
Andava Cesária Évora por Havana (Cuba), em 1999, para gravar o dueto 'Lágrimas Negras' com o cantor Compay Segundo (tinha já ele 91 anos), quando, a determinada altura, a cantora cabo-verdiana, bem ao seu jeito, lhe perguntou se ainda conseguia dar "uma trancanda". Esse momento ficou, na altura, registado em vídeo e as imagens, que até então permaneciam inéditas, podem ser vistas agora, como um dos episódios insólitos, no documentário 'Cesária Évora', já nas salas de cinema. O filme, que chega onze anos depois da morte da artista, e que tem dado muito que falar, mostra, não só o lado profissional da diva de Cabo Verde, mas também a sua vertente mais pessoal, incluindo o problema grave relacionado com a sua saúde mental.
O filme aborda também os vícios da artista especialmente o do tabaco e do álcool, este último que usava para vencer o medo do palco. "Ela cantava em bares não sabia fazer show", explica José da Silva, o homem responsável por ter tirado Cesária do Mindelo e de a ter mostrado ao mundo. "O dia em que encontrei a Cesária foi a sorte da minha vida. Estava em Lisboa e descobri o restaurante cabo-verdiano Monte Cara, onde essa senhora estava a cantar. Uma voz que me comoveu completamente", conta.
Um dos aspectos mais impactantes do documentário, no entanto, é aquele que se debruça sobre a doença bipolar de Césaria, com testemunho da neta Janete Évora, que revela que, por conta do distúrbio, a artista esteve durante 11 anos fechada em casa, "presa na sua cabeça, enquanto o país em festa se libertava do Colonialismo" recorda também uma amiga. Entre as memórias partilhadas, a neta Janete recorda também que ainda antes da fama (algo que nunca procurou), Cesária era tratada como "bêbada" e "prostituta". Conta também que a cantora "só queria ter um teto e o que comer". Conseguiu, no entanto, "muito mais". "É preciso cuidado com o que se deseja", diz Janete.
Realizado por Ana Sofia Fonseca, 'Césaria Évora', o documentário, começou a ser pensado na cabeça da realizadora logo após a morte da cantora. Ana Sofia, que tem casa no Mindelo (terra natal de Cesária), constantou bem de perto o transtorno do povo após a morte da diva dos pés descalços. "Fiquei do lado de fora da minha casa e vi a tristeza nos olhos das pessoas", lia-se no comunicado sobre o documentário que foi premiado no último Festival Indie Lisboa.