outro futebolista no passado e de ter tido estrelas como Tom Cruise, Eva Longoria ou Arnold Schwarzenegger nas bancadas para o primeiro jogo com a camisola da franquia do estado da Califórnia, houve vários percalços que dificultaram o sucesso total da sua tarefa.
A primeira época ficou marcada por lesões com Beckham a jogar apenas oito jogos pelos Galaxy, e, em 2009, uma outra mazela surtida num dos seus dois períodos por empréstimo no AC Milan – passar um período de tempo no futebol europeu foi uma estratégia emulada por outras estrelas posteriormente, dado os largos meses que separam as épocas para as equipas que não se qualificam para os "playoffs" – fizeram os adeptos norte-americanos ficar desiludidos em relação ao impacto esperado de um craque mundial numa liga que se encontrava em desenvolvimento, levando mesmo a alguma contestação das bancadas. Inclusive, sucedeu um episódio em que Beckham se virou a adeptos que o apelidaram de "fraude".
Habituado à pressão de palcos maiores, as críticas não melindraram Beckham, que ainda levaria a formação de Los Angeles a dois títulos de campeão da Major League Soccer, em 2011 e 2012. O sucesso de David Beckham levou a que os Estados Unidos se transformassem num destino predileto para múltiplos craque nos anos que se seguiram, incluindo aquele que para muitos é o melhor jogador da história, Lionel Messi, que, neste ano, rumou precisamente ao Inter Miami, do qual Beckham é coproprietário.
Simultaneamente, o estatuto de estrela dos Beckham ficou a partir daí solidificado, sendo ambos presenças frequentes na imprensa que abordava os assuntos sociais e nos placardes publicitários espalhados pelo país, nomeadamente os de David Beckham para marcas de roupa interior, enquanto Victoria ganhou prestígio como designer de moda com a sua marca de roupa a faturar mais do que nunca.
No final de contas, o casal acabou por extrair o máximo da decisão de tentar conquistar o seu próprio "sonho americano" e mesmo muito tempo depois dos seus principais sucessos, nos relvados e nos palcos, continuam a ter uma dimensão a que poucos poderão sequer almejar.
