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Luísa Castel-Branco lança livro que é um revisitar do perigo: "Quando a minha geração acabar, não há ninguém que tenha vivido isto"

De uma frase e da necessidade de não deixar que se esqueça aquilo que se viveu durante o período do Estado Novo, e que a censura tentou apagar, nasceu o 15º livro de Luísa Castel-Branco e também aquele de que mais se orgulha. 'Se Este Foi o Meu País' conta a história de quatro mulheres de uma classe privilegiada, num genuíno retrato de época, em que a autora nos nos transporta para tempos não assim tão distantes, com verdade e sem os romantizar. Lê-se num trago e não podia ser mais atual e pertinente aos nossos dias.
Rute Lourenço
Rute Lourenço
12 de novembro de 2025 às 20:00
Luísa Castel-Branco lança livro que é um revisitar do perigo: "Quando a minha geração acabar, não há ninguém que tenha vivido isto"
Luísa Castel-Branco lança livro sobre o Estado Novo e a importância da memória
Luísa Castel-Branco lança livro sobre o Estado Novo, sem romantizar a época
Luísa Castel-Branco lança livro sobre o Estado Novo e a importância da memória
Luísa Castel-Branco lança livro sobre o Estado Novo e a importância da memória
Luísa Castel-Branco lança livro sobre o Estado Novo, sem romantizar a época
Luísa Castel-Branco lança livro sobre o Estado Novo e a importância da memória

"D. Amélia transportava a sua cruz com grande dignidade, quiçá com nobreza." A frase andou meses às voltas na cabeça de Luísa Castel-Branco, ganhou forma aos serões, enquanto fazia tricot, até que a escritora se dispôs finalmente a passá-la para papel, resultando naquele que é o seu 15º livro, e também aquele de que mais se orgulha.

"A minha filha Inês (Castel-Branco, atriz) disse: 'oh mãe, este livro é um murro no estômago' e é isso mesmo. É muito diferente de tudo o que eu escrevi, é mergulhar em águas completamente diferentes, é um livro que praticamente não tem diálogos, é mais denso e também com uma linguagem própria. Fiquei orgulhosa, coisa que nunca me aconteceu com os outros livros, porque isto era uma coisa que eu gostava de fazer, porque estou com 71 anos e nesta altura é preciso relembrar, nem que seja através de um romance, aquilo que se viveu."

Quando fala acerca de "aquilo que se viveu" refere-se ao tempo em que decorre a narrativa de 'Se Este Foi o Meu País', e que acompanha o período do Estado Novo, mas sem o romantizar. Da dureza desses tempos, aos modos ásperos que marcavam as dinâmicas entre pais e filhos, às criadas que abdicavam da meninice para dedicar a vida a uma família, que não era a sua, tudo isto é lembrado numa obra que é também um importante refrescar de memória em tempos em que, numa franja mais extremista, se tende a falar dessa época com saudosismo.

"É um livro que conta a história de quatro mulheres de uma família, começando no período do Estado Novo, passando pela Revolução, PREC e primeiras Eleições Legislativas e no fim é como mostrar uma visão sobre como era Portugal naquele tempo, o que era a vida das mulheres, as classes sociais bem determinadas, e a grande diferença em como viviam. Tem crítica social, crítica religiosa, e também em relação às mulheres, como é óbvio. Os dados que pus no livro são todos verdadeiros. Uma das coisas que as pessoas não sabem é que houve uma inundação muito grande em Lisboa em 1968, morreram 800 pessoas e a censura cobriu. Foi uma coisa terrível e está inserido no livro."

Além da pesquisa, que Luísa fez por ser minuciosa, da linguagem, que adaptou à forma de falar de outros tempos, 'Se Este Foi o Meu País' dá-nos o olhar da própria escritora, que cresceu a namorar com uns palmos de distância, ainda que na altura já adivinhasse em si a feminista que viria a tornar-se, o que lhe traria dores de cabeça em casa. "Eu lido muito mal com proibições, e na altura era 'não podes fazer e acabou'. Lembro-me de ser suspensa do liceu porque levei calças, e ainda apanhei quando cheguei a casa. Mas claro que sou saudosista em relação a várias coisas, havia espaço para nos apaixonarmos e sonhar, e hoje em dia isso não acontece. Esse romantismo desapareceu."

Um retrato de outros tempos que, aos 71 anos, Luísa sentiu urgência em passar para o papel pela importância de preservar a memória de uma época que a censura tentou sempre apagar e que só se pode manter fiel à realidade graças aos depoimentos dos que lá viveram.

"Acima de tudo, o que é que eu penso muitas vezes? É que quando a minha geração acabar, não há ninguém que tenha vivido isto e o perigo de não ter ninguém que tenha vivido isto é seduzir-se com certos discursos, que o que fazem é cobrir a realidade. E face a essa preocupação perante estes discursos quer, em Portugal quer na Europa de um certo saudosismo, que põem em causa a coisa mais importante que nós temos, que é a democracia, eu acho que é bom as pessoas olharem e verem como é que eram as coisas verdadeiramente, porque só relembrando como foi podem perceber que quando nos falam dos bons velhos tempos, não é bem assim."

Publicado pela Bertrand, 'Se Este foi o meu País' lê-se num trago, com a avidez de quem, ao mergulhar noutros tempos, aprende a valorizar aquele em que vive. E apesar de ter saudades de um romantismo quase bucólico que fazia com que as relações amorosas fossem vividas com mais intensidade, Luísa Castel-Branco nunca cede à tentação de romantizar um quadro em se vivia em privação de liberdade.

"Por muito má que a situação seja hoje em dia, estamos a anos luz da fome que se vivia naquela altura. Posso embelezar o romantismo, mas depois é preciso falar de tudo o resto. Eu descrevo a vida das pessoas de uma classe social elevada e falo muito das criadas, das Marias, que com 10/12 anos vinham trabalhar para a cidade. Para a minha geração, vai ser um relembrar, para as outrs pessoas, eu gostava que lessem este livro e acreditassem que isto é mesmo verdade, e isto foi assim."

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