'
THE MAG - THE WEEKLY MAGAZINE BY FLASH!

O mundo dos grandes chefs está podre? A realidade segundo Anthony Bourdain e o que vai acontecendo por aí...

'Cozinha Confidencial', o primeiro desabafo em forma de livro de Anthony Bourdain, continua a ser uma bíblia para todos os que têm pretensões a conhecer o submundo da restauração. Mas será que as coisas se passam mesmo assim? Que mundo é este, o dos chefs? Que verdades e mitos há nesta alquimia da grande cozinha? Fomos tentar descobrir...
Luísa Jeremias
Luísa Jeremias
17 de agosto de 2023 às 22:47
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
pub
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
pub
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
pub
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
pub
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
pub
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio, Dead Combo
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio, bulhão, porto
pub
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio, bairro alto, lisboa, António Lobo antunes
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio, Dead Combo
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio, bulhão, porto
Anthony Bourdain, chef, sem reservas, nova iorque, mundo, culinária, suicídio, bairro alto, lisboa, António Lobo antunes

Capítulo 1. 

Welcome to New York 

O Carlyle é um daqueles hotéis como já quase não existem mundo fora. Situado no Upper East Side - lateral mais fashion de Central Park, Nova Iorque, onde moram os que são verdadeiramente ricos e não querem sair da cidade, em apartamentos gigante ao estilo Roy Logan, o patriarca da série 'Succession', mantém a fama de ser o hotel preferido da princesa Diana, aquando das suas estadias em NYC. Entrar ali não é propriamente um deslumbre: em pleno verão na "cidade que não dorme" as salas que dão as boas-vindas ao icónico hotel estão em obras, e mais parecem um estaleiro pós-festa, ou melhor, pós-congresso de uma multinacional com dinheiro para pagar o espaço e o álcool da noite anterior. 

A princesa Diana no The Carlyle, Nova Iorque, o seu "hotel favorito"
A princesa Diana no The Carlyle, Nova Iorque, o seu "hotel favorito" Foto: getty images

Primeiras impressões ultrapassadas vamos ao que interessa: Dowling's é o restaurante de que se fala. Remodelou a sala onde, agora, os quadros espalhados pelas paredes prendem a nossa atenção, contratou um novo chef, Sylvain Delpique, um dos 'enfants terrible' da nova cozinha nova-iorquina e renovou totalmente a carta, não esquecendo, evidentemente, os clássicos. Dowling's limita-se a seguir uma tendência da cidade: o regresso ao passado que se torna trend. Começou pelo bar do hotel, onde (imagine-se) os young adults fazem da noite aqui paragem obrigatória, e segue no restaurante. A frequência dos almoços é diferente dos jantares: de dia os eternos clientes, com mais de 60 anos, maioritariamente habitantes do bairro, à noite os que querem "estar informados". 

Antonio, o chef de sala de origem - como o nome indica - de ascendência italiana faz as honras da casa. Ah, as ostras são obrigatória. "Eu podia comer uma dúzia", assegura. "São pequenas, vêm de Cape Cod, 'you will love them! I can't get enough'", continua, em defesa das ditas, por detrás dos seus óculos saídos dos anos 70 e num inglês digno de Sony Corleone em 'O Padrinho'. "Whatever you say!" Vêm as ostras, vem o tártaro preparado na mesa, vêm dois porto-riquenhos dizer umas larachas à mesa, conversamos todos sobre casamentos e ostras e como se quer a carne, e vem o chef. Fim de conversa visceral, início de coisa séria. Mr. Delpique não está ali para perder o seu tempo em "conversas" está para (re)fazer uma casa. E a consegui-lo. Mas sem Antonio, nunca conseguirá os mesmos resultados. 

 

Capítulo 2. 

Os primeiros anos de Monsieur Bourdain, aliás, Tony

Nova Iorque será sempre Nova Iorque: a terra de acolhimento, o caldeirão de culturas que fazem da cidade um prato de sabor único, preparado com o melhor de muitos mundos. No Carlyle é impossível não pensar em Anthony Bourdain, nova-iorquino, e em tudo o que bebeu da sua cidade - e depois do mundo - levou para a sua cozinha e mais tarde para os seus programas de televisão. Se dúvidas houver o melhor é ler 'Cozinha Confidencial', o seu primeiro livro - está traduzido e editado em Portugal pela Casa das Letras - para perceber a sua relação primeiro com as ostras, e depois com a cozinha. 

Sim, foram as ostras que mudaram a sua vida, despertaram a sua sexualidade - nem outra coisa seria de esperar - e o fizeram querer entrar neste mundo de magias. "E num instante inesquecivelmente doce da minha história íntima, o tal momento ainda mais vivo do que tantos outros 'primeiros' que se seguiriam - primeira rata, primeira baganha, primeiro dia de liceu, primeiro livro publicado, ou outros quaisquer - cheguei à glória. Monsieur Saint-Jour chamou-me até à amurada e esticou-se tanto que a sua cabeça quase desaparecia debaixo de água, para depois emergir segurando na mão grosseira uma única ostra, encrostada de lodo, enorme e irregular. Com uma navalha retorcida e ferrugenta abriu a coisa e passou-ma (...) Peguei-lhe com a mão, inclinei a concha na minha boca segundo as instruções de Monsieur Saint-Jour, agora radiante, e com uma dentada e uma chupadela, enfiei-a pelas goelas abaixo. Sabia a água do mar... a salmoura e carne... e, de algum modo, a futuro. Agora era tudo diferente. Não tinha apenas sobrevivido - tinha apreciado."

Nesta época Bourdain era simplesmente um adolescente a encontrar-se, sequioso de experiências e formas de mostrar ao poder paterno a sua maturidade. Mas é isto que marca o seu estilo para sempre. 'Cozinha Confidencial' é sobre isso: não é um livro queixinhas sobre as alarvidades que se cometem nas cozinhas dos grandes restaurantes, dos charros que se fumam na copa, da cocaína que se cheira. Não é um livro-denúncia. Longe disso. Muito longe disso. É antes uma gargalhada feliz sobre paladares, misturas, influências e todos os prazeres que a cozinha pode trazer. O que quer que isso signifique...

Em 'Cozinha Confidencial' passa-se revista muitos prazeres clandestinos, sem julgamentos. Comida é boca. É palato. É prazer. A partir daqui, que a imaginação reine a partir das páginas e páginas de descriçõesbem apimentadas da vida louca nos restaurantes por onde Bourdain passou, as infâmias que teve de ouvir, as que disse, como cresceu e como aprendeu a relatar isto tudo como se de um filme se tratasse. Não é por acaso que o livro foi best-seller e também não é por acaso que quase não conseguimos conter a emoção ao pensar que este narrador exímio já não está entre nós. Uma pena. Uma perda gigante. 

Capítulo 3. 

Os discípulos de Bourdain ou "isto é mesmo assim?"

A biografia 'Viagens pelo Mundo', de Anthony Bourdain - também editado pela Casa das Letras - tem prefácio de Ljubomir Stanisic. Não é por acaso. Ljubo, o chef jugoslavo (é assim que ele gosta de ser apelidado) acredita ser um discípulo de Bourdain. E é. Pelo menos parcialmente. 

Bourdain, com ascendência francesa, transformado em Tony nas vielas sujas e conhecedoras de NYC, capaz de misturar requinte com comida de rua, entendedor nato de qualquer um destes ensinamentos, tinha um calcanhar de Aquiles - que ao mesmo tempo era o seu maior mérito -: a curiosidade. Se as páginas de 'Cozinha Confidencial' não forem suficientes para perceber isso, a série de programas 'Places Unknown', que criou para CNN internacional, não deixam qualquer margem para dúvida: do Afeganistão em guerra, à festa de sangue com as matanças de animais no Congo... tudo ali tem lugar, tudo é palato, tudo é cozinha, tudo são sentidos. Prazer e dor misturam-se. Sabor e perversão também, como num ritual de iniciação, numa gigante festa onde qualquer coisa pode acontecer, em nome da experiência.

Se olharmos o instagram de Ljubomir Stanisic ele é tão esteta como avassalador. À imagem do seu "dono" e do restaurante que continua a ser o seu 'bijou': o '100 Maneiras', no Chiado, Lisboa. Ali jantamos com cabeças de porco a olharem-nos. E é se queremos. Na rede social do chef vemos isso e outras provocações: carme, vísiceras, a essência profunda do homem. Entranhas, os resquícios da guerra por onde passou e que faz questão em não esquecer e muito menos esconder. Stanisic, se não fosse chef seria certamente talhante - faz disso gaúdio, diga-se - na melhor designação do termo. Ele gosta de sangue, de carne, de facas. Ele sabe cortar, trinchar. Como Bourdain. Ambos não têm vergonha da cozinha e do que ela transmite. Cozinha é prazer. É a essência do homem. Segue-se a civilização, que torna ambos especiais. 

Será assim com todos os chefs? Esta obsessão, esta ligação à carne, à pele, ao que mais instintivo há no homem e que, ao harmonizar-se com a sofisticação gourmet se pode transformar em algo incrível? É claro que não! Sob pena da cozinha se transformar numa barbárie incontrolável. A genialidade de Bourdain - o chef e o storyteller - e a especificidade de Stanisic devem-se às suas vivências e à total ausência de "bom senso social" - em ambos os casos. Funciona, essa é a verdade, e cria uma escola. 

Mas a cozinha é mais do que essa verdade nua e crua e tão vendável a quem a olha como se de um romance se tratasse. 

Em 'Cozinha Confidencial', tal como no recente documentário produzido pela Netflix, 'O Eterno Viajante', fica claro que dos "fantásticos mas que em nada se distinguem da maioria discreta" não reza a História. Grandes chefs... desconhecidos. Gente especial... que fica. Como ele. Isso faz da cozinha um laboratório de 'pop stars'? 'Divas', cheias de manias, com uma personalidade própria intensa, fascinante, irreproduzível? Evidentemente!

Passaram cinco anos sobre a morte de Bourdain, um fim pensado, num quarto de hotel. E, no entanto, continuamos a falar dele, como de Lennon, como falaremos de Mick Jagger ou Iggy Pop quando nos deixarem. No fundo, é como um caril intenso: não se esquece. Ao contrário do "bem feito, mas que agrada a todos", que não faz história. Como diria Antonio, que também faz parte da singularidade do Carlyle, "we can't get enough..." Isso é a magia das pessoas. E da cozinha. Deliciosa... e ao mesmo tempo inexplicável.

você vai gostar de...


Subscrever Subscreva a newsletter e receba diariamente todas as noticias de forma confortável