
O sucesso de Lisboa atingiu, nos últimos anos, níveis épicos e ninguém resiste aos encantos desta cidade 'Menina e Moça', que se soube modernizar para estar a par e passo das restantes capitais europeias, sendo que o desafio, no meio disto tudo, é não perder a autenticidade que se respira em cada tasca, em cada casa de fado, em cada páteo, onde vizinhos vivem entre sardinhadas, que empestam as roupas estendidas na corda, conversas ao lusco fusco e arrelias, partilhada entre cada ida à mercearia para que, como numa telenovela, todo o bairro saiba a vida dos que lá moram.
À luz dos novos preços das rendas e casas na capital, manter as tradições vivas não tem sido fácil, uma vez que, cada vez mais, gerações que cresceram em bairros como Alfama e Graça, são 'corridos' dos antigos apartamentos pela lei do capital e as casas, outrora com uma vida tão alfacinha, dão espaço a mais um Alojamento Local, as conversas entre vizinhos a serem substituídas pelo arrastar de trolleys pela calçada.
Claro que não haverá um caminho certo e outro que seja errado e, na verdade, isso também possibilitou que casas devolutas ganhassem uma nova roupagem, que tudo fosse consertado, arranjado em prol de um conjunto mais harmonioso. Lisboa já não está degradada, entaipada à espera de melhores dias, está arranjadinha, de fachadas pintadas, engalanada e à procura de um equilíbrio entre o posh e o clássico e tradicional, para que, ao chegaram à capital, os turistas saibam bem que aterraram em Lisboa e não se confundam momentaneamente pelo ronronar dos Tuc Tucs.
Lisboa está, efetivamente bonita, orgulha os que lá vivem, mas também preocupa, pela insegurança crescente em bairros como o Martim Moniz, Intendente e Mouraria, que estão bem diferentes de outros tempos, e o problema dos centenas de Sem-Abrigo, que procuram os recantos mais quentes das ruas para se abrigarem e para os quais continua a não haver solução.
Há uns tempos, o jornal 'El País' fazia um artigo, que se tornaria viral, em que dizia que "Lisboa morria de êxito", como um veneno auto-administrado. Choveram críticas, alavancadas na teoria da rivalidade histórica, de uma certa inveja de 'nuestros hermanos', mas se formos completamente imparciais e analisarmos o que lá vem escrito, não podemos deixar de concordar que os Tuc Tucs se tornaram numa espécie de flagelo, a descaracterização óbvia de uma cidade. Ninguém tem nada contra. A questão é somente porquê? Da mesma forma que não vamos 'colonizar' a Índia ou o Sudoeste Asiático com Pastéis de Nata, o contrário também vale. Era o mesmo que se, de repente, substituíssemos todas as nossas pastelarias de rua por Pâtisseries a vender macarrons parisienses. Não faz sentido...
O artigo do 'El País' teve o condão de nos fazer refletir sobre o caminho que Lisboa deve ou não seguir em tempos de tremendo sucesso. Mal comparado a uma figura pública, a maioria admite que, a dada altura, é difícil não se deixar ofuscar pela luz do próprio brilho, mas que o segredo está em encontrar o caminho de volta e, no fundo, nunca se esquecer de onde vem. Com Lisboa passa-se exatamente o mesmo, sendo que o desafio é que os novos restaurantes e espaços que dão um ar fresco à vida da capital possam conviver de forma harmoniosa com manjericos à janela postos, ano após ano, por alfacinhas que, num mundo ideal, podem continuar a viver no centro da cidade.
De qualquer das formas, não há dúvida que Lisboa está mais bela a cada ano que passa, com as principais avenidas e bairros a saberem, na maioria dos casos, renovar-se com sabedoria.
O brilho 'Posh' da cidade
A principal artéria da cidade modernizou-se, tem um brilho renovado e é o novo símbolo do luxo, está a par e passo de outras grandes capitais europeias. Já aqui falámos de como, neste processo de dar uma nova vida à Avenida, a empresária Paula Amorim teve um papel-chave ao, com a sua visão do mundo, trazer novos conceitos para o coração da cidade, que são agora dos mais procurados por quem a visita. A Avenida da Liberdade de hoje tem um pouco de tudo: as grandes marcas estão lá, há espaços de diversão renovados e até quiosques, onde nas noites de verão, se pode trocar dois dedos de conversa numa esplanada ao ar livre. A Avenida representa um pouco o sonho, o que para muitos é inatingível, o belo em todo o seu esplendor...
Uma Baixa de tradições
O Rossio e Baixa da cidade também se têm modernizado, o transito cada vez mais condicionado para que seja o espaço por excelência de passeios para admirar a arquitetura desta zona nobre da capital, que enfrenta vários desafios. Entre a proliferação das Zaras de tamanho XL, torna-se difícil conseguir manter de portas abertas as velhinhas lojas de tecidos, ourivesarias típicas, retrosarias e alfarrabistas de meia dúzia de metros quadrados apinhados de livros. E claro que sabemos que estes negócios, à luz dos nossos dias, podem ser insustentáveis, mas é um pouco manter aquele romantismo alfacinha, em vez de fingirmos que nesta cidade sempre se comeram croquetes com queijo da Serra, que se vendem agora aos turistas como o ex-libris da tradição lusa. É, lá está, o tal equilíbrio de que falávamos. Em vez de atascarmos os estrangeiros só com pastéis de nata, porque não lembrá-los que esta não é a única tradição gastronómica da cidade?
O Martim Moniz esquecido e os bairros típicos renovados
Da Baixa para o Castelo ou Graça passamos por uma área crítica da cidade, que levou recentemente a uma polémica intervenção policial. Não há dúvidas de que a insegurança se sente nas ruas do Martim Moniz e Mouraria, num crescendo ao longo, talvez, dos últimos dois anos, é real, mas estas ruas têm, também, um charme muito próprio, onde podemos encontrar uma multiculturalidade, uma mistura de cheiros e paladares que faz crescer água na boca, uma porta aberta para o mundo. No entanto, parece claro que, numa escala de prioridades, esta foi sendo sempre uma área que foi ficando para trás, enquanto tudo ao seu lado era 'engalanado'. Rodeado pela elegante Baixa, pela renovada Alfama, pelo mágico Castelo, o Martim Moniz é uma espécie de parente pobre que agora precisa de uma reestruturação profunda.
Bairro Alto e Príncipe Real: onde a magia da noite acontece
É onde a magia lisboeta acontece e onde a noite ganha os seus encantos. Entre restaurantes de Estrela Michelin, novos espaços de autor e pequenos bares onde não cabem muito mais do que as nossas conversas sussurradas, entre o Bairro Alto e o Príncipe Real, há sempre um copo de vinho pronto para ser partilhado. É também aquele sítio onde se respira história, onde ainda se faz, pelo menos, um jornal português - 'A Bola' - e que continua a ser um dos grandes palcos, a par com o Cais do Sodré e a agora famosa Rua Cor de Rosa, da animação noturna lisboeta.
A nova (e trendy) Lisboa Oriental
Se há uma década poucos davam alguma coisa por esta zona da cidade, hoje Marvila e o Beato estão renovados, atraem milhares de turistas, são um palco alternativo de cidade, onde se recebem estrelas de Hollywood em festivais como o Tribeca. O Beato é trendy, está bonito e renovado, as antigas casas a cair de podre agora com fachadas restauradas e pintadas de fresco. Uma nova zona oriental a florescer com vista para um rio, que cada vez mais recebe ciclistas, caminhantes a contemplar a outra margem e o Cristo Rei de braços abertos e aqueles que não resistem a um jogging matinal ensolarado.
Um oásis chamado Gulbenkian
Lisboa tem sabido renovar as suas principais artérias e, bem no centro, dá gosto agora passar pela renovada Gulbenkian, que é como que um oásis dentro da própria cidade. Um espaço verde e de Cultura que convida a passeios à sombra, a contemplar uma exposição patente, ou à leitura de um livro na relva enquanto os patos vão fazendo a sua vida indiferentes aos transeuntes. A Gulbenkian continua a valer muito a pena.
O charme de Campo de Ourique
É outro bairro com um charme muito característico, que nos lembra da importância dos negócios de rua, das pequenas lojas onde descobrimos verdadeiras pérolas, do prazer de conversar com o senhor que vende os jornais e nos recorda que o tempo vai estar incerto, dos restaurantes que servem a prato cheio, que não se esquecem dos clássicos bitoques e que convivem, sem zaragatas, com os brunchs e tostas de abacate da moda. Em Campo de Ourique, há como que espaço para tudo e para todos, num local agradável, com um mercado renovado e onde continua a sentir-se um espírito muito bairrista.
Alcântara, Belém, os ares do rio e o pulmão de Lisboa
Esta é outra das zonas da cidade que mais se tem crescido e modernizado. Se Belém é espaço de turistas, por excelência, subindo para a Ajuda temos ruas que se souberam renovar, mas onde ainda conseguimos encontrar um verdadeiro espírito bairrista. E se continuarmos em direção ao Alto de Santo Amaro, encontramos uma zona residencial modernizada, com espaços de convívio ao ar livre com o Tejo a espreitar lá ao fundo. Mais para cima, uma verdadeira bênção para quem vive em Lisboa: Monsanto. Poucas cidades se podem orgulhar de ter tudo, como Lisboa, e neste pulmão da capital, conseguimos sentir como se estivéssemos numa outra realidade. Fugir da confusão do trânsito para uma corrida, passear o cão ou simplesmente estendermo-nos na relva para repor a vitamina D.
Benfica
Correndo o risco de deixar muito de fora, porque em Lisboa cada bairro é único, Benfica tem sabido fazer o twist rumo à modernidade e encanta agora com os seus novos quiosques, restaurantes e uma zona que foi ganhando novos habitantes, que lhe deram um renovado interesse. Vale a pena passar por esta zona e comer naqueles restaurantes que não perdem qualidade (como o Edmundo ou a Roda) ou experimentar novos conceitos de brunch ou de street food.