
Júlio Isidro, 76 anos de idade, muitas vezes apelidado de "Senhor Televisão", leva já 60 anos de profissão. Seis décadas que se confundem com a história do audiovisual português. Esta quarta-feira, 29, o apresentador da RTP esteve à conversa com Manuel Luís Goucha.
Durante 40 minutos, desfilou muitos dos episódios que lhe marcaram a vida com a mesma coloquialidade com que apresenta os programas de televisão e de rádio. Como tudo começou, as alegrias, a família, as tristezas e as canalhices. Júlio Isidro percorreu muitas das estórias que lhe pontuaram o percurso. A maior parte pode ser encontrada no livro autobiográfico 'O Programa segue Dentro de Momentos', onde fala de si mas também das muitas personalidades com quem se cruzou ao longo desta caminhada.
No livro há um termo pouco habitual na linguagem de Júlio Isidro: "Canalhas". O apresentador lidou com alguns e tem uma memória que não lhe permite esquecer as injustiças. Júlio não resistiu em partilhar um episódio num momento particularmente difícil em que estava sem trabalho.
"Aprendi já muito tarde que ninguém pede emprego. Não se pode pedir emprego. Hoje em dia, oferecemos projetos: "tenho aí uma coisa que é boa para ti." Eu não tenho jeito para isso. Eu não. Eu pedi trabalho dizendo que realmente não tinha trabalho", começa por recordar Júlio Isidro.
"Uma vez entrei no bar da televisão [RTP], onde estava lá um produtor – que era produtor de muitas coisas – e eu estava mais uma vez desempregado porque o meu contrato com a televisão [RTP] era, até há muito pouco tempo, a 13 semanas. E estava já há várias 13 semanas a falar sozinho. E fui ter com ele: "Olha, estou sem trabalho, arranjas aí algum programa para eu fazer, que eu precisava de trabalho?" Isto não se pode dizer porque normalmente cria arrogância do outro lado ou então o paternalismo e a mãozinha em cima do ombro: "Eu vou pensar em ti". Não pensa coisa nenhuma. Nós sabemos como estas coisas são", pragmatiza.
Do outro lado, "a resposta foi sinistra". "Porque é que estás a pedir trabalho, se estás tão bem vestido e andas sempre bem vestido?", considerou o referido produtor. Júlio Isidro terá enchido o peito de ar e de coragem para lhe responder: "É que eu sou bem nascido, ponto um; ponto dois, tomo banho todos os dias; ponto três só tenho este fato mas engomo-o todos os dias. Portanto, tenho muito bom aspeto, mas dinheiro não tenho."
"Há alturas em que há frases que valem um emprego. É evidente que sei quem foi a pessoa", congratula-se o apresentador que assume não ser "homem de perdoar". "Atenuo. São cristão e sou católico. O perdão é um estado que eu gostava de atingir sempre, mas o raio da memória não me permite que eu seja um homem de perdoar. Não gosto de dar a outra face. Há muitas bofetadas que me ficaram a arder dos canalhas."