
Se Gustavo Carona fosse crente em Deus, por esta altura já estaria certamente a questionar a sua fé. É que, depois de ter sido um 'anjo' em plena pandemia, salvado vidas e despindo a camisola para a dar a quem mais precisava nos cuidados intensivos do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, onde esteve na linha da frente do combater à Covid-19, o médico sucumbiu à doença. Daquelas que nos atiram para uma cama, que são incapacitantes.
COMO CHEGÁMOS AQUI...
Tudo teve início quando a pandemia começava a abrandar. Gustavo Carona era, então, um dos rostos mais conhecidos quando o assunto era a Covid-19, depois de ter participado nas 'lives' de Bruno Nogueira, 'Como é que o Bicho Mexe', e aparecido em dezenas de blocos noticiosos a falar abertamente sobre o vírus, e de como os profissionais de saúde estavam cansados das horas infinitas de trabalho. O médico, que tantas vezes alertou para a importância da saúde mental em tempos de pandemia, começou a dar mostras de que ele próprio não estava bem e, depois de dez anos a trabalhar como intensivista, teve o diagnóstico de 'burnout'. Ele estava esgotado psicologicamente."Decidi começar a ter apoio de uma psicóloga, o que foi importantíssimo. Precisei e continuo a precisar de ajuda", assumiu em conversa com Manuel Luís Goucha. Mas depois da depressão veio a dor. Gustavo Carona começou a sentir dores em sítios pouco habituais ao ponto de, ele próprio, médico, conhecedor de todas as doenças, não saber o que tinha. Foi sujeito a uma bateria de exames, enquanto se via obrigado a colocar baixa médica. O pior dos seus pesadelos confirmava-se. A dor impedia-o de fazer aquilo que mais gostava: exercer a profissão e salvar vidas.
"Decidi começar a ter apoio de uma psicóloga, o que foi importantíssimo. Precisei e continuo a precisar de ajuda", assumiu em conversa com Manuel Luís Goucha. Mas depois da depressão veio a dor. Gustavo Carona começou a sentir dores em sítios pouco habituais ao ponto de, ele próprio, médico, conhecedor de todas as doenças, não saber o que tinha. Foi sujeito a uma bateria de exames, enquanto se via obrigado a colocar baixa médica. O pior dos seus pesadelos confirmava-se. A dor impedia-o de fazer aquilo que mais gostava: exercer a profissão e salvar vidas.
"Tive de deixar de exercer com sintomas de dor crónica, que se arrastaram durante meses. Quando me aperecebi que não conseguia exercer, foi a maior tristeza da minha vida, que ainda não está ultrapassada", afirmou o médico, de 41 anos, que num texto emotivo relatou ainda o calvário que têm sido os últimos dois anos. "Eu tenho uma doença. Tenho dor crónica. A causa não é certa, porque a medicina nem sempre nos dá certezas absolutas, mas tudo indica que foi uma bactéria que se chama Borrelia e que nos infecta numa picada de carraça. As minhas dores são nos pés e agravam-se quando estou sentado ou de pé", disse, acrescentando que as dores são permanentes e incampacitantes."Eu tenho uma doença. Tenho dor crónica. A causa não é certa, porque a medicina nem sempre nos dá certezas absolutas""Tenho dor 24 horas por dia, vivo muito dentro do meu quarto, que é uma especie de cela para mim [...] Nada nos põe mais à prova do que uma doença [...] Uma doença que não se cura é algo que não sai, não se afasta, não se dilui no tempo e, assim, o que se acumula são tristezas, amarguras e sofrimento. Pareço normal, mas por dentro estou triste, frustrado, magoado por não conseguir fazer aquilo de que gosto".
"Eu tenho uma doença. Tenho dor crónica. A causa não é certa, porque a medicina nem sempre nos dá certezas absolutas"
"VÁRIAS VEZES PREFERI MORRER"De uma vida extremamente ativa, com muitas horas de trabalho diárias nos Cuidados Intensivos, Gustavo Carona vive agora uma realidade diametralmente oposta. O tempo, que antes era curto para tudo o que tinha para fazer, custa agora a passar e o telemóvel, que não parava de tocar com solicitações, tem andado mudo. O médico assume que a doença o isolou ao ponto de muitas pessoas que considerava amigas lhe terem virado costas. Desilusões para as quais assume que não estava preparado.
"VÁRIAS VEZES PREFERI MORRER"
De uma vida extremamente ativa, com muitas horas de trabalho diárias nos Cuidados Intensivos, Gustavo Carona vive agora uma realidade diametralmente oposta. O tempo, que antes era curto para tudo o que tinha para fazer, custa agora a passar e o telemóvel, que não parava de tocar com solicitações, tem andado mudo. O médico assume que a doença o isolou ao ponto de muitas pessoas que considerava amigas lhe terem virado costas. Desilusões para as quais assume que não estava preparado.
"Perdi o sentido da vida porque nao consigo exercer, não consigo sonhar com as minhas missões [humanitárias], não consigo ter uma vida social minimamente razoável. Sonhos como ter filhos e tudo o mais estão castrados por causa da doença", disse a Goucha, acrescentando que tenta entender e perdoar quem lhe virou costas."Tenho dor 24 horas por dia, vivo muito dentro do meu quarto, que é uma especie de cela para mim""Há imensa soldião, disiludi-me com imensas pessoas, acho que consigo é dizer quais são as exceções. Dizer olá a muita gente não é a mesma coisa que dizermos que temos muitos amigos. As pessoas afastam-se das tristezas. É muito melhor ligar a um amigo que quer ir jantar fora do que a um amigo que diz que está na mer**".Na conversa que teve com Manuel Luís Goucha, Gustavo Carona garantiu que, apesar de se sentir muito triste, mantém a vontade de viver. Mas quando passou as emoções para o papel, no emotivo texto em que falou sobre a doença, o médico diz que foram várias as vezes em que pensou desistir."Perdi o sentido da vida porque nao consigo exercer, não consigo sonhar com as minhas missões [humanitárias], não consigo ter uma vida social minimamente razoável. Sonhos como ter filhos e tudo o mais estão castrados por causa da doença""A minha doença matou-me, e é uma doença que não mata. Matou-me nos afetos e nas emoções, aquilo de que somos feitos. Não em desespero, não em raiva, não em fúria… Várias vezes preferi morrer a ter de viver assim".
"Tenho dor 24 horas por dia, vivo muito dentro do meu quarto, que é uma especie de cela para mim"
"Há imensa soldião, disiludi-me com imensas pessoas, acho que consigo é dizer quais são as exceções. Dizer olá a muita gente não é a mesma coisa que dizermos que temos muitos amigos. As pessoas afastam-se das tristezas. É muito melhor ligar a um amigo que quer ir jantar fora do que a um amigo que diz que está na mer**".
Na conversa que teve com Manuel Luís Goucha, Gustavo Carona garantiu que, apesar de se sentir muito triste, mantém a vontade de viver. Mas quando passou as emoções para o papel, no emotivo texto em que falou sobre a doença, o médico diz que foram várias as vezes em que pensou desistir.
"Perdi o sentido da vida porque nao consigo exercer, não consigo sonhar com as minhas missões [humanitárias], não consigo ter uma vida social minimamente razoável. Sonhos como ter filhos e tudo o mais estão castrados por causa da doença"
Com a doença incurável a não lhe dar perspetivas de quando ou se poderá voltar a exercer medicina, Gustavo Carona tem a vida em suspenso. Aos 41 anos, garante agora que está a reaprender a viver sob novos alicerces.