Nas histórias para assustar crianças, a herdeira de um império Ghislaine Maxwell é a vilã que oferece presentes, bolsas de estudo e viagens para atrair as vítimas para o seu saco. Fiel a Jeffrey Epstein, "a madame", como ficou conhecida, teria alimentado os piores desejos do pedófilo norte-americano e agora está no banco dos réus. Mas como a nona filha de um magnata dos média conheceu o empresário de Manhattan? E como passou de namorada à confidente e alegada cúmplice? Tudo começou e terminou com duas mortes misteriosas.
Na terça-feira, 30, o segundo dia do julgamento por tráfico sexual de menores e abuso sexual, Ghislaine viu uma mulher contar detalhes das orgias e outros atos sexuais em que supostamente participava com menores.
O ano era 1994. Ghislaine teria levado mais uma vítima de 14 anos para o quarto do namorado. No tribunal, a mulher e alegada vítima, agora com 40 anos, pediu para ser chamada de Jane.
"Eles começaram a acariciar-se", descreveu Jane, "a rir casualmente". "Ele pediu-me para tirar o top. Depois havia mãos em todo o lado e Jeffrey continuou a masturbar-se. E Ghislaine estava a roçar-se nele, a beijá-lo". Outras vezes, Ghislaine levava a mulher à sala de massagens para mostrar como Jeffrey Epstein gostava de ser massageado, relatou ainda.
Por esta altura, Ghislaine e Jeffrey já se conheciam há pelo menos três anos, mas a data e as circunstâncias em que foram apresentados não são certas. Alguns citam o final dos anos 1980, outros falam em 1991, um ano marcante para Ghislaine.
A MORTE DO PAI E O INÍCIO DA NOVA PARCERIA
Naquele ano, a filha mais nova do magnata dos média britânico Robert Maxwell despediu-se do pai de uma forma dramática. Ghislaine cresceu numa mansão no Reino Unido de 53 quartos a ser mimada pelo pai, estudou na Universidade de Oxford, trabalhou nas empresas da família e Robert chegou a homenagear a filha ao nomear o seu iate Lady Ghislaine. Foi nesse barco que o empresário desapareceu ao largo das ilhas Canárias, Espanha, em 1991, tendo sido depois encontrado morto no mar, nu. As autoridades deram como causa da morte afogamento, mas Ghislaine estava convencida de que tinha ocorrido um crime. "Ghislaine sempre acreditou que ele foi assassinado, e ela está sozinha nisto. É a sua profunda convicção que foi isso o que aconteceu", contou um dos irmãos da socialite, Ian Maxwell à 'ABC'.
A polémica com a morte do homem forte do grupo do jornal 'Mirror' não acabou aí. Robert estava a tirar centenas de milhões de libras de fundos de pensões das empresas. Os filhos Ian e Kevin foram acusados e julgados por crimes fiscais - tendo sido considerados inocentes - mas a fortuna e o lugar de Ghislaine na sociedade de Londres estavam comprometidos. Foi quando ela decidiu mudar-se para Nova Iorque.
Na nova morada, Ghislaine seguia o mesmo ritmo de vida a circular entre as festas dos empresários e famosos. "É uma socialite. Claro que ela estava em todo lado, com toda gente, a toda hora até ter ido para a prisão", disse o escritor Nigel Cawthorne à 'ABC'.
Ao lado de Jeffrey Epstein, na altura um ambicioso financeiro, Ghislaine organizou festas com convidados como Donald Trump, o príncipe André e os Clinton. Nas palavras da socialite, ela era uma consultora de Jeffrey - decorava as suas casas e ajudava a contratar funcionários desses mesmos imóveis -; para o empresário, Ghislaine era a sua "melhor amiga". Para as mulheres que agora são ouvidas em tribunal, Ghislaine é "a número 2" no esquema de Jeffrey Epstein.
No depoimento de três horas, a primeira alegada vítima também acusou Ghislaine de abuso sexual. É uma das raras declarações neste sentido contra a socialite, que até agora era apresentada como a pessoa que preparava as meninas que seriam abusadas por Jeffrey.
"Nestes incidentes, Ghislaine tocava o seu corpo?", questionou o procurador. "Sim", respondeu Jane, antes de falar das orgias na mansão de Jeffrey na Flórida. Os convidados do empresário eram "abruptamente" convocados ao quarto de Jeffrey. Ghislaine "e os outros iam tirar a roupa. Jeffrey ia para a marquesa de massagens. Isso ia transformar-se numa orgia".
A ÚLTIMA LIGAÇÃO COM JEFFREY EPSTEINA cumplicidade de quase 30 anos de Ghislaine Maxwell com Jeffrey Epstein acabou em 2019, com a morte do empresário numa prisão de Nova Iorque, enquanto ele aguardava julgamento por exploração sexual de menores.Na altura, o enforcamento do homem de 66 anos levantou várias suspeitas. Jeffrey estava sob vigilância policial no momento em que tirou a própria vida, tinha negado há pouco tempo ter pensamentos suicidas e enfrentava novas acusações de abusos de menores.
Um patologista contratado pelo irmão de Jeffrey reacendeu as teorias da conspiração. Michael Baden disse que encontrou no corpo do empresário duas fraturas do lado esquerdo e uma do lado direito da faringe. Tinha também o osso hioide partido. "Estas três fraturas são extremamente incomuns em enforcamentos suicidas", disse, acrescentando que o empresário tinha "hemorragias nos olhos", "o que não é comum em casos de suicídio por enforcamento".
A confirmação de que tudo foi mesmo suicídio chegou em outubro, no relatório final das autoridades.
O ESCONDERIJO MILIONÁRIONesta altura, Ghislaine já estava em fuga, suspeita de aliciar as jovens vítimas da rede de tráfico sexual. Após a morte de Jeffrey, a socialite pagou em dinheiro um milhão de dólares por uma mansão Bradford, New Hampshire, uma localidade com apenas duas mil pessoas, escondida entre montanhas e uma floresta, a seis horas de carro de Nova Iorque.
Apesar de ter vivido longe dos olhares de todos durante sete meses nesta mansão, Ghislaine acabou por ser apanhada numa manhã de julho de 2020 pelo FBI. De acordo com a 'ABC', o relatório da detenção diz que ela tentou fugir pelo outro lado da casa, mas foi detida numa sala interior. Junto da socialite estava um telemóvel embrulhado em papel alumínio para, em vão, não ser localizada.
Os agentes descreveram-na como "uma personagem de James Bond" que "se esgueirou para uma propriedade deslumbrante".Ghislaine Maxwell nega todas as acusações, os seus advogados argumentam que a antiga parceira de Jeffrey Epstein está a ser usada pela Justiça norte-americana, que não conseguiu levar o empresário a tribunal.
