
Uma das coisas que Cristina Ferreira, 47 anos de idade, sempre se orgulha de dizer é que, no final do dia, sabe sempre de onde vem. Uma metáfora para mostrar que os milhões não lhe afastam os pés do chão e que não perde a consciência de que, por maior que seja a bonança, tudo é efémero e que o que verdadeira importa está longe da caxinha mágica. Mas será que sempre assim foi?
Depois de ter trocado a SIC pela TVI, os seguidores caíram-lhe em cima. De repente, não se reviam na postura de diretora toda-poderosa que chegava, via e vencia e pouco dava ares àquela Cristina solta e de gargalhada fácil, com quem era fácil estabelecer uma identificação. Ela, que até ali era como que 'um de nós', de um dia para o outro tornou-se 'num deles', distante, a olhar de cima para baixo. Mais, as suas redes sociais passaram a ser um show off de luxos, de jantares em restaurantes de Estrela Michelin, de viagens que só ela podia pagar, um desfilar de amigos especiais, festas com shots a um estilo quase adolescente, em relação às quais, atenção, ninguém tinha nada contra, apenas gerava estranheza porque era muito diferente da Cristina que durante anos a fio se apresentou aos portugueses.
Manuel Luís Goucha, sempre ao seu estilo honesto, sábio, de quem já anda aqui há muitas luas, foi dos poucos que a chamaram à razão. Numa entrevista, em direto, deixou Cristina desarmada. "Em algum momento achas que a tua postura naquela fase em que regressas [à TVI] foi errada?", questionava, enquanto a estrela dizia, em sua defesa, que havia muito preconceito em relação a uma pessoa que ambiciona muito e chega longe em Portugal. Mas Goucha estava inspirado, deu voz às perguntas que muitos de nós tínhamos na cabeça. "Eu acho que tu podes chegar muito para lá se a tua autoconfiança não se transformar em arrogância".
Às tantas, a entrevista transformou-se quase numa lição de humildade. "O que é que dizes às pessoas que dizem que estás cheia de ti e que perdeste a noção?" ou "Porque é que mostras tanto? [...] Não ostentas? Nas redes sociais não ostentas? Os ricos não ostentam", atirava, como que num aviso sério em relação a não valer tudo. Mas Cristina não encaixou.
Se calhar, na altura, ela própria não conseguia ver o que se estava a passar. Afinal, não será fácil levitarmos um pouco quando, de um dia para o outro, somos o rosto mais bem pago da televisão em Portugal, integramos a administração de um grande grupo de Comunicação Social e decidimos tudo o que se passa num canal sem dar cavaco a ninguém? A mudança foi visível, mas Cristina teve a sabedoria e a humildade de voltar para trás, como se também ela tivesse deixado lá umas pedrinhas, como na história de Hansel. para saber o caminho de casa.
Só ela saberá responder a quais foram as verdadeiras motivações para o fazer, mas visto de fora há algumas coisas que parecem óbvias. Primeiro, com a chegada de José Eduardo Moniz, Cristina percebeu que o seu poder não seria absoluto, que não seria ela sempre a decidir, e que em televisão o que hoje é verdade, amanhã é mentira. Depois, houve o grande processo com a SIC que a confrontou com várias realidades, que a fez viver momentos duros, e também a renegociação do contrato com a TVI, no final do qual admitiu que, no momento de tomada de decisão, estava completamente sozinha. De fora, poderia dizer-se que Cristina amadureceu mais no último ano e meio do que nos últimos dez, em tempos difíceis, que lhe mostraram que a vida tira, mas também dá.
E 2023/2024 foi o ano em que o amor aconteceu finalmente na vida de Cristina. Recentemente, ela admitiu que já era feliz antes de conhecer João Monteiro, e ninguém duvida disso. Mas a apresentadora é também uma romântica incurável, uma seguidora dos contos de fadas e apaixonar-se devolveu-lhe essas purpurinas que andavam mais desmaiadas, ao mesmo tempo que provavalmente a fazia colocar tudo em perspetiva.
Não se sabe se foi propriamente uma causa-efeito, mas não há dúvida nenhuma de que o amor fez bem à apresentadora. Hoje, olhamos para ela e vemos novamente a Cristina. Aquela que partilha as viagens com os fãs, os momentos bonitos que vive, mas que, no final do dia, é mais do que as férias a bordo de um iate. É também a quem tem palavras de aconchego para dizer, a Cristina mais empática que se posiciona ao lado do comum dos mortais, que fala sobre uma Consoada em que não há caterings, mas sim a sua mãe atarefada a fazer os doces.
"Estou no sítio onde cresci, é [para] lá que volto todos os dias. É muito fácil nesta profissão andares a planar e sentires-te maior do que os outros. Quando voltas ao teu sítio, percebes que não mudou nada. Isso foi crucial para eu nunca virar parva. Estar naquele sítio é muito melhor do que estar na televisão. Ninguém compreende isso… Sei o que é o reconhecimento dos outros quando na rua me abordam, quando tenho um lugar no restaurante que outra pessoa não teria porque digo que é para a Cristina Ferreira… Há milhares de vantagens. Mas adorava que, quando saio da televisão, ninguém soubesse quem sou. Era aquilo de que eu mais gostava, porque preciso tanto de ser, só ser. Tento manter sempre essa distância, entre a Cristina da televisão e a Cristina da vida real. A da televisão é a mesma, só que está numa situação de purpurinas", disse recentemente, em declarações aplaudidas pelos fãs, porque agora, sim, soam a verdade.
Mesmo que algures, lá para trás, pudesse estar um pouco inebriada pelo próprio sucesso e rodeada por uma 'corte' que só sabia dizer amem sim, senhor, ela teve a sabedoria de saber que a santa que encontrou, num determinado dia nos seus sapatos Louboutin, talvez tenha sido apenas uma coincidência e não um sinal de que é uma predestinada. Bem-vinda de volta, Cristina!