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Sim, Chef! Por Vítor Sobral - episódio 4

Fomos com o chef ao mercado de Campo de Ourique, o bairro que começou por conquistar com o Tasca da Esquina. Aí experimentámos uma receita inédita, preparada especialmente para a ocasião: jaquinzinhos fritos com creme de abacate, coentros e limão. O mais português dos pratos com um twist. Eis Vítor Sobral, o cozinheiro tornado empresário e uma das maiores referências da gastronomia nacional.
Hélder Ramalho
Hélder Ramalho
12 de agosto de 2021 às 20:00
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Campo de Ourique é um dos bairros mais apetecíveis de Lisboa. Apesar das transformações do últimos anos mantém a matriz familiar. Basta pararmos um pouco e observar o despertar do bairro pela manhã. Pais que caminham com os filhos, a pé, pelo Jardim Teófilo Braga ou Jardim da Parada; vizinhos que param à conversa frente à Igreja do Santo Condestável; conhecidos que se cumprimentam de forma calorosa, denunciando cumplicidades de partilharem o bairro desde há muito.

Ainda assim, o bairro está diferente. Já foi "dos artistas", agora diz-se "dos franceses", pela vasta comunidade francófona que aqui se instalou nos últimos anos. Mas também há italianos e chineses. Predominam as lojas de rua e o estacionamento é uma dor de cabeça para quem aqui vive. Também o mercado continua a servir os moradores do bairro com produtos de qualidade, frescos como se querem. Desde o peixe à carne, das frutas e legumes aos frutos secos.

Este foi o bairro adotado por Vítor Sobral, 53 anos de idade, para abrir parte dos seus restaurantes. Mas já lá vamos. Sobral é uma referência na gastronomia portuguesa. Desde sempre soube que queria ser cozinheiro. Um desígnio que cedo começou a descobrir, em tenra idade, aos 7 anos, encorajado pelos pais. "Sempre quis ser cozinheiro. Tive uma ajuda fantástica da minha família, sobretudo do meu pai e da minha mãe, no sentido de incentivarem-se. Com 13, 14 anos tinha a certeza absoluta que queria ser cozinheiro."

Vítor Sobral, chef, cozinheiro, tasca da Esquina
Vítor Sobral, chef, cozinheiro, tasca da Esquina

Marcámos encontro na Padaria da Esquina. Sobral chegou cedo, cumprimentou a equipa e pediu um pequeno-almoço rápido. Entre telefonemas e dentadas na torrada, explica o que faz o sucesso desta padaria: "Aqui é tudo feito com massa-mãe, tudo é feito com produtos naturais, não entra nada na padaria que seja químico. Não há, em Lisboa, melhor bolo de arroz que o nosso." Efetivamente, este bolo de arroz faz-nos viajar no tempo, até aos sabores da infância.

O pequeno-almoço foi sendo interrompido por indicações que urgiam ser passadas aos colaboradores. "Como cozinheiro, fui obrigado a ser empresário, e esta coisa de ser empresário cozinheiro é muito desgastante. Ninguém tem formação de empresário, aprendemos um bocadinho na pele." E, com "aprender na pele", significa, para além de tudo o resto, enfrentar uma crise que dura há ano e meio, a manter equipas a trabalhar e estabelecimentos a funcionar.

Ao lado da Pastelaria da Equina está o Mercado de Campo de Ourique. Uma visita às bancas do peixe e o almoço fica decidido: "Vamos comer jaquinzinhos fritos e uma feijoada de feijão fresco com lulas." Vítor Sobral nem sempre tem tempo de ir às compras "à praça". O lado de empresário não lhe permite. O ritual fica reservado para quando tem de preparar uma refeição mais especial. "Cozinho em todo o lado: em casa dos meus pais, em casa dos meus amigos, em minha casa. Onde estou, estou a cozinhar porque faço com gosto." E é no mercado que Sobral encontra uma qualidade que não abdica: a frescura. "A cozinha só tem duas coisas: produtos que são frescos e produtos que não são frescos." Há uma outra máxima de vida que não se cansa de repetir: "Não comam nada que não saibam como é feito."

Vítor Sobral, chef, cozinheiro, Mercado Campo de Ourique
Vítor Sobral, chef, cozinheiro, Mercado Campo de Ourique Foto: D.R.

Para preparar o almoço, Vítor Sobral recebe-nos na Tasca Da Esquina, a primeira de todas, nascida em 2009, no bairro de Campo de Ourique, pois claro. E o nome do restaurante não tem nada a ver com a localização. Nasceu de uma expressão popular, bem portuguesa – a portugalidade é uma característica intrínseca do trabalho de Vítor Sobral. "Em minha casa, alguém disse 'achas que isso é a tasca da esquina ou quê?' e eu não sabia que nome havia de pôr aqui à Tasca da Esquina e ficou. E a partir daí evoluímos para tudo da esquina." A marca 'Da Esquina' está registada há cerca de 12 anos na Europa, América Latina e África.

Das compras do mercado, Vítor Sobral preparou lulas guisadas com feijão de debulho fresco, abóbora e nabo, e uns jaquinzinhos fritos acompanhados com um creme de abacate, coentros e limão. Este último foi uma estreia absoluta e revelou-se um casamento perfeito. "Se ao fim de todos estes anos ainda não soubermos quais os sabores que funcionam bem, estamos muito mal", justifica.

Vítor Sobral, chef, cozinheiro, tasca da Esquina
Vítor Sobral, chef, cozinheiro, tasca da Esquina

Vítor Sobral leva quase 35 anos de profissão. Diz-se "o primeiro alentejano a nascer fora do Alentejo". A família é natural de Melides. Quando se mudou para o Seixal fez questão de manter a ligação à terra e aos produtos alentejanos, oriundos da herdade que mantiveram na região. Aos 18 anos anos entrou na Escola de Hotelaria do Estoril, depois de não ter conseguido acesso à de Lisboa. "Não tinha cunha", costuma dizer.

Uma parte importante da sua vida que faz como cozinheiro vem da formação em França. A carreira culinária começou-a no Iate Ben, em Cascais, passou pelo Alcântara Café, pelo Café Café, Cervejaria Lusitana, Clube de Golfe da Bela Vista e restaurante Terreiro do Paço. Recebeu vários prémios, como a comenda da Ordem do Infante D. Henrique. A passagem pelo Alcântara Café deu-lhe mundo e a oportunidade de ver a cozinha fora de Portugal, quando começa a viajar.

O principal ingrediente de Vítor Sobral na cozinha é "manter as raízes o mais genuínas possível". Isso valeu-lhe, primeiro, o prémio de Melhor Restaurante Português de São Paulo e, depois, do Brasil, com a Tasca da Esquina. "Mantive a raiz lusitana o mais genuína possível que eu consegui e isso teve retorno. As minhas raízes, as minhas influências e a minha matriz de paladar é a portuguesa."

E daqui parte uma das posições mais polémicas de Vítor Sobral, com ataques frequentes ao prestigiado Guia Michelin: "Os inspetores do Guia Michelin não têm condições de julgar os cozinheiros portugueses nem a cozinha portuguesa porque eles não conhecem."

Brindemos pois à gastronomia portuguesa, sem preconceitos, nem sentimentos de inferioridade, porque afinal, também aqui continuamos a dar "mundos ao mundo".

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