
Se há homem que sabe o significado das palavras "iniciativa" e "liberal" é, sem dúvida, João Cotrim de Figueiredo, de 60 anos.
Ele, que aos 15 anos andou a pé e de transportes pelas ruas de Lisboa, a bater porta a porta, a tentar vender cabides da marca 'Manequim', a chancela da empresa do avô, João Pinto Figueiredo, a firma da família que o pai herdou, sabe o que é ser empreender e andar com uma carga de cabides às costas a tentar a sorte.
Mas não só: João trabalhou em lojas de roupa, serviu cocktails em bares, lavou pratos, mas guarda até hoje na memória de que vender cabides a bater às portas "é das coisas mais difíceis que se pode fazer". "Convencer pessoas", é a pedra de toque, como garantiu numa entrevista recente à revista Sábado.
O destino, contudo, não deixou o jovem João Fernando pendurado. E o facto de pertencer a uma burguesia bastante remediada, por altura dos anos turbulentos anos do pós-25 de Abril, abriu-lhe portas para o universo dos ricos, entre colegas e amigos.
Estudou na Escola Alemã de Lisboa, graduou-se em Economia pela London School of Economics, tirou em Lisboa um MBA em Administração, Negócios e Marketing na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
Mais tarde, com 39 anos, foi administrador da Compal e da Nutricafés, entre 2000 e 2006 e, nesse mesmo ano, vai parar à Privado Holding, a dona do Banco Privado Português (BPP), a famosa instituição bancária para ricos criada pelo polémico e famoso João Rendeiro, o ex-"patrão" de João Cotrim de Figueiredo que fugiu à justiça e à polícia este verão, voou de jato privado à África do Sul e lá foi apanhado e detido há cerca de um mês.
O "HERDEIRO" DE RENDEIRO
Quando em finais de 2008 rebenta o escândalo financeiro do pequeno banco dos ricos, João Rendeiro ainda tenta resistir às atoardas da comunicação social, às cobranças dos acionistas milionários e às reclamações constantes dos clientes que tentam resgatar os investimentos que tinham feito com base em promessas de retornos chorudos, mas que semana após semana se revelavam impossíveis de cumprir do lado do banco e de resgatar do lado dos investidores.
No ano seguinte, meses depois do início da queda do banqueiro dos ricos, quem assume a liderança do processo de insolvência do banco à beira do colapso é João Cotrim de Figueiredo que, já na pele de presidente executivo, giza um plano financeiro para salvar uma instituição já sem botes ou boias, ou seja, sem salvação.
Cotrim tinha à sua disposição, para salvaguardar a participação no capital dos acionistas da holding no banco, apenas cofres vazios, paredes desnudas de obras de arte e fregueses furiosos a reclamar todos os dias à porta.
Os acionistas milionários chumbam-lhe o plano, que implicaria perdas irremediáveis nos seus investimentos, e João Cotrim recebe, ao mesmo tempo, um convite irrecusável da espanhola Prisa, o grupo de comunicação dono da TVI, para se sentar na cadeira de diretor-geral da empresa.
Fica por lá pouco mais do que um ano e bastou o PSD e o CDS tomarem posse governamental em 2011, após a queda do derradeiro Governo de José Sócrates, para Cotrim de Figueiredo - que nunca escondeu a amizade pessoal com Adolfo Mesquita Nunes, o delfim do CDS que tinha assumido a pasta de secretário do turismo -, e aceitar o cargo de Presidente do Turismo de Portugal, onde fica até 2016, quando o PS volta ao poder e os cargos de confiança política são "remexidos".
O desde 2019 deputado único da Iniciativa Liberal deixa o cargo máximo no turismo nacional em alta e pôde orgulhar-se de ter estado envolvido nas negociações que levaram a que a Web Summit, idealizada pelo irlandês Paddy Cosgrave, CEO e co-fundador da mesma, viesse para Lisboa, onde ainda permanece.
A experiência das negociações duras e o trato cordial serão, consta quem o conhece, uma das características do agora parlamentar. Quem o conhece bem é Cristina Ferreira, a mais conhecida apresentadora de televisão e agora também ela agora diretora e acionista da TVI.
"AMO-TE MUITO CRISTINA"
Quando estava na SIC, em outubro de 2019, Cristina recebeu no seu programa das manhãs o deputado da Iniciativa Liberal acabadinho de ser eleito e revelou um grau de amizade e intimidade que o público desconhecia.
Aliás, no final da conversa, enquanto o público no estúdio batia palmas, João Cotrim de Figueiredo abraçou a diva da TV e sussurrou-lhe algo ao ouvido que a apresentadora fez depois questão de partilhar, desvendando, nas suas redes sociais: "Acabou a conversa num abraço e a sussurrar-me 'amo-te muito'. Há pessoas que entram na nossa vida para não mais sair", rematou a apresentadora, ilustrando com um 'emoji' em forma de coração.
Para entendermos o nível de intimidade entre ambos temos que recuar ao período entre abril de 2010 e outubro de 2011, quando João Cotrim de Figueiredo ocupou, vindo diretamente do BPP, o cargo de diretor-geral da TVI.
"ERAS BOM DEMAIS PARA A TVI"
"Foram anos muito bons", recordou Cristina Ferreira na mesma conversa, desfazendo-se em elogios diretos ao ex-chefe. "Deixa-me dizer-te publicamente que és o diretor do coração. E isto não é desmerecer o trabalho de nenhum outro. E isto por uma coisa: se hoje fores perguntar, nos corredores da TVI, qual foi o diretor que conhecia os nomes até de um empregado de limpeza, não há ninguém que não diga que não és tu. E isso não é para todos. Costumo dizer que eras bom de mais para a televisão".
Cotrim de Figueiredo ficou emocionado e meio embaraçado, agradeceu as palavras de Cristina e ofereceu-lhe um presente: uma moldura com uma fotografia em que a então apresentadora da SIC surgia na TVI ao lado dele e de Marcelo Rebelo de Sousa, o atual Presidente da República, mas na altura apenas comentador político aos domingos na estação de Queluz de Baixo.
COTRIM LANÇOU CRISTINA A SOLO
Cristina Ferreira terminou a entrevista com uma declaração de amizade: "Gosto tanto de ti", frase que impeliu o deputado a revelar uma conversa que tiveram no seu gabinete na TVI e que mudou para sempre a vida da apresentadora.
"Lembras-te da primeira conversa a sério que tivemos. Resististe para aí durante dez minutos, ou mais, à minha tese de que eras capaz de fazer muito mais do que estavas a fazer na TVI? Achavas que ainda não sabias fazer coisas sem o Manel [Luís Goucha] e eu disse-te: 'Cristina, és capaz e vamos fazer por isso. Vamos criar-te as condições para seres bastante mais do que estás a fazer hoje'.", relembrou, referindo-se ao programa 'Somos Portugal', que profissional apresentou na TVI entre 2011 e 2017.