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Pedro Mourinho conta como escapou debaixo de uma chuva de obuses russos... e só pensa em regressar à Ucrânia em reportagem: "O hotel só tremeu duas ou três vezes"

O relato da guerra na primeira pessoa: O jornalista Pedro Mourinho contou tudo à The Mag: da fuga repentina debaixo de obuses fora de Kiev; do carregamento que levou na mochila, movido a instinto de sobrevivência; da indiferença que sentiu ao fim de ouvir 50 explosões e 50 toques de sirene; que esteve para desobedecer à sua estação e às ordens do Estado português; e de um desejo secreto... e meio louco.
João Bénard Garcia
João Bénard Garcia
10 de março de 2022 às 23:37
Pedro Mourinho
Pedro Mourinho
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Pedro Mourinho

O jornalista e pivô de informação da TVI/CNN Pedro Mourinho, de 49 anos de idade, não esteve apenas no centro da capital Kiev a ouvir os bombardeamentos ao longe e a relatá-los da varanda do seu quarto de hotel. À The Mag, o repórter de guerra revela tudo o que passou: que esteve num local a que chamavam "território de ninguém", e que, minutos depois, "foi bombardeado com obuses lançados pelas tropas russas" e teve de fugir.

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Bombardeamento destrói hospital pediátrico em Mariupol

Mas não relata apenas este episódio como tendo sido a situação mais grave que viveu na Ucrânia. The Mag entrevistou o homem que foi o rosto da serenidade televisiva no meio do pânico da guerra e que revela como e porque se manteve calmo, mesmo com os ruidosos rebentamentos de bombas na sua retaguarda e o hotel a estremecer.

"Eu, por acaso, estive numa das frentes de guerra, na zona de Irpin, no caminho para Busha. Um dia antes de me vir embora de Kiev estive entre Irpin e Busha. Um dia que até parecia calmo porque era de negociações e, durante a madrugada, tinha havido ali uma espécie de tréguas", relata o jornalista sénior da TVI/CNN.

Numa zona aparentemente livre de disparos, tudo mudou no momento em que Pedro Moutinho e o repórter de imagem Nuno Quá estavam em trabalho de reportagem. "Não tinha havido praticamente disparos ali no 'território de ninguém' que separava ucranianos de russos e tivemos de nos retirar porque entretanto começaram a disparar obuses e armas ligeiras. Não estivemos só em Kiev, chegámos a andar 30 quilómetros para o lado de Kiev", recorda.

Nesta linha da frente em concreto, ao contrário das proteções que os abrigos de uma cidade podem proporcionar, Mourinho e Quá ficaram sem rede e, em vez de darem notícias, poderiam ter passado a ser eles parte do relato de alguém... "Onde estávamos não havia um abrigo planeado. Não tínhamos comida. Estávamos do lado dos militares ucranianos e sentíamos essa segurança, tanto que acabámos por escapar no momento em que eles nos disseram para sairmos porque estava a haver um bombardeamento de artilharia pesada. Foi o que fizemos e por isso não houve uma questão de maior", descreve,  com alívio.

"Onde estávamos não havia um abrigo planeado. Não tínhamos comida. Estávamos do lado dos militares ucranianos"

Pedro Mourinho

PRIMEIRA GUERRA A SÉRIO

Esta experiência de três semanas num país à beira da guerra e depois formalmente invadido, foi, contudo, a primeira em que Pedro Mourinho esteve numa zona com guerra ativa. Há 26 anos já tinha sentido o mesmo cheiro de destruição que o conhecido e polémico 'chef' Ljubomir Stanisc viveu e descreve várias vezes na sua jugoslávia natal, mas o repórter não sentiu, como o cozinheiro, o som dos rebentamentos e dos tiros de espingarda, ou viu a morte na ponta da destruição amarga das bombas.

"Em 1996 tinha estado na Bósnia, mas fui numa fase em que já não havia conflito. Havia um medo grande e uma cidade de Sarajevo praticamente destruída. Estavam lá os militares da ONU e esse foi o cenário de guerra mais parecido com a realidade a que assisti, antes deste de Kiev, claro", salienta.

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Rússia divulga vídeo de tanques na região de Kiev no momento em que anuncia abertura de corredores humanitários

Questionado sobre quais as medidas de precaução que tomou em Portugal, antes de partir para o terreno, onde esteve três semanas, das quais com seis dias de guerra, Pedro Mourinho garante que se preparou para o pior, e sempre com coisas e métodos muito simples, próprios do instinto de sobrevivência do ser humano: "Antes do início da guerra tentámos preparar-nos da melhor forma que podíamos para uma adversidade desta natureza. Levámos uma mala cheia de alimentação que fosse rápida e que tivesse algum valor energético. Tínhamos que saber onde era a entrada do metropolitano, se nos tivéssemos que nos esconder de repente, e isso sim, estava tudo bem preparado", afiança.

TODA A PREPARAÇÃO PSICOLÓGICA

Com a mochila carregada de rações de combate e uma treinada referenciação geográfica, a equipa Mourinho e Quá tratou de manter a cabeça sempre fresca e focada. "E depois há uma preparação mental que eu imagino que se adquire mais na altura em que começas a ouvir os primeiros bombardeamentos. Em que começas a ter noção e a tomar conhecimento do que é uma guerra propriamente dita. Foi a primeira guerra em que estive. Imagino que uma guerra em África seja diferente. É uma questão de percebermos no momento qual é a resistência do ponto de vista psicológico que temos para aguentar uma situação daquelas", reflete.

"Foi a primeira guerra em que estive. Imagino que uma guerra em África seja diferente. É uma questão de percebermos no momento qual é a resistência do ponto de vista psicológico que temos para aguentar uma situação daquelas"

Pedro Mourinho acredita que ter tido uma "boa química" com o seu cameraman foi essencial para resistir a todas as adversidades: "Tanto eu quanto o Nuno Quá, o repórter de imagem que estava comigo e que foi importantíssimo também, tivemos uma ótima relação. Não nos conhecíamos antes de termos partido para o terreno", mas partilharam todas as preocupações e tomaram decisões em conjunto. E congratula-se agora pelo resultado final: "Foi muito importante ir conversando e percebendo até que ponto nós podíamos ir. Até onde ir em termos de segurança. No fundo, qual era a nossa zona de conforto dentro daquele desconforto grande que era uma guerra e isso correu tudo bastante bem do ponto de vista de trabalho".

O jornalista salienta que ambos estiveram empenhados e alinhados nos objetivos e que a ambição foi cumprida, apesar da retirada antecipada por motivos de segurança: "Percebemos que tínhamos uma missão ali: que era a de informar, de tentar dar as melhores imagens, a melhor informação, cobrir a maior quantidade possível de coisas, mas tendo em conta que tínhamos que regressar sãos e salvos".

Durante duas das três semanas que permaneceram em solo ucraniano, os repórteres Mourinho e Quá puderam testemunhar e também medir o pulso a uma capital vibrante, cheia de animação, e também com uma população cética de que ia mesmo acontecer a guerra. "A maioria das pessoas achava que não ia haver guerra", relembra o jornalista da TVI/CNN. "Estavamos preparados para estar numa cidade em paz, efervescente, com uma vida incrível. E, de repente, de um momento para o outro, transformou-se numa cidade em guerra, com bloqueios nas estradas, com recolheres obrigatórios, com a lei marcial nas ruas", conta, constatando que, para esta realidade, tudo é possível de acontecer, e ao mesmo tempo imprevisível: "Desse ponto de vista não há um manual de instruções que te prepare para isso. Há o momento que se vive e tu vais reagindo àquilo que vês, sentes e podes fazer. Desse ponto de vista não levava um manual de instruções, nem uma preparação com pontos escritos sobre o que tenho que fazer".

"A maioria das pessoas achava que não ia haver guerra"

E prioridades? "Essas estavam muito bem divididas: Saber que tínhamos que fazer o nosso trabalho, cumprir acima de tudo a nossa missão de jornalistas, mas com segurança. A partir do momento em que não houvesse segurança recolhíamos aos bunkers". 

DA CALMA APARENTE AO SOM DAS SIRENES QUE SE TORNA NORMAL

Quando perguntamos a Pedro Mourinho como conseguiu manter um relato sereno dos acontecimentos, o repórter sorri e explica: "Em relação à minha prestação no momento, não me consigo colocar no papel de uma terceira pessoa para a ver. Já vi as imagens e, na realidade, aquilo sou eu. Eu sempre fui assim e quem me conhece bem sabe que às vezes pode estar o mundo a acabar, mesmo na redação, e eu seria sempre capaz de manter essa serenidade e portanto fui ali o mais natural possível. Sou uma pessoa muito serena, não ia entrar em histeria. Não sei bem o que é isso. Acho que na realidade nem consigo ser muito histérico".

"Sou uma pessoa muito serena, não ia entrar em histeria. Não sei bem o que é isso"

A família e os amigos cá longe foram sempre uma preocupação do jornalista. "Tentei transmitir um lado menos preocupado porque tenho família, amigos, pessoas que trabalham connosco e elas também têm que se manter serenas. E na realidade os bombardeamentos estavam a acontecer a 20 Km e por isso não havia razão para entrar em histeria. Apenas ser objetivo e rigoroso naquela informação, na medida do que era possível, porque àquela distância não sabíamos muito bem o que estava a suceder", reconhece.

E talvez por ter sido obrigado a abandonar um cenário de guerra com a sensação de trabalho inacabado o repórter sinta alguma frustração e um desejo implícito. "Confesso que preferia ter optado por ficar, por uma questão de trabalho, porque não estava ainda a sentir esse risco de que se fala. Vim um bocadinho contrariado, na realidade. Eu e o Nuno Quá queríamos ter ficado, mas percebemos que para a estação foi uma questão de dar segurança aos seus repórteres. Desse ponto de vista não podemos desobedecer e não nos podemos esquecer que o Estado português fez ali um esforço grande para nos retirar de Kiev".

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Soldados ucranianos casam-se em Kiev em plena guerra

Instado a explicar se sente algum tipo de trauma depois dos seis dias de guerra que experimentou, Mourinho é taxativo: "Não tenho sentido nada em particular a não ser uma enorme vontade de voltar a Kiev. Há uma parte ali que faltou dar. Ou o fim do conflito. O agravar ou desagravar do conflito. Estávamos sempre à espera que a coisa piorasse. Faltou esse lado… Parece um bocado estranho dizer isto assim, mas basicamente saímos a meio do nosso trabalho e isso deixou-nos entristecidos desse ponto de vista profissional. Gratos por termos saído com saúde e vida e estarmos junto dos nossos, mas entristecidos".

Solicitámos ao conhecido jornalista e pivô que nos avançasse algo que tenha aprendido e que o tenha marcado nesta experiência, e ele destacou uma: "O que aprendi, naquela zona de guerra, é que, ao fim de uns dias, o som dos rebentamentos e até das sirenes acaba por se tornar normal. O que apesar de ser um som arrepiante e de nunca te deixar indiferente é diferente ao fim de 50 vezes do que ouvir pela primeira vez. Com os rebentamentos também a mesma coisa. Eram distantes e o hotel só tremeu duas ou três vezes". Só...

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